
Eduardo Armond, presidente da Federação dos Urbanitários de MG e membro do Conselho de Representantes da CNTI, propõe “uma frente ampla na defesa da reindustrialização. Temos que fazer uma aliança forte neste sentido”
Eduardo Armond, presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas de Minas Gerais, membro do Conselho de Representantes da CNTI (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria) e diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Pesada, em entrevista exclusiva à Hora do Povo, declarou que, em nome da federação da qual é presidente, irá propor à CNTI uma campanha nacional pela reindustrialização do país. Um “Pacto entre trabalhadores e empresários em defesa da indústria nacional”, resumiu. “A CNTI, a CNI e o governo devem se sentar à mesa, assumir o comando e constituir uma sólida aliança”, declarou.
A seguir, a entrevista na íntegra.
CARLOS PEREIRA
HP – Qual sua avaliação do projeto apresentado pelo presidente Lula?
E.A – É um avanço o governo brasileiro resolver priorizar a indústria e restabelecer o planejamento da política industrial. Estabelecer metas e objetivos. Após décadas, o presidente da República retoma aquilo que já foi nosso orgulho, a industrialização do país, sem bajulação ou submissão à lógica e aos interesses das multinacionais e do rentismo.
O projeto do presidente Lula, coordenado pelo vice Alckmin, se propõe a superar gargalos como a questão da digitalização das empresas, das novas tecnologias, de agregar valor à agroindústria e à indústria extrativista, a dar prioridade no financiamento e nas compras às indústrias com conteúdo nacional. É fundamental que a gente tenha uma política de câmbio que fortaleça as exportações, é um resgate da soberania nacional colocando no centro o desenvolvimento nacional.
HP – Concretamente, você está propondo o apoio dos sindicatos ao projeto?
E.A – Nós temos que apoiar o financiamento e a proteção à indústria nacional. Vou discutir na CNTI, onde eu sou diretor, levar à CNI (Confederação Nacional da Indústria) a proposta de celebração de um Pacto pela reconstrução da indústria nacional, um pacto entre trabalhadores e empresários. Uma frente ampla, na defesa da reindustrialização. Temos que fazer uma aliança forte neste sentido. Apesar de todas as perseguições, quem tem condições, consciência acumulada, força e experiência de mobilização, é o movimento sindical
HP – Com a política déficit zero, de onde vão sair os recursos para o projeto?
E.A – Esse é o nosso problema, o serviço da dívida. O serviço da dívida pública é metade do orçamento. Só de juros, foram R$ 700 bilhões em 2023. O total da dívida hoje está em R$ 8 trilhões. Em 1992 eram de R$ 250 bilhões. Não dá para o povo carregar este fardo. A dívida está escravizando o país. É um cheque especial gigante.
Você tem uma dívida com os bancos, que cobram juros extorsivos, que leva a metade do seu orçamento. Você vai negociar o quê? O dinheiro dos remédios, da comida e dos estudos dos meninos? Do aluguel? Da saúde, luz, água, para poder pagar os bancos? Metade do orçamento está indo para o pagamento dos serviços da dívida mais os juros. Tendo ou não tendo correlação de forças, temos que evitar isso. Temos a obrigação de retomar esse debate. Essa dívida foi feita como? Foi feita uma auditoria da dívida? Ela é legítima ou ela foi imposta? O déficit zero é discutido só dos investimentos. Dos programas sociais, aí corta tudo. Do outro lado, é pagamento integral.
HP – E então?
E.A – Que haja uma redução forte dos juros. O projeto fala em R$ 300 bilhões em três anos. São R$ 100 bilhões por ano. É muito pouco. O tamanho do projeto, além de tudo, fica pressionado pela situação de catástrofe econômica deixada pelo governo anterior e pela política de lesa-pátria de Bolsonaro e do ex-ministro Guedes.
HP – Como chegamos nesse ponto?
E.A – Nas últimas décadas nossas elites, a burguesia nacional, apoiou as amarras que derrubaram a economia: os juros escorchantes, a prioridade religiosa para o pagamento do serviço da dívida, a crença no investimento estrangeiro, a remessa de lucros, o câmbio valorizando o real e barateando as mercadorias estrangeiras, o modelo agrário exportador. Eu acredito que o buraco em que nos meteram pode ser uma alavanca da consciência nacional. Como disse o presidente Lula, se nós não botarmos pressão pela melhoria das condições de trabalho, pela mudança na situação nacional, as coisas não vão para frente.
Lá em Minas Gerais, onde eu milito, em vez de defender a Siderurgia, a produção de Lítio, eles mesmos defendem o chamado empreendedorismo. Empreendedorismo é formação, entre aspas, de camelô sem proteção social. Participo da Fundação Dom Cabral, nas reuniões da FIEMG e não vejo empresário defender a indústria.
Eu fui do Conselho Nacional de Informática e tive o prazer de votar contra a entrada aqui de software que nós já tínhamos similares no Brasil, na COPPE, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Fomos nós que abrimos nosso mercado para eles. Se nós não defendermos nossa indústria, eles vêm e matam. É isso que acontece: focam uma lógica subalterna ao capital internacional.
HP – Você está de acordo com as prioridades estabelecidas?
E.A – Para nós, o prioritário agora é ampliar a agregação de valor na agroindústria, implementar uma política de industrialização na área de fármacos, investir pesadamente na transformação digital, modernizar máquinas e equipamentos. Falta um núcleo central para gestar essa política. É preciso que a modernização signifique também a melhoria das condições de trabalho. O investimento público que vai modernizar a indústria nacional tem que também melhorar a segurança no trabalho. Hoje, são 70.000 amputações por ano e 2.100 trabalhadores morrem por acidente de trabalho. Faltam recursos do Estado para a fiscalização. Os sindicatos estão paralisados pela falta de recursos. A reforma trabalhista tentou sufocar financeiramente os sindicatos, acabando com a arrecadação da contribuição sindical. Resolver isso é uma questão fundamental.
Brilhante e correto
Essencial. Tão difícil quanto reduzir os juros – essa moderna forma de escravidão global – é mudar esse clima político que afunda o país no rentismo, que segue, paradoxalmente, sustentado por muitos industriais.