O Congresso Nacional promulgou, nesta quarta-feira (26), a emenda constitucional que torna permanente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), uma das principais vitórias da educação brasileira nos últimos anos.
Por se tratar de uma Proposta de Emenda Constitucional, a matéria precisou ser aprovada em dois turnos na Câmara e depois no Senado, onde passou com votação unânime na primeira e segunda fase na terça-feira (25). O texto não precisa da sanção presidencial.
Com a promulgação, feita na sessão desta quarta pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), o país elimina o risco de ver o programa expirar no fim deste ano e ainda garante a ampliação do repasse da União à Educação Básica.
O governo federal não enviou representantes para a cerimônia no Congresso Nacional.
Pela nova lei, a participação da União no fundo aumenta gradativamente — dos 10% atuais para 23% até 2026. Ele também continuará recebendo o equivalente a 20% dos impostos municipais e estaduais e das transferências constitucionais de parte dos tributos federais.
Decisão política
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que também preside o Congresso Nacional, comemorou a mudança na Constituição. Para ele, a nova emenda é uma das contribuições mais relevantes e de maior impacto social dada pelo Parlamento ao país.
“A PEC não é uma mera prorrogação do Fundeb. É muito mais que isso. É sinal do compromisso do Congresso e da sociedade brasileira com a educação básica. É uma demonstração de que nossa política educacional foi finalmente encarada como uma política de Estado”, afirmou.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, lembrou que a decisão de tornar o fundo permanente foi política e de forma unânime no Senado e quase unânime na Câmara. Segundo ele, apesar das conhecidas dificuldades pelas quais passam o orçamento público federal, foi possível chegar a um valor final que garanta a importância do fundo.
“Quando decidimos que educação é prioridade e que precisa de mais recursos foi uma decisão da política. Muitos desafios ainda teremos pela frente e, para um país que já tem uma carga tributária tão alta, a escolha de prioridade é sempre fundamental. E hoje fizemos uma escolha: todos nós, em conjunto, na Câmara e no Senado, fizemos a escolha pela educação, pelas nossas crianças”, disse Rodrigo Maia.
A líder do PCdoB na Câmara, deputada Perpétua Almeida, participou da sessão e apontou a mobilização social como essencial nessa aprovação.
“Talvez o Parlamento brasileiro nunca tenha visto uma mobilização tão grande em defesa de uma causa. Foi lindo de ver os trabalhadores em educação do Brasil atuando em conjunto.”
Para o relator, senador Flávio Arns (Rede-PR), a aprovação da PEC foi uma vitória coletiva que vai dar mais tranquilidade para todas as famílias brasileiras, num cenário em que mais de metade da população não tem educação básica completa.
“É da educação básica o que o Brasil precisa. E agora é uma política de Estado, não de governo, que se estenderá por décadas. Principalmente no pós-pandemia, a educação tem que ser prioridade: é o que vai melhorar a economia, a saúde e dizer o que é necessário na assistência social”, avaliou.
Relatora da proposta na Câmara, a deputada Professora Dorinha Seabra (DEM-TO) afirmou que para cada 100 crianças que procuram vaga na educação infantil, o país consegue atender somente a 36, e essa realidade deve mudar a partir de agora.
Ela ressaltou, ainda, a previsão de que pelo menos 70% dessa nova parcela de complementação sejam destinados ao pagamento de salários dos profissionais da educação. Hoje, o piso é de 60%, e somente para professores.
“Esse texto assegura uma valorização para os profissionais da educação, não só os professores, mas a merendeira, aquela que cuida da segurança da alimentação, os diretores, coordenadores”, comentou. “A emenda constitucional garante o financiamento permanente, reconhece e incentiva os seus profissionais”.
Ameaças de Bolsonaro à Educação
Entretanto, a aprovação do Fundeb permanente, por si só, não garante a ampliação dos recursos destinados à Educação. Desde o início do seu mandato, Bolsonaro tem trabalhado para garantir que o Fundeb não possa cumprir esse papel destacado por Maia e explicamos como.
Antes da votação na Câmara, o Fundeb estava seriamente ameaçado. O governo Bolsonaro protelou a discussão por todo o ano de 2019 e, às vésperas da votação, sugeriu que os recursos da União só voltassem a ser depositados no fundo em 2022, o que criaria um vácuo em 2021 e afetaria o aprendizado de milhões de estudantes.
Além de propor uma percentagem de participação menor do governo federal do que a que foi aprovada e ainda a possibilidade de transferir parte destes novos recursos da educação para assistência social.
Após a pressão da sociedade e uma firme posição do presidente da Câmara, o governo recuou, os deputados federais aprovaram a PEC e ela foi então ao Senado.
Cortes no MEC podem anular ganhos do Fundeb
Logo após sua derrota no texto da PEC do Fundeb, Bolsonaro orquestrou um novo ataque à educação que pode anular o aumento de recursos que o fundo trás. A equipe econômica do governo propôs um corte de 18% no orçamento da educação para 2021.
Logo, o que entra de recurso pelo Fundeb, fica no lugar da verba cortada do Ministério da Educação e com isso não haverá um valor maior de dinheiro investido no ensino.
Bolsonaro quer cortar R$ 4,2 bilhões em despesas discricionárias – aquelas que não são obrigatórias, que são aquelas consideradas não obrigatórias e podem, por lei, serem remanejadas, mas que na prática inviabiliza o funcionamento das instituições por se tratar de custos como água, luz, contratação de terceirizados (limpeza e segurança, por exemplo), obras e reformas, compras de equipamentos. R$ 1 bilhão deve ser retirado das universidades federais. O restante do corte, de R$ 3,2 bilhões, será distribuído nas redes de educação básica – ensino infantil, fundamental e médio. Semelhante ao valor estimado do acréscimo ao novo Fundeb em 2021: cerca de R$ 3,2 bilhões.
Com o corte no orçamento do MEC, que ainda precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional, os R$ 3,2 bilhões poderão recair majoritariamente nas ações que o ministério tem de auxilio com as 27 redes estaduais e com as 5.570 redes municipais de ensino no país.
Na prática, Bolsonaro encontrou uma forma do governo não colocar um centavo a mais na educação, mesmo com a aprovação do Fundeb. O clássico dos políticos mal intencionados: “dá com uma mão e retira com a outra”.
O MEC divulgou nota em que usa a pandemia como justificativa para o arrocho na pasta . “Em razão da crise econômica em consequência da pandemia do novo coronavírus, a Administração Pública terá que lidar com uma redução no orçamento para 2021, o que exigirá um esforço adicional na otimização dos recursos públicos e na priorização das despesas”, diz a nota.
A argumentação do governo é contestada pela Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, que avalia a justificativa de Bolsonaro como “enganosa”. “O governo alega que o novo corte para a educação é acarretado somente pela crise em consequência da pandemia do coronavírus, o que é falso. As alocações orçamentárias de uma área para a outra obedecem a lógica do cobertor curto promovida pela Emenda Constitucional (EC) 95, do Teto de Gastos que, contrariamente a todas as recomendações de especialistas no Brasil afora, segue vigente, matando milhões e promovendo retrocessos enormes para as áreas sociais, como a educação”, afirmou a coordenadora geral da entidade Andressa Pellanda.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação relembra ainda que “a retomada das aulas após a pandemia vai exigir maiores investimentos em infraestrutura e materiais de higiene e proteção. A educação precisa de mais investimentos não só para suprir a baixa qualidade histórica das escolas públicas, como também para responder adequadamente à pandemia. Como voltar para escolas que não têm saneamento básico ou água com segurança? Isso exige investimento. E o governo anda, de novo, na via contrária dos fatos. O que ele está tentando fazer é compor um orçamento achatado com uma demanda crescente de investimento. A conta não vai fechar”, explicou Andressa.