A Advocacia-Geral da União (AGU), instituição responsável pela representação, fiscalização e controle jurídicos da União, proferiu manifestação na segunda-feira (17) que vai contra o posicionamento do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, sobre a instituição do juiz de garantias (ou das garantias) no ordenamento jurídico brasileiro.
A manifestação da AGU ocorreu na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6300, proposta pelo PSL, contra os seis artigos que instituem o juiz das garantias, no âmbito da Lei Anticrime, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em dezembro de 2019.
André Luiz de Almeida Mendonça é o advogado-geral da União.
O juiz das garantias será o responsável pelo acompanhamento da investigação, recebimento da denúncia e autorização de medidas como prisões preventivas ou temporárias, quebra de sigilos bancário e fiscal, bloqueio de bens e operações de busca e apreensão. Outro magistrado será o responsável por proferir a sentença.
Para a AGU, que representa o Poder Executivo, a criação da figura desse magistrado é uma “garantia constitucional” e visa dar “maior isenção e imparcialidade” aos julgamentos das ações, além de promover a “preservação de um maior patamar de neutralidade cognitiva do juiz sentenciante”.
O parecer contraria a opinião de Moro, que já declarou publicamente ser contra o magistrado de garantias.
A criação da nova figura foi suspensa em 22 de janeiro, por tempo indeterminado, pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF). À época, Sérgio Moro elogiou a decisão.
“O modelo de juiz das garantias instituído no Brasil, de modo sucinto, visa a estabelecer uma nítida separação entre a fase investigativa e a fase efetivamente processual do processo penal, distinguindo os magistrados que atuarão em cada uma delas, de modo a assegurar que o juiz encarregado do julgamento do acusado não tenha previamente participado da fase de produção de provas”, diz o parecer.
O documento é assinado pelo advogado-geral da União, André de Mendonça, pela secretária-geral de Contencioso, Izabel Vinchon Nogueira de Andrade, e pela advogada da União, Carolina Sausmikat Bruno de Vasconcelos.
O documento destaca que a figura do juiz dasa garantias “não se trata de um transplante descontextualizado, acrítico ou metodologicamente insatisfatório de soluções estrangeiras”. Na visão da AGU, as “pretensões formuladas pelo autor mostram-se insubsistentes”.
O PSL afirma que a Lei Anticrime (13.964) viola o princípio da isonomia e a simetria em relação às autoridades com foro privilegiado, “eis que o juiz das garantias somente encontra previsão para os crimes apurados em primeira instância”. O partido sustenta que não houve estudo dos impactos econômicos e orçamentários e considera o tempo para implementação muito curto.
O fato de Bolsonaro não ter vetado o juiz das garantias, contra o pedido de Sérgio Moro e de parte do PSL, seu ex-partido, suscitou questionamentos.
O jornal O Globo percebeu que o não veto de Bolsonaro atende aos interesses familiares dele e destacou em editorial: “O presidente Jair Bolsonaro governa dando atenção prioritária aos seus próprios interesses. Da família, de currais eleitorais e de corporações que o apoiam. Não mede os riscos de decisões que toma em favor do seu entorno”, afirmou.
“Entre as sanções, a mais polêmica foi a aceitação da figura do juiz de garantias, incluída no projeto pelo Congresso – de forma legítima, por óbvio”, prossegue o editorial. “Outra sugestiva coincidência é que a sanção por Bolsonaro do juiz de garantias pode ajudar seu filho Flávio, enredado em evidências de lavagem de dinheiro, por provocar um provável atraso no andamento do inquérito”, conclui o jornal.
A prioridade número um de Bolsonaro é acobertar os crimes de seu filho Flávio Bolsonaro. O filho é investigado pelo esquema de desvio e lavagem de dinheiro que seu velho amigo, Fabrício Queiroz, montou, tanto no gabinete do filho, quando era deputado estadual no Rio de Janeiro, quanto no do próprio Bolsonaro, quando era deputado federal, em Brasília. A filha de Queiroz, Nathália Queiroz, por exemplo, era lotada no gabinete do Jair, em Brasília, e nunca foi à capital federal.
Queiroz movimentou, entre 2016 e 2017, R$ 1,2 milhão, sem ter rendimento compatível com essa movimentação. No período de 2014 a 2017 a movimentação chegou a R$ 7 milhões na conta do assessor de Flávio Bolsonaro.
Toda essa movimentação financeira suspeita foi detectada pelo antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
O órgão acabou tendo seu presidente demitido, mudou várias vezes de ministérios, teve seu nome alterado e foi parar no terceiro escalão do Banco Central, ligado ao Ministério da Economia, dirigido por Paulo Guedes, com o nome de Unidade de Inteligência Financeira (UIF). Tudo por decisão direta do presidente.
O processo, que investiga funcionários fantasmas no gabinete de Flávio e, inclusive, com a contratação de parentes de milicianos, caiu nas mãos do juiz Flávio Itabaiana, que autorizou a quebra de sigilos bancário e fiscal de vários envolvidos no escândalo.
Caso seja implantado o juiz das garantias, não seria Itabaiana quem daria a sentença, seria outro magistrado.
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