
Já são 80% os países-membros da ONU que reconhecem a Palestina
A Conferência Internacional de Alto Nível para a Resolução Pacífica da Questão Palestina e a Implementação da Solução de Dois Estados, convocada por França e Arábia Saudita ao lado da Assembleia-Geral da ONU, aprovou com 142 votos a Declaração de Nova Iorque que exige “passos tangíveis, com prazo definido e irreversíveis” para sua implementação. Os lugares de Israel e dos EUA permaneceram vazios.
No total são 157 países que já declararam reconhecer o Estado da Palestina.
A conferência foi antecedida pelo reconhecimento do Estado Palestino pelo Reino Unido, França, Espanha, Portugal, Bélgica, Mônaco, Luxemburgo, Andorra, San Marino, Malta, Canadá e Austrália e com o total de reconhecimentos diplomáticos já alcançando 80% dos países-membros da ONU.
O evento marca o afastamento da França, Reino Unido e outros países europeus da política de virtual cumplicidade com Israel e sua guerra de genocídio em Gaza, e deixa os EUA isolados no Conselho de Segurança da ONU, com os demais quatro membros permanentes – Rússia, China, Reino Unido e França – favoráveis ao Estado Palestino.
Isolamento que é a resposta do mundo quanto à questão moral dos nossos tempos – o genocídio dos palestinos perpetrado por Israel em Gaza – assim como foi com os Estados Unidos na Guerra do Vietnã em outro momento e depois o apartheid sul-africano.
Também marca o revigoramento da Iniciativa de Paz Árabe, que tem como centro a troca de “terra por paz” para normalização das relações entre os árabes e Israel, e esvaziamento dos assim chamados “acordos de Abraão”, promovidos no primeiro mandato de Trump. E cuja essência foi graficamente mostrada, poucos dias antes do 7 de outubro de 2023, pelo próprio Netanyahu, que exibiu então no plenário da ONU um “novo mapa” onde não existia nenhum vestígio da Palestina.
“ÚNICO CAMINHO PARA A PAZ JUSTA E PERMANENTE”
“A implementação da Solução de Dois Estados é o único caminho para alcançar uma paz justa e permanente”, disse o chanceler saudita, Faisal bin Farhan, copresidente da conferência, ao chamar ao reconhecimento da Palestina como passo “histórico”, depois de denunciar os crimes brutais de Israel em Gaza, Jerusalém Oriental e Cisjordânia e seus ataques à soberania de países árabes e muçulmanos.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que “o reconhecimento é um direito da Palestina, não uma recompensa” – como tem alegado o chefe do genocídio, Netanyahu.
Impedido de viajar a Nova York após ter o visto negado pelo governo Trump, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, falou por vídeo, reiterando que o reconhecimento do direito do povo palestino à autodeterminação, liberdade e independência abre o caminho para a implementação da Solução dos Dois Estados, que permitirá o, embora tardio, estabelecimento Estado da Palestina vivendo lado a lado com o Estado de Israel em segurança, paz e boa vizinhança. Dirigindo-se aos israelenses, Abbas convocou: “nosso futuro e o de vocês depende da paz. Chega de guerra”.
Abbas também enfatizou que a prioridade hoje é o cessar-fogo em Gaza, a entrada da ajuda, a libertação de todos os reféns e prisioneiros, a retirada completa da Faixa de Gaza, o pleno assumimento das responsabilidades do Estado da Palestina, o começo da reconstrução, e a cessação das atividades e do terrorismo dos colonos.
Ele também se comprometeu com reformas institucionais e eleições em até um ano após o cessar-fogo, que ocorrerão sob supervisão internacional.
FRANÇA ANUNCIA RECONHECIMENTO DA PALESTINA
“Declaro que hoje a França reconhece o Estado da Palestina, pela paz entre o povo israelense e o povo palestino”, afirmou o presidente Emmanuel Macron, sob ovação, diante de centenas de delegados reunidos no plenário da ONU.
Após citar o colapso humanitário em Gaza e a escalada na Cisjordânia, Macron reiterou que “o tempo para a paz é agora, porque em breve será tarde demais para agarrar essa oportunidade”.
“O pior pode estar à frente, seja o sacrifício de muitos mais civis, a expulsão da população de Gaza em direção ao Egito, a anexação da Cisjordânia ou a morte dos reféns detidos pelo Hamas”, disse.
Macron disse ainda que Israel tem “o dever absoluto de garantir que a ajuda humanitária chegue à Faixa de Gaza”. Ele relatou que o processo de reconhecimento será gradual, com a França só abrindo uma embaixada na Palestina após a libertação dos reféns em Gaza e a implementação de um cessar-fogo.
“TENTATIVA DE ANIQUILAMENTO DO SONHO PALESTINO DE NAÇÃO”
Em pronunciamento na conferência, o presidente brasileiro Lula saudou “os países que reconheceram a Palestina, como o Brasil fez em 2010. Já somos a imensa maioria dos 193 membros da ONU”.
Lula registrou que o plano de partilha do então mandato britânico da Palestina foi adotado em sessão há 78 anos presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha. “Naquela ocasião, nasceu a perspectiva de dois Estados, mas só um se materializou.” “[O veto] também vai contra sua [da ONU] vocação universal, bloqueando a admissão como membro pleno de um Estado cuja criação deriva da autoridade da própria Assembleia-Geral”, afirmou o presidente brasileiro.
“Um Estado se assenta sobre três pilares: o território, a população e o governo. Todos têm sido sistematicamente solapados no caso palestino”, disse Lula. “Como falar em território diante de uma ocupação ilegal que cresce a cada novo assentamento? Como manter uma população diante da limpeza étnica a que assistimos em tempo real? E como construir um governo sem empoderar a Autoridade Palestina?”, questionou o brasileiro.
“O que está acontecendo em Gaza não é só o extermínio do povo palestino, mas uma tentativa de aniquilamento de seu sonho de nação. Tanto Israel quanto a Palestina têm o direito de existir”, acrescentou o presidente.
“Nada justifica tirar a vida ou mutilar mais de 50 mil crianças, destruir 90% dos lares palestinos e usar a fome como arma de guerra, nem alvejar pessoas famintas em busca de ajuda”, destacou Lula,
“Apoiamos a criação de um órgão inspirado no Comitê Especial contra o Apartheid, que teve papel central no fim do regime de segregação racial sul-africano. Assegurar o direito de autodeterminação da Palestina é um ato de justiça e um passo essencial para restituir a força do multilateralismo e recobrar nosso sentido coletivo de humanidade”, concluiu o líder brasileiro.
PUNIÇÃO COLETIVA
O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, reafirmou a denúncia de genocídio e lembrou a ação movida por Pretória na Corte Internacional de Justiça. “Israel desencadeou uma punição desproporcional contra o povo da Palestina. A única solução é a de dois Estados”, disse. Poucos dias antes, o neto de Nelson Mandela declarara que a vida sob ocupação israelense é “pior que o apartheid”.
Já o presidente espanhol Pedro Sánchez advertiu que “é urgente que exista um povo palestino no Estado que reivindicamos reconhecer”, antes de concluir que “o povo palestino está sendo aniquilado” e que o massacre precisa ser interrompido “neste exato momento”.
À conferência o presidente turco Erdogan denunciou que Netanyahu e seu governo estão trabalhando para tornar o estabelecimento de um Estado palestino “impossível”. Ele disse que lutar contra a opressão israelense é uma “responsabilidade moral”.
“O objetivo de aprofundar as políticas de ocupação e anexação é claro: matar a visão de uma solução de dois Estados, não deixar nenhum terreno para os palestinos sobreviverem e exilar o povo palestino”, afirmou.
“SUPERESPARTA ULTRASSIONISTA”
Diante da repercussão da conferência pela solução dos Dois Estados, o regime Netanyahu, em comunicado, repetiu que “um Estado palestino não será estabelecido a oeste do rio Jordão”. Enquanto a Casa Branca, cúmplice do genocídio, saiu pela tangente, alegando que a Declaração de Nova Iorque “não faz nada para libertar os reféns, não encerra o conflito e, francamente, é uma recompensa ao Hamas”.
A declaração de Netanyahu foi feita poucos dias após ele admitir que o genocídio está levando Israel à condição de país pária, numa repetição do que já foi visto na África do Sul sob apartheid nos anos 1980. A ponto de sugerir, como saída, que Israel se torne uma “superEsparta”, “uma autarquia” – ou quem sabe, um Estado-gueto -, ao mesmo tempo em que delira, como fez recentemente, sobre o “Eretz Israel”, do Eufrates ao Nilo.
A propósito, em seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU anual, o presidente Lula, ao se pronunciar a favor do Estado da Palestina, fez questão de saudar todos os judeus, que dentro e fora [de Israel] se manifestam contra o genocídio.