Medida é discriminatória. Quando a pandemia explodiu nos EUA e Europa, Bolsonaro se recusou a impor restrições. Nem mesmo as medidas corretas como o passaporte de vacinação para todos os viajantes foram aceitas pelo Planalto
A reação do governo brasileiro à informação das autoridades sul-africanas de que foi detectada no país uma variante do SARS-Cov-2, chamada de Ômicron, foi anacrônica, como quase tudo que o governo Bolsonaro faz em relação à pandemia. O fechamento total dos aeroportos aos passageiros vindos de países africanos, anunciada pelo governo, é exagerada, absurda e claramente discriminatória.
O ‘capitão cloroquina’, que é sempre refratário a tudo que diz respeito aos cuidados com a disseminação da pandemia de Covid-19, aceitou a recomendação da Anvisa de fechar aeroportos para os africanos. Ele não aceitou a exigência de passaporte de vacinação para outros países com alta incidência de casos e mortes por Covid, mas concordou em fechar totalmente os aeroportos para os africanos que relataram casos da nova variante.
Já desde muito antes Bolsonaro não queria tomar nenhuma medida contra o coronavírus. Se dependesse dele, ninguém se vacinaria, ninguém usaria máscara e não haveria cuidado algum com aglomerações. Neste caso do Ômicron, para variar, ele queria continuar sem fazer nada no início. Exigir o Passaporte de Vacinação, medida recomendada por todos os técnicos, nem pensar. Mas, como eram africanos, ele aceitou prontamente a decisão absurda de proibir sua entrada no Brasil.
Mesmo no momento em que a Europa, recentemente, se tornou o novo epicentro da pandemia, nenhuma medida desse tipo foi tomada nos aeroportos brasileiros em relação a passageiros vindos do velho mundo. Também em relação aos EUA, que não vacinou nem metade de sua população por conta dos fascistas antivacinas, e onde estão ocorrendo mais de 100 mortes por dia, houve restrições. Nem a exigência do passaporte de vacinação desses países foi aceito pelo governo.
“O tal do passaporte da vacinação é uma maneira de discriminar e separar as pessoas”, disse Bolsonaro, quando esta medida foi aventada.
Em diversos países da Europa o número de mortes por Covid é superior ao da África. Além disso, a nova variante, apesar de mais transmissível, não demonstrou, até agora, ser mais agressiva. Nesta segunda-feira (29) na Itália foram 47 mortes de Covid-19, na Ucrânia, foram 434, nos Países Baixos, 41 morreram, na Alemanha, 73, no Reino Unido, 51 mortos por Covid-19. Na África do Sul, um dos países discriminados pelo governo brasileiro, estão morrendo menos de dez pessoas por dia de Covid-19. Nesta segunda-feira (29) foram registrados seis mortos.
Então por que essa medida tão radical e tão apressada quando os casos foram reportados pelas autoridades africanas? Por acaso o fato de serem reportados rapidamente – apenas seis dias após o primeiro caso – pelo serviço e saúde da África do Sul, significa que a variante está circulando apenas naquele continente? Não é o que diz a Organização Mundial da Saúde (OMS). As últimas informações dão conta de que o Ômicron já circula em cinco continentes. Em Portugal foram detectados 12 casos em um time de futebol.
É evidente que o Brasil já deveria estar tomando medidas de controle de suas fronteiras há bastante tempo. Não há justificativa para a não exigência de passaporte de vacinação para todos os passageiros vindos de qualquer lugar do mundo. Isso não é feito porque o Planalto não quer. Mas, quando as autoridades africanas demonstram competência, agilidade e transparência e informam rapidamente à OMS e ao mundo a nova variante, a medida tomada pelo Planalto é a discriminação odiosa contra eles.
A médica Angelique Coetzee, especialista que identificou a nova variante, considerou extremamente precipitadas e inoportunas as medidas de restrição de entrada de passageiros de seu país em outros continentes. Ela relatou que os casos analisados até agora são leves e não necessitaram de internação. “Por enquanto, só estamos observando sintomas leves como raros casos de internação”, disse a presidente da Associação Médica da África do Sul.
Ela suspeitou da causa quando atendeu sete pacientes no mesmo dia com cansaço extremo, dores no corpo e cefaleia. Todos deram positivo para Covid, apesar de não apresentarem os sintomas clássicos. Angelique acredita que a variante já deve estar bem mais espalhada do que a gente imagina, inclusive no Brasil. “Médicos não estão pedindo teste para Covid porque não reconhecem esses outros sintomas”, disse ela. “É por isso que nós, cientistas sul-africanos estamos compartilhando informações com o mundo”, completou.
O ministro da Saúde da África do Sul, Joe Phaahla, criticou a resposta internacional à detecção da nova variante. Em entrevista coletiva concedida de maneira virtual, o integrante do governo admitiu que o medo e a preocupação são “esperados”, mas que “parte da reação é injustificada”. “Eu me refiro aqui, especificamente, à reação dos países da Europa, o Reino Unido e outros”, afirmou Phaahla. “Sentimos que é o enfoque incorreto, na direção equivocada, que vai contra as normas aconselhadas pela OMS. Achamos que os líderes de alguns países estão encontrando bodes expiatórios para lidar com aquilo que é um problema mundial”, completou.
A OMS alertou que a desigualdade na distribuição de vacinas no mundo causa o surgimento de variantes. O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, também criticou duramente a postura adotada por nações europeias e do continente americano que fecharam as fronteiras. “Estamos profundamente decepcionados com a decisão de vários países de proibir viagens de países do sul da África, incluindo o nosso, após a identificação da variante Ômicron”, disse Ramaphosa. Para ele, restrições aplicadas a países africanos estão em desacordo com compromissos firmados no G20.
Margaret Harris, porta-voz da OMS, disse à CNBC nesta segunda-feira (29) que “temos que agradecer à África do Sul” por dar o alarme sobre a nova variante, que já foi encontrada no Reino Unido , França, Israel, Bélgica , Holanda , Alemanha , Itália, Austrália, Canadá e Hong Kong, mas ainda não nos EUA.
Harris disse que a organização não gosta de ver restrições a viagens, mas entende que os países precisam tomar precauções com base em suas próprias situações epidemiológicas e análises baseadas em risco dos dados atuais.