Comunidades escolares rejeitam privatização e impõe nova derrota a Ratinho Jr.

Foto: APP-Sindicato

Na nova consulta, realizada nesta semana, Ratinho perdeu de lavada: 83 escolas disseram não à privatização, apenas duas votaram a favor

Nem o aparato publicitário do governo, nem o apoio de empresas e aliados políticos foram suficientes para salvar, mais uma vez, o programa Parceiro da Escola, aposta central do governador Ratinho Jr. (PSD) para transferir a gestão das escolas públicas para empresas privadas. Na nova consulta, realizada nesta semana, Ratinho perdeu de lavada: 83 escolas disseram não à privatização, apenas duas votaram a favor e 11 não atingiram quórum – situação em que, segundo a regra imposta pelo próprio governo, a decisão fica nas mãos do secretário da Educação. Na consulta cívico-militar, o cenário foi o mesmo: 17 colégios rejeitaram o modelo.

Para a presidente da APP-Sindicato, Walkiria Mazeto, o resultado expressivo revela a força da resistência à tentativa do governo de impor o projeto. “O resultado desta votação é uma grande demonstração de resistência e uma vitória para a educação pública do Paraná. É o reconhecimento das mães, dos pais e responsáveis de que as nossas direções, os professores e funcionários fazem um trabalho incrível para manter de pé a escola pública com qualidade e para todos, mesmo em condições difíceis”, enfatiza Walkiria. 

“É uma grande derrota para o projeto político e autoritário do governador Ratinho Jr., que não dialoga com os educadores e nem respeita a decisão da comunidade quando o resultado não é o que ele quer.”, continua.

A maior parte dos colégios consultados já havia rejeitado o programa em dezembro do ano passado. Insatisfeito com o revés, Ratinho Jr. publicou no dia 10 de novembro uma nova convocação, em prazo curto o suficiente para tentar empurrar o projeto, segundo educadores. 

A manobra, avalia Walkiria, é clara: “Nos casos em que o quórum de votantes não é atingido, quem decide pela adesão ou não é o secretário da Educação.” Foi esse mesmo expediente que permitiu ao governo instalar o programa em 82 escolas no ano passado, apesar de apenas 11 terem votado a favor.

No Colégio Estadual Industrial, em Francisco Beltrão, o repúdio à proposta foi massivo e mais de 90% dos votos foram contrários à privatização. A experiência das escolas que já estão sob gestão privada reforça o descontentamento. Apesar do discurso oficial de que as empresas cuidariam apenas de tarefas administrativas, denúncias feitas à APP apontam interferência direta no trabalho pedagógico, inclusive com pressões sobre professores para manipular indicadores educacionais que condicionam parte do lucro das contratadas. 

As empresas contratam professores e funcionários sem concurso, promovem demissões arbitrárias e adotam práticas que desorganizam a rotina escolar. Há queixas sobre salas sujas, merenda de baixa qualidade, contratação de diaristas sem formação adequada e atraso na manutenção.

Os custos do programa também chamam atenção. Estudo da APP-Sindicato, baseado em documentos da Secretaria de Estado da Educação (Seed-PR), mostra que enquanto a escola pública recebe cerca de R$ 8 por aluno para despesas de manutenção, as empresas recebem um valor 100 vezes maior, estimado em R$ 800 por estudante. Walkiria denuncia a falta de transparência no uso desses recursos. “Na escola pública, cada centavo que é gasto pode ser fiscalizado por qualquer pessoa. Já na privatização, não tem prestação de contas. A comunidade não consegue saber como a empresa está gastando o dinheiro público que recebe do governo e até o Tribunal de Contas tem relatado dificuldade para fiscalizar os gastos do governo com esse programa.”

ESCOLAS PRIVATIZADAS, ESTRUTURA PRECÁRIA

Além disso, apesar do montante de dinheiro drenados dos cofres públicos para as empresas, as escolas sob gestão privada enfrentam escassez de material e recursos, segundo o sindicato. 

“A APP tem recebido denúncias de que, ao contrário do que propagandeia o governo Ratinho Jr, as escolas privatizadas passam por problemas que vão desde a contratação de profissionais, cada vez mais precarizados, a situações em que os estudantes têm que pagar para tirar cópias de material didático”.

Criado pela Lei 22.006/2024, aprovada a toque de caixa pela base do governo, o Parceiro da Escola é contestado no Tribunal de Contas e no Supremo Tribunal Federal, por meio da ADI 7684, relatada pelo ministro Nunes Marques. Sua aprovação ocorreu em meio a forte resistência dos trabalhadores da educação, que realizaram uma greve e uma manifestação histórica em Curitiba, reunindo mais de 20 mil educadores.

Durante a votação desta semana, a Secretaria da Educação mobilizou toda sua estrutura para tentar convencer as famílias a votarem pelo sim. Em várias cidades, prefeitos e vereadores aliados do governador atuaram diretamente. Empresas que já operam no programa chegaram a colocar carros de som nas ruas e funcionários na porta das escolas para fazer pressão sobre os eleitores, aponta a entidade. Ainda assim, a resposta da comunidade foi categórica. 

MILITARIZAÇÃO REJEITADA

A consulta sobre o programa dos Colégios Cívico-Militares também expôs a rejeição das comunidades escolares ao projeto de militarização do ensino. Realizada nos dias 17 e 18 em 50 unidades, a votação precisou ser prorrogada em nove delas, onde o quórum não havia sido alcançado. No resultado final, 17 escolas disseram não à militarização, 29 aprovaram a mudança e quatro não atingiram o número mínimo de votantes. 

O governo só convocou esse novo processo depois de alterar, no mês passado, a legislação para permitir que escolas de tempo integral fossem incluídas no programa. Entre as mudanças aprovadas, está justamente a autorização para que a Secretaria da Educação decida pela adoção do modelo nos casos em que a participação da comunidade não atinja o quórum, em mais uma jogada para esvaziar a decisão direta das famílias.

Walkiria Mazeto criticou a postura do governo e cobrou que a vontade da comunidade seja respeitada em todas as situações: “O governador diz que são os pais e as mães que decidem pela adesão ou não aos programas Parceiro da Escola e Cívico-Militar. Então, exigimos que ele respeite a resposta da comunidade onde não houve quórum e que essas escolas continuem com gestão pública, sem privatização. O não comparecimento da comunidade representa uma reprovação ao chamamento feito pelo governo e não uma aprovação.”

Assim como o Parceiro da Escola, o modelo cívico-militar acumula abusos e irregularidades. Há denúncias de violações, interferência no processo pedagógico e questionamentos sobre a constitucionalidade da iniciativa. Nas escolas que já funcionam sob esse formato, o governo coloca militares aposentados para atuar no cotidiano das unidades, impondo normas disciplinares rígidas previstas em manuais internos. Tais regras incluem punições a estudantes que não sigam padrões estéticos obrigatórios. A gravidade dessas práticas levou o Tribunal de Justiça do Paraná a barrar recentemente uma norma que proibia cabelos afro e punia um estudante negro por sua identidade étnico-racial.

A APP-Sindicato também questiona o fato de recursos da educação serem destinados ao pagamento dos militares que atuam nessas unidades. Cada um deles recebe R$ 5,5 mil mensais, valor superior ao salário-base dos professores – hoje em R$ 4,9 mil – e dos funcionários, que recebem R$ 2,1 mil. Esses profissionais da escola pública têm formação pedagógica e preparo específico para lidar com adolescentes e jovens, diferentemente dos militares contratados pelo programa.

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