Lei de 1995, aprovada durante o governo de Bill Clinton, garante a deputados e senadores sigilo de parte da funcionária vítima de assédio sexual e a conta ainda é paga pelo contribuinte
Em meio às acusações e contra-acusações entre deputados e senadores norte-americanos sobre quem são os “assediadores sexuais”, eis que o New York Times informa que o Congresso dos EUA está “sob crescente pressão” para revogar lei aprovada em 1995 que força a “confidencialidade” se a vítima for funcionária (o) parlamentar. (Ao ser contratada, a futura vítima tem de assinar se comprometendo a manter sigilo!!!)
Em suma, impunidade para os assediadores com mandato. No momento, são três os acusados de assédio sexual: o senador democrata Al Franken, o octagenário deputado democrata John Connyers e o candidato republicano ao Senado pelo Alabama, Roy Moore, que na verdade foi quem abriu a fila, ao vir a público, nas páginas do Washington Post, suas investidas sobre mulheres quatro décadas atrás, uma delas então com 14 anos.
Abandonado por todos, menos por Trump e os supremacistas brancos, Moore se recusou a renunciar à candidatura, mesmo pondo em risco o controle republicano sobre o Senado.
A mídia ligada aos republicanos revidou com a ficha dos democratas, e a coisa atingiu a dimensão que se vê agora. Assim, insuflada por vários lados e diferentes razões, a campanha contra os assediadores viralizou no hashtag #MeToo [EuTambém].
Não deve ser por coincidência que a famigerada lei é de 1995 – era o governo de Bill Clinton, que no quesito assédio sexual é hors concours sob todos os tipos de investigação, o que se tornou absolutamente notório no Ovalgate com a estagiária Mônica Lewinsky.
CLINTON E TRUMP
Na verdade, a questão dos assediadores voltou à luz durante a campanha eleitoral de 2016, quando foi divulgada a gravação – de dez anos atrás – em que o então candidato republicano Donald Trump se gabava nos bastidores de uma entrevista de que sua fama o permitia apalpar as mulheres.
Quem teve a ideia de desencavar esse esqueleto possivelmente não se deu conta de que quem tem Bill Clinton como marido não pode acusar ninguém de predador (Clinton escapou do impeachment bombardeando a Iugoslávia durante 78 dias). Aí estão os novos vazamentos sobre a bandalheira no Air Force One de Bill para quem ainda tem dúvida.
Denúncias contra o big boss de Hollywood Harvey Weinstein puseram mais gasolina nessa fogueira que arde há tanto tempo nos EUA. Weinstein não inventou o teste do sofá, mas levou a novas baixezas a desfaçatez – e todo mundo sabia disso. Depois o alvo foi o ator Kevin Spacey, o que causou o cancelamento da série que estrelava, e enorme sucesso, House of Cards. No caso, Spacey foi acusado de molestar há 30 anos um garoto de 14 anos, hoje um jovem ator.
Em outro caso, um deputado estadual republicano de Ohio, Wes Goodman, que se apresentava como o “campeão da família e líder da cruzada anti-gay”, decidiu renunciar este mês ao mandato após ser flagrado em seu gabinete traindo a mulher com outro homem, não identificado.
A onda de denúncias também cruzou o Atlântico e derrubou na Inglaterra o ministro da Defesa do governo May, Michael Fallon, após uma jornalista relatar que, dez anos antes, durante uma entrevista quando era deputado, este havia colocado indevidamente a mão sobre seu joelho.
Quando da exoneração, a própria jornalista considerou de que talvez fosse demasiado dez anos depois para uma mão no joelho, mas o porta-voz do ministro esclareceu que este não estava certo de que não haveria outros episódios análogos.
Mas, quanto à Inglaterra, o mais grave, nesse terreno, é a espessa cortina de silêncio sobre o círculo de pedófilos de Downing Street 10, encabeçado na década de 1980 pelo então primeiro-ministro conservador, Edward Heath. Recentemente, investigações descobriram como nomes de proa da BBC haviam no passado assediado órfãos.
SILÊNCIO FORÇADO
Um grupo bipartidário de deputados, liderado pela deputada democrata da Califórnia, Jackie Speier, e pela republicana da Virgínia, Bárbara Comstock, está pressionando por uma legislação que exigirá que as denúncias sejam tratadas em público. Lei semelhante está sendo proposta no Senado pela democrata Kirsten Gillibrand, de Nova Iorque.
Spier revelou ter sofrido, ainda como funcionária do Congresso, assédio por parte de um superior no escritório de um representante de seu partido na Câmara dos Representantes. “Esse é um problema em nível nacional, e o Congresso não está imune a isso”, afirmou Speier.
Revela o NYT que os acordos – que ficavam sigilosos sob a lei de 1995 – entre as funcionárias e os congressistas assediadores eram pagos com dinheiro do contribuinte. Ainda segundo o jornal, a Câmara de representantes deverá adotar esta semana uma resolução bipartidária que determina que todos os deputados e seus funcionários “participem de treinamento anti-assédio e antidiscriminação”. Fala sério: o parlamentar faz que apalpa e o funcionário/a diz ‘olha que eu grito’?
Em um momento em que a luta pelo poder em Washington – expressão da decadência em curso do império – desandou pelo caminho da caça às bruxas e macartismo 2.0, não chega a surpreender que as diversas facções assumam a “defesa da moralidade” como parte desse jogo vicioso. Como grande parte dos casos relatados aconteceu há décadas, são de difícil comprovação e pode ocorrer sequer haver como corroborar ou refutar alegações.
O que não acontece no caso dos “acordos” no Congresso. “Foi um sistema criado em 1995 para proteger o assediador”, afirmou a deputada Speier no programa da ABC “This Week”. Conforme o diário novaiorquino, “a tarefa mais difícil será a aprovação de lei que reveja a forma como os casos de assédio sexual são tratados”.
ANTONIO PIMENTA