Escolha do relator, feita pelo presidente do colegiado, ignora princípio de imparcialidade e reacende críticas sobre proteção a aliados no Parlamento. Decisão vai naufragar
Nesta quarta-feira (8), o deputado Delegado Marcelo Freitas (União-MG), designado relator do processo disciplinar contra o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) no Conselho de Ética da Câmara, votou pelo arquivamento da representação apresentada contra o parlamentar.
No parecer, o relator alegou que as ações de Eduardo nos Estados Unidos configuram “exercício de direito de crítica política” e, portanto, não caracterizariam infração ética.
A escolha de Marcelo Freitas como relator — feita pelo presidente do Conselho de Ética, deputado Fabio Schiochet (União-SC) — acende alerta: tratar-se-ia de amigo político de Eduardo?
A questão ganhou relevo porque, antes desta nomeação, já havia sido sorteada lista tríplice de nomes aptos à relatoria do processo, e coube ao presidente do colegiado a decisão final de qual dos 3 indicados seria efetivado.
RISCO DA RELATORIA DIRIGIDA
No rito do Conselho, ao receber representação contra deputado, sorteiam-se 3 nomes para relatoria — e o presidente do Conselho escolhe um deles para elaborar o parecer.
No caso de Eduardo Bolsonaro, os indicados foram Paulo Lemos (PSol-AP), Delegado Marcelo Freitas (União-MG) e Duda Salabert (PDT-MG).
A regra do Conselho ainda exige que o relator não pertença ao mesmo partido ou Estado do investigado — critério que Freitas atende, mas que não afasta por si só as suspeitas de favorecimento político.
A prática de delegar a relatoria a alguém próximo ao investigado mina a credibilidade do processo e reforça a percepção de que há blindagem institucional para aliados. Afinal, o relator determina os rumos iniciais da investigação, pode atrasar diligências, dispensar oitiva de testemunhas ou decidir pelo arquivamento precoce — geralmente sem que haja visibilidade plena dos critérios usados.
PT ACIONOU CONSELHO CONTRA EDUARDO
A ação no Conselho de Ética foi apresentada pelo PT, por meio do líder na Câmara, Lindbergh Farias (RJ).
A petição acusa Eduardo Bolsonaro de quebra de decoro parlamentar, por comportamentos considerados incompatíveis com o exercício do mandato parlamentar, como ataques verbais e tentativas de interferência em instituições do Estado brasileiro.
Também se baseia em denúncias da PGR (Procuradoria-Geral da República), que aponta coação do Judiciário e esforços de Eduardo para influenciar autoridades nos EUA a impor sanções contra ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Segundo Lindbergh, tais condutas atentam contra a soberania nacional e a independência dos Poderes.
Além disso, o requerimento levanta objeções ao fato de Eduardo morar nos EUA desde fevereiro e participar de iniciativas internacionais contra instituições brasileiras, enquanto acumula ausências não justificadas na Câmara.
DECISÕES PREVISÍVEIS
A controvérsia entre relatoria e decisão de arquivamento ecoa episódios anteriores, nos quais o Conselho de Ética já arquivou representações contra Eduardo por atos agressivos ou declarações polêmicas — como a defesa de novo AI-5 (Ato Institucional 5), da ditadura militar (1964-1985), instrumento legal que retirou os direitos constitucionais que restavam depois do golpe de 1964, que aprofundou a repressão no Brasil.
Nessas ocasiões, os relatores também apontaram que as manifestações configuravam “opinião política” e não violavam o chamado decoro parlamentar, posição contestada por parlamentares da oposição, na época.
No caso atual, o arquivamento pleiteado por Freitas, que desperta expectativas políticas e alimenta a narrativa de que nem mesmo quando um processo legítimo é admitido haverá investigação séria contra aliados.
O recuo prévio do relator evita que o caso avance para a fase de coleta de provas ou votação, e delega ao plenário o ônus de decidir sobre a admissibilidade do processo — muitas vezes em ambiente de pressão partidária.
O QUE ESTÁ EM JOGO
- A credibilidade do Conselho de Ética depende de processos transparentes, independentes e com relatoria imparcial.
- Quando o relator é amigo ou aliado do representado ou investigado, o procedimento corre o risco de parecer simulação de punição.
- O método da lista tríplice devia garantir pluralismo, mas sua efetividade é reduzida se a escolha final recai sempre sobre aliados.
- A disputa em torno de Eduardo Bolsonaro é simbólica: revela até que ponto instituições formais estão sob influência de interesses políticos — o que se torna especialmente grave num momento de intensificação de ataques às instituições democráticas.
PRÓXIMOS PASSOS
Se Freitas insistir no arquivamento, cabe recurso ao plenário, onde o caso pode ser reaberto ou mantido. Caso ele opte pela admissibilidade da representação, Eduardo será notificado para se defender e o processo terá prazo de até 90 dias úteis para conclusão no colegiado.
É essencial que parlamentares e a sociedade acompanhem de perto cada passo — especialmente a justificativa adotada para arquivar ou prosseguir com a representação.