Os crimes do cartel do bilhão contra o Brasil (17)
(HP 02/10/2015)
CARLOS LOPES
Outra vez destacamos como, já em 2011, os funcionários da Petrobrás detectaram os problemas. No entanto, o esquema do sr. Cunha e do PMDB continuou operando, sob o acobertamento do governo e do PT. O escândalo público, nesse contrato, só apareceu quando o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro fez, em 16/07/2014, denúncia criminal, baseada na auditoria da Petrobrás.
Só para ilustrar, reproduzimos algumas “não conformidades” (sic) apontadas pela auditoria:
“a) Foi utilizada extensa planilha, com cerca de nove mil itens;
“b) O prazo para apresentação de proposta tão complexa foi curto – inicialmente, vinte dias, os quais foram prorrogados por mais quinze dias;
“c) Convite apenas em português para licitantes estrangeiras;
“d) Seleção de empresas que não atuam ou não tinham especialização em SMS;
“e) Contratação com mais foco em serviços de construção e montagem (C&M) em detrimento de SMS;
“f) Inclusão de serviços de manutenção rotineira ou incompatíveis com as instalações onde seriam executados;
“g) Inclusão de serviços a título de ‘reparos provisórios e emergenciais’ não condizentes com a natureza e propósito da contratação;
“h) Inserção de 3.856 itens de serviços, sem fundamentação técnica (arbitrados com quantidades ‘um’ ou ‘dois’);
“i) Inexistência de conteúdo e abrangência nos 358 projetos previstos para os nove países objeto do contrato;
“j) Falta de qualidade e clareza das informações técnicas essenciais ao correto e adequado entendimento do escopo contratual;
“k) Ausência de especificações ou detalhamento dos serviços e fornecimentos previstos no contrato;
“l) Inconsistências relacionadas à orçamentação dos serviços, análise da proposta vencedora e elaboração da documentação contratual.”
PREÇOS
A defesa, apresentada na época da gestão Graça Foster, de que, após a auditoria de 2011, o contrato com a Odebrecht, na área de SMS, foi reduzido pela metade, tem, entre outros problemas, o fato de que essa redução foi também uma redução das subsidiárias da Petrobrás que deveriam ser alcançadas por ele. Na primeira versão, eram nove países, além do Brasil. A partir da renegociação, os países caíram para quatro (EUA, Paraguai, Uruguai e Argentina). Portanto, é ilusória – ou quase isso – a redução de preço.
Além disso, essa renegociação somente foi realizada em janeiro de 2013, mais de dois anos após a assinatura do contrato.
Houve a argumentação de que tal se deu porque a auditoria interna somente se encerrou em outubro de 2012 – o que é verdade. Mas não era preciso esperar tanto, porque “três semanas depois da assinatura [do contrato com a Odebrecht], em 11 de novembro de 2010, a Petrobrás contratou uma consultoria (…) para de fato fazer o projeto. O contrato (SAP 4600323905) com a consultoria custou R$ 29 milhões e ficou pronto em setembro de 2011. A conclusão dos consultores foi que 80% dos projetos analisados não tinham dados suficientes para sua execução” (OESP, 09/11/2013).
Tivemos o cuidado de conferir os dados desta notícia – são verdadeiros. Portanto, pelo menos uma parte – a que diz respeito ao que a Odebrecht não era capaz de fazer – é conhecida desde setembro de 2011. As implicações financeiras são óbvias, dispensando comentários.
Melhor é citar um fato: em janeiro de 2013, essa redução no preço era tardia, também, porque, como está na própria auditoria da Petrobrás, “até julho de 2012, o desembolso contratual atingiu US$ 220 milhões, dos quais US$ 162 milhões (74%) gastos em mobilização e supervisão e apenas US$ 58 milhões (26%) com serviços”.
O mesmo documento registra que a Odebrecht superfaturou o contrato através de artifícios grosseiros. Por exemplo:
Na parte referente à Argentina, o diretor do contrato tem salário de R$ 63 mil/mês, o aluguel de 3 máquinas fotocopiadoras custa R$ 7,2 milhões (R$ 200 mil/mês), o aluguel de um terreno custa R$ 3,23 milhões (R$ 90 mil/mês), apesar de, pelo contrato, a área ser fornecida pela Petrobrás.
Além disso, “os preços unitários do contrato da CNO são superiores aos dos mercados locais (Argentina – média de +95%; Chile – mínimo de +14% a um máximo de +598%)”.
Mas nada se compara à Bolívia, onde os preços cobrados pela Odebrecht à Petrobrás variavam “de um mínimo de +9% a um máximo de +1.654%” em relação aos preços locais.
NAVIOS
Os outros negócios, citados pelo juiz Moro, onde houve participação do operador Henriques foram:
1) venda da Refinaria de San Lorenzo, na Argentina , para a Oil Combustibles
2) compra de 50% no bloco 2714A, na Namíbia, da inglesa Chariot Oil & Gas
3) venda de 27,3% da participação indireta na Edesur, da Argentina
4) reforma da Centro de Pesquisa da Petrobrás
5) obra dos FPSOs 67 e 70.
As ações judiciais (estamos resumindo mais de uma – aliás, várias) são baseadas, sobretudo, nas auditorias da Petrobrás.
A questão é: depois de identificadas tão precocemente as irregularidades na Diretoria Internacional, por que o governo – ou a presidente do Conselho da Petrobrás, a então ministra Dilma Rousseff – não tomaram alguma providência?
Fundamentemos essa pergunta, pois só é possível chegar a uma resposta verdadeira se a pergunta for cabível. Voltemos, para isso, aos navios-sonda.
Enfatiza o juiz federal Sérgio Moro:
“A Auditoria Interna da Petrobrás analisou e detectou graves irregularidades na contratação dos navios-sonda Petrobras 10000 e Vitória 10.000, contratados da Samsung, como também dos navios-sonda DS-5, contratado da empresa PRIDE/ENSCO (também construído pelo estaleiro Samsung) e Titanium Explorer, contratado da empresa Vantage Drilling, de propriedade da empresa chinesa Taiwan Maritime Transportation Co. LTD (TMT).”
A auditoria que investigou a construção dos navios-sondas – assim como a anterior, que investigou o contrato SMS com a Odebrecht – é um documento que honra a Petrobrás – e mostra o quanto é poderoso o conteúdo que sempre fez dela a mais estimada companhia brasileira, a síntese de nacionalidade e honradez do povo brasileiro.
O relatório da auditoria aponta que esses negócios da Diretoria Internacional foram baseados em um “estudo” que era uma fraude, aliás, reiterada. Por exemplo:
“O mesmo estudo foi utilizado, 8 meses após a autorização para construir o Petrobras 10000, para viabilizar a necessidade/oportunidade de se construir um 2º navio-sonda no mesmo estaleiro, e, ainda, para sustentar, no 2º semestre de 2007, a negociação e contratação, sem competição, em jan/2008, do navio-sonda da Pride Global Ltd, o DS-5, também a ser construído pela Samsung Heavy Industries (SH1).
“Acrescente-se que, em set/2007, a área técnica questionou a necessidade da contratação desse 3º navio- sonda. O levantamento de oportunidades/necessidades da Área Internacional deixou de considerar o contrato de serviços de perfuração firmado com a empresa Sevan Drilling Pte Ltd (sonda Sevan 650), em set/2006, para operações em águas ultraprofundas da costa americana do Golfo do México, com opção de também operar em outras partes do mundo” (cf. Relatório de Auditoria Interna R-02.E.003/2015, p. 3/4, grifos nossos).
Em seguida, os auditores da Petrobrás abordam o caso que merece mais atenção do juiz Moro, o já mencionado aluguel do navio Titanium Explorer:
“… outra contratação sem necessidade comprovada foi a do navio-sonda Titanium Explorer. Enquanto a área técnica apresentava estudo indicando que a necessidade imediata seria a contratação de sonda para 1.800 de lâmina d’água, a INTER-DN recebeu ofertas, negociou e contratou, em jan/2009, por 8 anos, sonda para 3.000 ” (idem, p. 4, grifos nossos).
Trata se um contrato de serviço (Drilling Service Contract – DSC) no valor de US$ 1.816.000.000,00 (um bilhão e 816 milhões de dólares) com a Vantage Deepwater Company, subsidiária da Vantage Drilling Corporation, com sede em Houston, Texas.
Parece inacreditável que a Diretoria Internacional, cujo titular era indicado pela cúpula do PMDB, tenha realizado um negócio desse porte, passando por cima da área técnica da Petrobrás. Mas assim foi:
“O recebimento de propostas, as negociações e assinatura de memorandos de entendimento foram realizados sem prévia autorização da Diretoria Executiva (…). A boa prática de realizar processos competitivos para a seleção de propostas não foi seguida. Os registros das rodadas de negociação e dos respectivos responsáveis foram escassos”.
O mesmo em relação ao outro navio-sonda, o DS-5:
“Na contratação da [empresa norte-americana] Pride (DS-5), os parâmetros comerciais foram acordados pelo Diretor [Jorge Zelada] antes das rodadas de negociação para a assinatura do contrato, tornando pouco efetivo o trabalho da comissão constituída para esse fim. Também, o Diretor assinou o contrato e somente cerca de 30 dias após o ato submeteu o assunto para homologação da Diretoria Executiva”.
Mais explicitamente ainda:
“A decisão de contratar o navio-sonda Titanium Explorer ficou restrita a 3 pessoas: o Gerente Geral da INTER-DN/PMDI, o Gerente Executivo da INTER-DN e o Diretor da Área Internacional.
“Posteriormente, a assinatura de aditivo que concedeu mais prazo para a apresentação do navio-sonda deixou de ser submetida à aprovação da DE [Diretoria Executiva], sendo encaminhado por ato de gestão junto com os documentos de cessão do contrato para a Petrobras America Incorporated (PAI – a subsidiária da Petrobrás responsável pela refinaria de Pasadena)” (cf. Petrobras, Relatório de Auditoria R-02.E.003/2015, p. 4).
Vamos resumir, embora muito parcialmente, o resultado financeiro desse golpe contra a Petrobrás, segundo a própria auditoria da empresa:
“Em curto período, houve reajuste de 3% (US$ 19 milhões) no preço de construção dos navios-sondas Petrobras 10000 e Vitoria 10000 pela SHI [Samsung], sem indicação de qualquer objeção ou questionamento pela Área Internacional. Ao final das construções, a diferença foi de 5% (US$ 31,5 milhões) num período inferior a 1 ano”.
Porém, essa diferença já era em cima de preços superestimados:
“… o valor inicial do contrato do Petrobras 10000 foi superestimado em US$ 11,9 milhões após inclusão e exclusões de itens no escopo durante negociações, sem explicação”.
Quando ao Vitoria 10000, “foi estabelecida cláusula de variação cambial entre US$ e Coroa Norueguesa (NOK) para uma parcela do preço do Vitoria 10000, que representou acréscimo de US$ 11,4 milhões, por uso de valor de paridade (US$ 1,00 = NOK 6,65) incoerente para o período” (idem, p.4).
ACELERADO
Situemos tudo isso, tomando como exemplo o navio-sonda Petrobras 10000.
O preço oferecido inicialmente pela Petrobrás à Samsung Heavy Industries (SHI) para a construção do Petrobras 10000 era US$ 551.000.000,00 (551 milhões de dólares) – cf. Letter of Intent Petrobras to SHI, 14/04/2006.
Três meses depois, o contrato para a construção do navio-sonda foi assinado por US$ 586.000.000,00 (586 milhões de dólares) – cf. Drillship Construction and Sale Contract, 14/07/2006).
Mais três meses, em 18/10/2006, e esse preço aumentou para US$ 596.892.300,00 (596 milhões, 892 mil e 300 dólares).
Outros três meses depois, em 07/01/2007, o preço aumentou outra vez, para US$ 597.371.906,00 (597 milhões, 371 mil e 906 dólares).
Depois disso, passou-se mais de um ano até que, em 27/05/2008, o preço aumentou para US$ 602.938.531,00 (602 milhões, 938 mil e 531 dólares).
Finalmente, quando o navio ficou pronto, em 30/07/2009, ele custou US$ 603.013.501,44 (603 milhões, 13 mil, 501 dólares e 44 cents).
Ou seja, em cima de um preço já inflado, ainda houve um acréscimo de US$ 52.013.501,44 (52 milhões, 13 mil, 501 dólares e 44 cents).
INFORMAÇÕES
Apenas acrescentaremos, para finalizar nosso relato desse caso, algumas informações que complementam o episódio dos navios-sonda:
1) “As irregularidades na contratação dos navios-sondas Petrobras 10000 e Vitória 100000 já foram objeto de denúncia pelo MPF, já tendo o colaborador Julio Camargo afirmado que pagou cerca de U$ 40 milhões como propina para a diretoria internacional viabilizar o negócio, na época comandada por Nestor Cerveró (cf. MPF, “Requerimento de medida cautelar de busca e apreensão criminal e prisão preventiva em face de Jorge Luiz Zelada”, 09/06/2015, p. 22).
2) “Segundo a auditoria da Petrobrás, na sonda ENSCO-DS-5 da Pride foi detectado um superfaturamento de U$ 118 milhões (idem).
3) “As taxas diárias de operação dos 4 navios-sondas estavam dentro da faixa do mercado para a época em que foram negociadas, mas a análise muda com a adição de bônus por performance muito elevados” (cf. Perobras, Auditoria R-02.E.003/2015, p. 5).
4) No caso da sonda ENSCO-DS-5, da Pride, “as taxas de bônus de performance de 17% estavam elevadas para o caso concreto, tendo em conta que na época se praticava um bônus de 10%”.
5) “Em relação ao Pride/Ensco DS-5, além do bônus por performance, outras condições comerciais também são favoráveis à contratada. A inconveniência do negócio era tão notória que o navio operou no Golfo do México somente entre 11/07/2011 e 26/12/2013, quando foi cedido para a Repsol até 27/10/2014 e, logo seguida, cedido para a Murphy até 13/03/2015. Desde então o navio-sonda permanece ocioso.
6) “Na contratação do Titanium Explorer, a redução de 3% no valor cheio da taxa diária de operações (taxa + bônus), concedida durante as negociações, veio a beneficiar a Vantage, pela extensão de mais 1 ano de prazo contratual. Ainda nesse processo, apesar de a INTER-DN indicar ter adotado critérios de avaliação para comparar diversas propostas, constatou-se que as mesmas eram incomparáveis, pois não foram formuladas com parâmetros idênticos, por exemplo, o prazo. Além disso, não houve consulta formal ao mercado, mas sim a reunião de diversas ofertas recebidas num período.
7) “A demora em concretizar negociação com a Schahin para a vinda do Vitoria 10000 para o Brasil implicou em custo de aproximadamente US$ 126 milhões.
8) “Em relação ao Titanium Explorer, destaca-se o aditivo que possibilitou a entrada em operação do navio-sonda com 1 ano de atraso, evitando assim, a resilição do contrato, que deveria acontecer após 180 dias de atraso. Cabe destacar ainda a liberação da multa após os primeiros 180 dias de atraso que envolveu o upgrade do BOP [Blow Out Preventer: equipamento de segurança composto por um conjunto de comportas de controle montadas na cabeça do poço] da embarcação.
9) “Os relatórios de visitas indicam a presença de Júlio Gerin de Almeida Camargo em reuniões do então Diretor Nestor Cerveró e com a Mitsui e Samsung. Evidencia-se ainda que ao menos uma reunião contou com a presença de Nestor Cerveró, Fernando Antônio Falcão Soares [Fernando Baiano] e Júlio Camargo. Também chamou a atenção o fato de uma mesma pessoa, Hamylton Padilha, participar de reuniões de negociação representando ora a Pride, atual Ensco, ora a Vantage”.
10) Nas contas de Zelada no Julius Baer Bank, em Mônaco, entre o mês de julho e agosto de 2014, houve 48 entradas de títulos, no valor global de EUR 7.558.496 (sete milhões, 558 mil e 496 euros). Zelada estava tentando fazer a mesma coisa que Renato Duque, e no mesmo banco (um deles): transferir valores da Suíça, onde a Justiça brasileira já conseguira entrar em acordo com as autoridades locais, para outros países.