Antes mesmo de sair o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre deste ano, tornou-se quase uma unanimidade entre os especialistas e comentaristas econômicos, que o país estava, com o atual governo – e seu desequilibrado presidente – indo em direção ao abismo (v., por exemplo, Desatinos de Bolsonaro recolocam o Brasil na rota da recessão).
Depois do resultado do PIB, publicado pelo IBGE no dia 30/05, tal opinião é unanimidade até no Ministério da Economia – onde o escroque que Bolsonaro colocou como ministro diz que é assim mesmo, quem manda o Congresso não se submeter a ele e não aprovar logo a sua famigerada “reforma da Previdência”…
A “reforma da Previdência” de Guedes e Bolsonaro nada tem a ver com o problema – e, se tivesse sido aprovada, o resultado da economia seria pior (v. Bolsonaro e Guedes afundam economia e culpam o Congresso e os aposentados).
Mais adiante voltaremos ao assunto. Por agora, é suficiente mencionar que é criminoso zombar e jogar com o destino de milhões de pessoas, como faz Guedes. Não tínhamos expectativa de que ele se comportasse de outro modo, mas nem por isso deixa de ser um desrespeito infame pelo sofrimento de 28 milhões e 400 mil brasileiros, desempregados ou subempregados, segundo a última PNAD Contínua – o maior número desde o começo da série do IBGE.
Guedes, porém, notou que seu conto sobre a falta da “reforma da Previdência” não estava funcionando. Nem a maior parte da mídia que apoia a “reforma” deixou de esculhambá-lo por essa afronta. Para tudo existe um limite. E todos, nessa mídia, idiotas à parte, sabem que não é por falta da “reforma da Previdência” que a economia afundou depois da posse de Bolsonaro.
Daí, a outra tentativa de saída de Guedes: a de que a cova para a qual está deslizando o país, não foi cavada por ele, mas por governos anteriores.
Não é verdade.
A prova são as previsões do próprio mercado financeiro de onde Guedes saiu – é verdade que saiu de um ramo especialmente marginal desse setor.
EXPECTATIVAS E DECEPÇÕES
No final do ano passado, o Itaú Unibanco aumentou sua previsão para o crescimento da economia brasileira, em 2019, de 2% para 2,5%.
A previsão do Bradesco era ainda maior: 2,8% para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
“A economia brasileira encontra-se em uma posição cíclica favorável à retomada do crescimento”, dizia o relatório do Bradesco. “A inflação e os juros estão baixos; as famílias e empresas estão menos alavancadas; o déficit externo é reduzido e há grande ociosidade no mercado de trabalho e na indústria”.
Quanto ao Itaú, seu relatório explicava o aumento de sua previsão do seguinte modo: “A mudança é consequência da perspectiva de condições financeiras mais expansionistas, em particular com juros de mercado mais baixos e preços de ativos (por exemplo, ações) mais elevados”.
A partir de março, tanto o Itaú quanto o Bradesco começaram a rever para baixo as suas previsões. Não por qualquer coisa que tivesse acontecido em governos passados.
Pelo contrário, como vimos, no final do governo passado eles estavam prevendo 2,8% e 2,5% de crescimento em 2019.
Hoje, essas previsões estão em 1,1% (Bradesco) e 1% (Itaú).
A previsão do Itaú, até agora, caiu 1,5 pontos percentuais (ou -60%).
A do Bradesco caiu 1,7 p.p. (ou -61%).
E com viés de queda – como dizem alguns economistas de banco, ou seja, com tendência a cair mais e mais e mais e mais.
Refletindo as previsões do conjunto do mercado financeiro, o Boletim Focus, publicado semanalmente pelo Banco Central (BC), previa 2,55% de crescimento, em sua edição de 28 de dezembro de 2018.
Bem entendido, 2,55% era a mediana das previsões dos bancos e outras empresas financeiras. O que significa que metade dessas empresas previam um crescimento ainda maior.
Vejamos as medianas dessas previsões, divulgadas pelo Boletim Focus até fevereiro:
- 28/12/2018: 2,55%;
- 04/01/2019: 2,53%;
- 11/01/2019: 2,57%;
- 18/01/2019: 2,53%;
- 25/01/2019: 2,50%;
- 01/02/2019: 2,50%;
- 08/02/2019: 2,50%;
- 15/02/2019: 2,48%;
- 22/02/2019: 2,48%.
A partir daí, até a última segunda-feira (03/05), quando foi publicado o Boletim Focus de 31/05, houve 14 quedas seguidas nas previsões de crescimento do mercado financeiro:
- 01/03/2019: 2,30%;
- 08/03/2019: 2,28%;
- 15/03/2019: 2,01%;
- 22/03/2019: 2,00%;
- 29/03/2019: 1,98%;
- 05/04/2019: 1,97%;
- 12/04/2019: 1,95%;
- 18/04/2019: 1,71%;
- 26/04/2019: 1,70%;
- 03/05/2019: 1,49%;
- 10/05/2019: 1,45%;
- 17/05/2019: 1,24%;
- 24/05/2019: 1,23%;
- 31/05/2019: 1,13%.
Aqui, o mais importante, em se tratando de uma série de medianas em que os números são decrescentes, é que 50% das previsões estão, hoje, abaixo de 1,13%.
ASFIXIA PROVOCADA
Então, o que aconteceu?
O que ocorreu foi uma brutal queda no crédito e no investimento público – além da manutenção de juros totalmente irracionais, sobretudo considerando a situação do Brasil.
A rigor, o que aconteceu foi uma estupidez. E, leitores, não foi a Natureza ou Deus os responsáveis por essa estupidez.
Os responsáveis – aliás, os irresponsáveis – têm nome e sobrenome.
Então, vejamos:
No último relatório sobre crédito, publicado pelo Banco Central (BC), há uma linha importante sobre o financiamento dirigido às empresas:
“O crédito às empresas com recursos direcionados se manteve em declínio: -1,3% no mês e -8,5% em doze meses” (cf. BCB, Estatísticas Monetárias e de Crédito, 29/05/2019, p. 3).
Não temos os resultados de maio, que somente serão divulgados no fim de junho.
Então, resumindo os primeiros quatro meses do ano: em abril, o crédito dirigido às empresas caiu 8,5% em relação a abril do ano anterior e caiu 1,3% em relação a março.
Em relação a dezembro de 2018, último mês antes da posse de Bolsonaro e Guedes, a situação do crédito às empresas foi a seguinte:
- Janeiro: -1,8%.
- Fevereiro: -2,4%.
- Março: -2,9%.
- Abril: -4,2%.
Mas a comparação mais significativa, para retratar a situação do crédito às empresas, é aquela em 12 meses (ou seja, comparando com o mesmo mês do ano anterior):
- Janeiro: -8,4%.
- Fevereiro: -8,0%.
- Março: -7,8%.
- Abril: -8,5%.
Isso não é uma débàcle.
Isso é um estrangulamento das empresas, ao modo de um serial-killer, daqueles que aparecem em filmes norte-americanos.
Em abril, o financiamento de investimento do BNDES caiu 7,6% em relação ao mesmo mês do ano anterior (o crédito para capital de giro do BNDES caiu 42,9%; embora seja verdade que esta jamais foi a especialidade do BNDES, não há como uma queda dessas não ter influência).
Este é o motivo pelo qual o investimento das empresas (a Formação Bruta de Capital Fixo) caiu 1,7% no primeiro trimestre do ano.
Devido a medidas tomadas pelo governo Bolsonaro.
Daí a declaração do economista Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do BNDES: “O que piorou nesta administração foi o completo desprezo pela parcela pública do crédito. Quando o nível de crédito cai seis, sete pontos percentuais de uma tacada só, não é preciso ser gênio da economia para perceber que houve uma diminuição do oxigênio”.
A política de Guedes – e Levy, ministro da Fazenda de Dilma que Bolsonaro nomeou para o BNDES – é a de retirar recursos do principal banco público que financia os investimentos das empresas produtivas e colocá-los no Tesouro.
Para quê?
Para transferir esses recursos, sob a forma de juros, aos rentistas, ao setor financeiro, aos que não trabalham, vivendo parasitariamente de juros.
Em suma, pela mesma razão que Guedes quer tirar R$ 1 trilhão da Previdência.
Não é um acaso que, ao mesmo tempo que secavam recursos para as empresas produtivas, aumentaram as transferências de juros, do setor público para o setor financeiro, desde janeiro (sobre isso, v. BCB, Estatísticas Fiscais, 31/05/2019).
DESINVESTIMENTO GERAL
O governo Bolsonaro conseguiu um recorde: no primeiro trimestre deste ano, o total do investimento público federal foi de apenas R$ 6,2 bilhões (ou 0,35% do PIB), em um orçamento de mais de três trilhões (para ser exato, R$ 3.382.224.021.819).
Trata-se do menor investimento público federal já registrado na atual série do IBGE, uma queda de 30% em relação ao mesmo período de 2018, quando a administração do país, entregue a Temer e Meirelles, estava longe de ser brilhante (v. Investimento público é o menor em 13 anos, HP 17/05/2019).
Até aqueles comentaristas que sempre defenderam que o investimento público deveria ser cortado, supostamente para “dar espaço” ao investimento privado, agora defendem – como disse um deles na TV – que a “confiança” para que o empresário faça investimentos é dada pelo investimento público.
A rigor, os empresários não estão investindo porque ninguém é maluco de investir onde o consumo está parado, estagnado – o que é um resultado da política de Guedes.
Se não há compradores para as mercadorias, por que investir para produzi-las?
Mas é evidente que o gasto público é que “puxa” o investimento privado, até porque ele cria consumidores, cria compradores de mercadorias ou aumenta o seu poder de compra.
Com uma queda de 30% no investimento público federal e outro tanto no custeio (a verba para manter a máquina pública), o resultado é a estagnação – e, mais que isso, o retrocesso econômico.
A política de Bolsonaro e Guedes é desinvestir – inclusive aquilo que já é investimento realizado (daí a declaração de Guedes, com uma linguagem típica de bandidos, de que vai “passar a régua” nas estatais).
Por que, então, ele iria fazer novos investimentos?
MAIS UM GÊNIO
No momento, até os neoliberais estão considerando a taxa básica de juros (Selic) absurda. Mais absurda ainda para uma economia com resultado negativo.
Aliás, até alguns integrantes do setor financeiro estão pedindo um corte nos juros. Por exemplo, eis um boletim do Itaú:
“Como principal motivo por trás dessa fraqueza [do crescimento], acreditamos que a taxa de juros neutra tenha se deslocado para baixo, devido ao ajuste fiscal e à redução dos subsídios creditícios. Uma análise simplificada da relação entre o crescimento do PIB e a taxa de juros indica que a taxa de juros real atual (em torno de 2,8%) não é, por si só, suficiente para que a economia cresça significativamente acima de 1%. (…) Acreditamos que o crescimento do PIB poderá acelerar para 2,0% no próximo ano [2020], após corte da taxa Selic para 5,5%, levando a taxa de juro real ex-ante para 1,8% no início de 2020” (cf. Itaú, Cenário macro-Brasil, 13/05/2019).
Com certeza, de que vale acelerar a extração de ovos de ouro, se isso resultar na morte da galinha?
Guedes, evidentemente, não consegue entender, até porque não quer entender, essa simples verdade de uma fábula para crianças.
De janeiro a abril, a transferência sob a forma de juros ao setor financeiro foi de R$ 129,166 bilhões, um aumento de 9% em relação ao mesmo período do ano passado.
Entretanto, segundo declarou Roberto Campos Neto, o presidente do BC de Bolsonaro – e neto de Bob Fields, entreguista-mor do primeiro governo da ditadura –, baixar os juros não tem importância para a economia: “A melhor forma de contribuir para o crescimento é ter credibilidade”, disse Bob Fields Neto.
Deve ser por isso que ele entrou para o governo Bolsonaro.
MÁGICA
Todos os economistas com algum grau, ainda que mínimo, de seriedade, até mesmo os neoliberais, concordam em que a “reforma da Previdência” de Guedes não teria efeito positivo algum sobre a economia, pela simples razão de que não é por falta dessa “reforma” que o país está aceleradamente caminhando para o abismo.
Isto se dá, inclusive, entre aqueles que concordam com uma reforma da Previdência (não necessariamente com a de Guedes).
Por exemplo:
EL PAÍS: A aprovação da reforma pode contribuir de forma contundente para retomar a confiança de empresários e investidores e ajudar o país a retomar a rota de crescimento?
JOSÉ LUÍS OREIRO: Não. Isso não gera demanda, você está cortando gastos que vão acontecer no futuro. Ou que iriam, caso a reforma não fosse aprovada. Porém, isso não gera um centavo a mais para aumentar investimento público. E, sem o aumento do investimento público, não há como sair dessa armadilha (…). Sobre a confiança, não existe nenhuma evidência empírica a respeito da chamada contração fiscal expansionista. Inclusive, os efeitos da reforma já estão precificados nos ativos, no dólar e na Bolsa. Então, você não vai ter ganhos significativos com a aprovação das mudanças no regime de aposentadoria. (…).
“Contração fiscal expansionista” é o nome da espetacular tese, segundo a qual, para expandir é preciso contrair – ou: para crescer é preciso causar uma recessão. Assim, com o “ajuste fiscal”, os “investidores” seriam tomados por um acesso de “confiança” e despejariam seu dinheiro, fazendo a economia crescer.
Invariavelmente, os adeptos dessa tese só entregam a primeira parte dela.
Até agora, e o governo Bolsonaro/Guedes é o exemplo mais evidente, a única coisa que se conseguiu, ao provocar uma recessão, foi uma recessão.
C.L.