
O empréstimo consignado no setor privado, que entrou em vigor em março com a MP 1292, elevou o grau de endividamento das famílias brasileiras, que vêm comprometendo cada vez mais o rendimento mensal com o pagamento de parcelas às instituições financeiras.
Segundo estudo da SalaryFits, empresa de tecnologia da Serasa Experian, 24% das famílias que contrataram a modalidade de empréstimo (Crédito do Trabalhador) já comprometeram mais de 35% do salário com as parcelas. Os dados consideram o primeiro mês de vigência da MP, quando foi autorizada aos bancos a oferta do empréstimo aos trabalhadores.
A nova regra foi comemorada pelo governo por oferecer juros menores do que os de outras modalidades de empréstimo – em contrapartida, “zero risco” aos bancos, que têm como garantia o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) do trabalhador. Se o objetivo era destravar o consumo, o efeito contrário já começa a ser sentido: mais dívida, menos salário, menos poder de compra.
A pesquisa mostra ainda que o percentual de 35% de comprometimento da renda supera o limite definido pelo governo federal. De acordo com Délber Lage, diretor da SalaryFits, isso ocorre porque o cálculo pré-estabelecido para a liberação dos créditos “não leva em consideração possíveis descontos em folha que podem ocorrer mensalmente, como coparticipações de plano de saúde, que reduzem o salário líquido do colaborador”, explica.
O aumento do comprometimento dos salários com as parcelas do empréstimo se soma à bola de neve das dívidas, que também não param de crescer. De acordo com a Confederação Nacional do Comércio (CNC), em abril, o endividamento das famílias avançou pelo terceiro mês consecutivo, chegando a 77,6%, assim como o aumento da inadimplência (29,1%) e do percentual de famílias que não terão condições de pagar as dívidas em atraso (12,4%).
A armadilha do empréstimo consignado foi ponto de alerta para economistas. Para Paulo Klias, doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal, “um dos argumentos utilizados pelo governo em favor da medida é que as taxas de juros na nova modalidade serão mais baixas do que aquelas cobradas anteriormente. Ora, sob tais condições, quem seria contra um novo contrato com menos encargos financeiros sobre o estoque da dívida das famílias? O ponto é que não se pode reduzir as opções de política pública a uma escolha entre o péssimo e o muito ruim”.
“A estratégia do governo não apresenta nenhuma solução para romper o círculo vicioso da espiral de dependência da maioria da sociedade em relação ao financismo. Injeta-se dinheiro novo no circuito econômico para manter o recurso no âmbito do próprio sistema financeiro”, afirma Kliass, destacando que “não basta que as famílias troquem uma dívida por outra, uma vez que o excessivo grau de endividamento opera como um verdadeiro obstáculo para que os recursos ‘novos’ entrem de fato na esfera da economia produtiva real”.
JÚLIA CRUZ