
LUIZ CARLOS AZEDO
Em mais uma surpreendente decisão, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, proibiu a Universidade de Harvard de matricular estrangeiros. A determinação foi comunicada pela secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, que ordenou o encerramento do Programa de Estudantes e Visitantes de Intercâmbio (SEVP) da universidade. Os estudantes internacionais devem se transferir ou perderão seu “status legal”. Um juiz federal sustou a medida.
Trump quer interferir na programação, nas contratações e nas admissões das principais universidades do país, ameaçando cortar benefícios federais. Harvard resiste e anunciou que vai receber estudantes e acadêmicos “que vêm de mais de 140 países e enriquecem a universidade — e esta nação — imensamente”. Trump e outros líderes de extrema direita no mundo, como aqui no Brasil, veem as universidades como irradiador do “marxismo cultural”. Harvard é um templo liberal, dedicado ao desenvolvimento da ciência e à pesquisa.
Algumas das mais importantes personalidades norte-americanas passaram por lá: os presidentes John F. Kennedy (35º), Barack Obama (44º), Franklin D. Roosevelt (32º) e Theodore Roosevelt (26º), por exemplo. Ban Ki-moon, ex-secretário-geral da ONU, e Michelle Obama, ex-primeira-dama dos EUA, também. Bill Gates, cofundador da Microsoft , e Mark Zuckerberg estudaram em Harvard, mas não concluíram a graduação.
Harvard é um celeiro de cientistas, como Steven Pinker, psicólogo e linguista; E. O. Wilson, considerado o “pai da sociobiologia”; e Neil de Grasse Tyson, astrofísico. A juíza Elena Kagan e o presidente da Suprema Corte dos EUA, John Roberts, são juristas formados em Harvard. Como o ator Tommy Lee Jones, o comediante Conan O’Brien, a atriz Natalie Portman e o poeta T. S. Eliot, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura.
Passaram por lá o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa e atual presidente da Corte, Luís Roberto Barroso; o ex-governador do DF Cristovam Buarque; o banqueiro Roberto Setúbal (Itaú); a empresária Luiza Helena Trajano (Magalu); o ex-presidente do Banco Central (BC) Henrique Meirelles; o neurocientista Miguel Nicolelis; e a geneticista Lygia da Veiga Pereira, sem falar no filósofo Roberto Mangabeira Unger, que é professor de Harvard.
Quem deve estar gostando da decisão de Trump é a China, que formou muitos de seus executivos e cientistas em Harvard, mas agora é um polo de atração de cérebros dedicados à inovação e à tecnologia. É uma situação parecida com o que aconteceu na Itália, apesar das obras de Leonardo da Vinci e Michelangelo, no Renascimento. A Revolução Industrial poderia ter começado em Florença, que já foi o principal polo de produção e comércio de tecidos da Europa, especialmente de lã e de seda.
INFINITESIMAL
A partir do século XVII, Florença perdeu sua liderança na indústria têxtil para outras cidades europeias, como Lyon, na França, e sobretudo Manchester, na Inglaterra, berço da Revolução Industrial. Uma das causas foi a Contrarreforma, que não aceitava as teses de Hipaso de Metaponto sobre os números irracionais incomensuráveis. Esse filósofo grego foi afogado no mar. Contrariara Pitágoras, para quem o mundo só poderia ser descrito por números racionais.
Cálculos infinitesimais servem para calcular os volumes de cones e cilindros. Arquimedes de Siracusa utilizou-os para calcular áreas e volumes. Eram uma alavanca para mover o mundo, porém contrariava a geometria de Euclides. O livro Infinitesimal, a teoria matemática que mudou o mundo (Zahar), de Amir Alexandre, conta essa história.
A Companhia de Jesus perseguiu os monges matemáticos italianos que se dedicavam ao cálculo infinitesimal, depois da tradução para o latim da obra de Arquimedes. Cristóvão Clávio (1538-1612), professor do Collegio Romano, alicerçou a antirreforma na geometria euclidiana, por acreditar que se aplicava a todos os campos de conhecimento. Galileu Galilei (1564-1642), Bonaventura Cavalieri (1598-1647), Evangelista Torriceli (1608-1647) e Stefano degli Angeli (1623-1697), notáveis matemáticos, foram perseguidos.
Os infinitamente pequenos ameaçavam o dogma de que o mundo é racional e todas as coisas, naturais e humanas, têm seu lugar determinável e imutável, da estrela no céu ao grão de areia. Para Euclides, uma reta era uma sequência de pontos, indivisíveis. Galileu, com base em Arquimedes, demonstrou que os pontos poderiam ser subdivididos infinitamente. Foi além de cones, triângulos e círculos, usou o cálculo herético na astronomia, na óptica, na cinemática, na dinâmica e na elasticidade.
Sufocada na Itália, a matemática renasceria na Inglaterra. Foi preciso que um dos teóricos do Estado moderno, Thomas Hobbes (1588-1679), autor de Leviatã (Edipro), fosse desmoralizado como matemático. Sua teoria do Estado autoritário também se fundamentava na geometria. Coube ao sacerdote puritano John Wallis (1616-1703), um dos fundadores da Royal Society de Londres, professor de geometria da Universidade de Oxford, defender os infinitesimais.
Com isso, influenciou o jovem Isaac Newton (1643-1727) e sua Aritmética do infinito, que unificou a Mecânica do Céu e da Terra, com o monumental Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, publicado em 1687. O cálculo infinitesimal seria usado na análise estática, dinâmica e termodinâmica das máquinas industriais, das quais eram solicitadas maior potência e velocidade na Revolução Industrial.
Publicado originalmente no Correio Braziliense. Reproduzido com autorização do autor.