Pequena crônica sobre uma infâmia
O esquecimento não deixa de ser uma forma de ignorância – portanto, é preciso ouvir “os outros” (ou “o próximo”) para evitá-lo. É mais difícil esquecer quando são muitos a pensar.
Há poucos dias, falando sobre o desvio de 30% das contribuições sociais, que a Constituição de 1988 estabeleceu na base do financiamento à Previdência (Cofins, CSLL, PIS/Pasep), ouvi de um velho amigo que essa proposta fora do PT, mais especificamente, do governo Dilma Rousseff.
Apesar da minha falta de fé no PT, não me lembrava mais disso. Para mim, o aumento desse desvio, denominado Desvinculação das Receitas da União (DRU), de 20% para 30%, fora uma obra de Meirelles/Temer.
No entanto, o amigo tinha razão: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 87/2015 foi enviada ao Congresso por Dilma Rousseff, no dia 8 de julho de 2015.
Essa PEC aumentava – e aumentou – de 20% para 30% o desvio das “receitas oriundas das contribuições sociais e econômicas, as taxas arrecadadas, os fundos constitucionais [do Norte, Nordeste e Centro-Oeste] e as compensações financeiras pela utilização de recursos hídricos para geração de energia elétrica e de outros recursos minerais”.
Além disso, essa mesma PEC prorrogava o desvio até o ano 2023 (o original, enviado por Dilma ao Congresso, pode ser lido em Câmara dos Deputados, PEC 87/2015).
Ou seja, prorrogava o desvio por 28 anos, já que ele começou em 1995.
É verdade que essa PEC somente foi aprovada no governo Temer. No entanto, Meirelles e Temer não a enviaram ao Congresso. Nem precisaram alterá-la.
Quem a remeteu ao Congresso foi o PT.
E para quê?
Em prol do “equilíbrio fiscal”, ou seja, para pagar juros (v. a justificativa da PEC, assinada por Dyogo Henrique de Oliveira, secretário-executivo do Ministério da Fazenda no governo Dilma e futuro ministro do Planejamento de Temer. Nem mesmo os nomes foram trocados, de Dilma para Temer – e ainda existe quem venha falar de “golpe”).
NEO-PREVIDÊNCIA
Porém, não é tudo.
Alertado – quase assustado – por esse esquecimento, resolvi ler alguns trabalhos sobre a Previdência.
Em um deles, há menção ao ataque do governo Fernando Henrique à Constituição de 1988 – isto é, a tentativa de destruir as conquistas sociais e nacionais consagradas por aquela que Ulysses Guimarães chamou de “Constituição-Cidadã”.
Em 1995, logo em seu primeiro ano, o governo dos tucanos divulgou um documento intitulado Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, que tinha uma estranha, mas sintomática, sigla (PDRAE).
No PDRAE se dizia que a Constituição configurava “um novo populismo patrimonialista no país”. Portanto, era preciso acabar com essas tendências perigosas de querer beneficiar o povo, melhorando a sua vida…
Quem era o autor desse documento?
O sr. Luiz Carlos Bresser-Pereira, então ministro da Administração e Reforma do Estado do governo Fernando Henrique, esse mesmo Bresser que hoje emite sábias teses neo-desenvolvimentistas, que sempre desembocam em um arrocho salarial para “melhorar a competitividade” de nossas exportações.
Daí, em 1995, o governo tucano enviou ao Congresso a PEC nº 33, para “alterar a aposentadoria e benefícios dos segurados da Previdência Social pública e gerida pelo INSS, o que afetou os que são cobertos pelo RGPS [trabalhadores do setor privado] e RPPS [funcionários públicos], com exceção dos militares das Forças Armadas.
“A tramitação da PEC nº 33 levou mais de três anos até a sua aprovação, a qual se deu com a Emenda Constitucional nº 20, aprovada em 15 de dezembro de 1998, provocando alterações, sobretudo, em relação ao aumento do tempo de contribuição e retardamento do acesso à aposentadoria tanto para o RGPS quanto para o RPPS.
“Além disso, retirou a constitucionalidade existente do cálculo para o valor dos benefícios, permitindo a criação de uma lei complementar, em 1999, que instituiu o Fator Previdenciário (FP), o qual impôs uma espécie de multa a quem quisesse aposentar-se sem ter atingido os requisitos instituídos” (cf. Edvânia Ângela de Souza Lourenço, Francisco Antonio de Castro Lacaz e Patrícia Martins Goulart, “Crise do capital e o desmonte da Previdência Social no Brasil”, Serv. Soc. Soc., São Paulo, nº 130, set./dez. 2017, pp. 472-473).
Apesar de conseguirem estabelecer um teto para as aposentadorias (hoje em R$ 5,6 mil), Fernando Henrique e Bresser não conseguiram aprovar o aumento da idade mínima para se aposentar (a proposta deles era 65 anos para os homens e 60 para as mulheres).
Porém, aumentou o tempo de contribuição para se aposentar (de 30 anos para 35 anos, no caso dos homens; de 25 anos para 30 anos, no caso das mulheres).
Além disso, “as aposentadorias especiais foram praticamente extintas, permanecendo esse direito apenas para professores (exceto os universitários) e trabalhadores em atividades insalubres. Também foi abolida a pensão integral por morte e feito um grande esforço para aprovar a contribuição previdenciária dos aposentados, o que foi inviabilizado pelo Supremo Tribunal Federal” (idem, p. 473).
Uma observação importante:
“É bom lembrar que, no Brasil, grande parte dos trabalhadores não tem como comprovar tempo de contribuição porque estão imersos em trabalhos precários, subcontratados, com baixos salários e expostos a condições de vida insalubres e a condições de trabalhos que causam acidentes, doenças e invalidez. Assim, exigir tempo maior de contribuição é impor um sacrifício demasiado a quem já tem uma condição de vida e trabalho sacrificada”.
Esta é a razão porque, das aposentadorias do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), apenas 31% são por tempo de contribuição (cf. MF, Informe de Previdência, V. 30, Nº 6, junho/2018, p. 26).
Quanto ao setor público, o governo Fernando Henrique não conseguiu aprovar o teto para suas aposentadorias.
Por fim, foi inventado o desvio de verbas hoje chamado DRU, para aumentar a quantidade de dinheiro público que era transferida aos rentistas, sob a forma de juros.
Na época, o nome desse desvio era Fundo Social de Emergência (FSE), ainda que seu único aspecto social estava em retirar da sociedade para encher as burras de parasitas financeiros.
Esse desvio de verbas foi estabelecido pelo prazo de dois anos. Hoje, ele já dura 23 anos, e foi aumentado, por Dilma e Temer, de 20% para 30%, com uma prorrogação até 2023…
No próximo artigo, veremos o que aconteceu com a Previdência no governo Lula.
C.L.
Matéria relacionada:
Como Fernando Henrique, Lula e Dilma pilharam as aposentadorias (final)
Exelente lavantamento acerca das aposentadorias, contudo em relação ao golpe não tem como esconder até os cegos e os mudos sabem desse vergonhosa parte de nossa história naquela votação truculenta comandada por Eduardo Cunha, foi golpe sim.
Gritando, mas gritando mesmo, descobrimos outro golpe: demitido, tendo por exemplo uns 15 anos de contribuição para o INSS, depois sendo demitido da empresa, no caso de trabalhar em outra empresa, estes 15 anos não seria válido para contar depois para aposentar…
Ou seja> aposentadoria seria NULA…É difícil uma pessoa com 45 anos de idade, ter que iniciar outro emprego, e começar a contribuir começando do zero até ter a idade para aposentar…
São trocistas e trapaceiros mesmo.
P/t é uma farsa.