O Congresso Nacional rejeitou 18 itens dos 33 vetados por Jair Bolsonaro no projeto de lei que disciplina os crimes de abuso de autoridade (PL 7596/17).
A derrubada dos vetos ocorreu na noite da terça-feira (24).
Um dos itens que não passaram trata da punição criminal para quem desrespeitar prerrogativas de advogados. O texto ganha artigo estipulando pena de três meses a um ano de prisão para a violação de prerrogativas como inviolabilidade do local de trabalho e de comunicações relativas à profissão, além de comunicação pessoal e reservada com clientes, entre outras.
O placar a favor da derrubada dos vetos variou de 267 a 313 votos na Câmara dos Deputados. No Senado, de 41 a 56 votos. A votação foi em bloco e sem o registro, no painel, de como cada parlamentar votou.
O deputado Ricardo Barros (PP-PR), relator da proposta na Câmara, comemorou a derrubada dos vetos pelo Congresso. “Os parlamentares votaram, trazendo a esta Casa protagonismo no sentido de que todos os cidadãos são iguais perante a lei, e os inimputáveis não poderão mais se esconder pela falta de uma regulamentação”, disse.
Ao se pronunciar no processo de votação, o líder do PDT no Senado, Weverton Rocha (MA), citou a operação da Polícia Federal no gabinete do senador Fernando Bezerra (MDB-PE).
Na última quinta (19), o líder do governo no Senado foi alvo de operação da PF que apura desvios em obras públicas do Ministério da Integração Nacional, pasta comandada por Bezerra entre 2011 e 2013. O senador e o filho dele, deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), são acusados de terem recebido juntos R$ 5,538 milhões em propinas de empreiteiras.
Antes da sessão do Congresso, ainda pela manhã, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), havia apresentado ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, um recurso pedindo a suspensão da decisão que permitiu a operação de busca e apreensão. Para Davi e outros senadores, a ação autorizada pelo ministro Luís Roberto Barroso, por meio de uma liminar (decisão provisória), não respeitou o princípio da independência entre os Poderes.
Após o resultado, ele disse que a rejeição dos vetos não teve relação com o episódio. “É um desejo legítimo do Parlamento. A democracia é assim. Essa matéria já foi votada no Senado. Essa matéria veio para a Câmara. O presidente vetou e sancionou parte dela e, agora, o Congresso, num sistema de pesos e contrapesos, fez a derrubada de alguns vetos e a manutenção de outros”, declarou.
Com a derrubada dos vetos, quase todos referentes a 15 condutas tipificadas pela nova Lei do Abuso de Autoridade (Lei 13.869/19), elas (condutas) voltam à legislação e podem ser punidas com perda do cargo público e prisão.
Veja os vetos rejeitados:
- O responsável pelas investigações que, por meio de comunicação, inclusive rede social, antecipar atribuição de culpa antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação: pena de detenção de 6 meses a 2 anos e multa.
– Decretar prisão sem conformidade com as hipóteses legais. Válido também para o juiz que, dentro de prazo razoável, deixar de relaxar a prisão manifestamente ilegal; deixar de substituir a prisão preventiva por medida cautelar ou conceder liberdade provisória, quando manifestamente cabível; ou deixar de deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível: pena de detenção de 1 a 4 anos e multa.
– Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro: pena de detenção de 1 a 4 anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.
– Violar direito ou prerrogativa de advogado como a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho e sigilo de comunicação; a comunicação com seus clientes; a presença de representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) quando preso em flagrante por motivo ligado ao exercício da advocacia; e prisão temporária especial: pena de detenção de 3 meses a 1 ano.
– Deixar de se identificar ou se identificar falsamente ao preso quando de sua prisão. Aplica-se também para quem, como responsável por interrogatório, deixa de se identificar ao preso ou atribui a si mesmo falsa identidade, cargo ou função: pena de detenção de 6 meses a 2 anos e multa.
– Prosseguir com o interrogatório de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio ou de pessoa que tenha optado por ser assistida por advogado ou defensor público: pena de detenção de 1 a 4 anos e multa.
– Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado. Aplica-se a pena também a quem impede o preso, o réu solto ou o investigado de entrevistar-se pessoal e reservadamente com seu advogado ou defensor, por prazo razoável, antes de audiência judicial, e de sentar-se ao seu lado e com ele se comunicar durante a audiência, salvo no curso de interrogatório ou no caso de audiência realizada por videoconferência: pena de detenção de 6 meses a 2 anos e multa.
– Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente: pena de detenção de 1 a 4 anos e multa.
– Negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa; ou impedir a obtenção de cópias: pena de detenção de 6 meses a 2 anos e multa.
A lei ressalta que só ficará caracterizado o abuso quando o ato tiver, comprovadamente, a intenção de beneficiar a si próprio ou prejudicar outro. A mera divergência interpretativa de fatos e normas legais (a chamada hermenêutica) não configura, por si só, conduta criminosa.
W. F.