Neste artigo, publicado originalmente no portal Sul21, a ex-deputada federal e candidata a prefeita de Porto Alegre nas últimas eleições municipais pelo PCdoB, Manuela D’Ávila, defende a “construção de um comitê popular de enfrentamento à pandemia” e a mobilização “pela articulação própria da vacina, bandeira defendida por nossa candidatura no processo eleitoral e ridicularizada por nossos opositores, que se mostra a única saída para enfrentarmos o negacionismo do governo federal”.
“Diante de governos negacionistas e assassinos, lutar para que nosso povo siga vivo e sem fome, me parece tarefa de primeira hora”, diz Manuela.
MANUELA D’ÁVILA (*)
Momentos como os que estamos vivendo na pandemia deveriam ensejar grande senso de unidade entre governos, sociedade civil e partidos políticos. Falamos de quase 250 mil brasileiras e brasileiros que não voltarão para casa, não abraçarão suas famílias vitimados por esse vírus que, ao que tudo indica, está cada vez mais veloz. Ocorre que, no Brasil de Bolsonaro, defender a vacinação e o protocolo sanitário celebrado globalmente, bem como a renda emergencial para famílias em situação de vulnerabilidade financeira passou a ser uma agenda de enfrentamento político e não de unidade.
Porto Alegre atravessa o momento mais difícil e triste da pandemia. As unidades de pronto-atendimento funcionam, em geral, mais de 250% acima da capacidade; profissionais da saúde estão exaustos, vivendo há mais de um ano a rotina imposta pelo coronavírus; o trabalho infantil toma conta de nossas ruas e a fome volta a ser uma realidade de milhares de famílias com o fim da renda emergencial que atendeu diretamente a mais de 320 mil porto-alegrenses que receberam pelo menos uma das parcelas.
Sabemos que o bolsonarismo venceu as eleições municipais com o discurso de negação da pandemia e está impondo sua agenda em nossa querida cidade. Não podemos ignorar que, dentre outras razões, o ex-prefeito Nelson Marchezan não foi nosso adversário no segundo turno justamente por ter sido abandonado por setores econômicos em função das medidas que adotou para conter a pandemia. Nós fomos derrotados, apesar da lindíssima mobilização popular, pelo sistema de distribuição de notícias falsas que também passava pela mentira sobre como enfrentaríamos a pandemia.
Digo isso para que não percamos de vista que esse foi o tema central da eleição e o estamos vendo tomar forma diante dos olhos com o caos no sistema de saúde e cinismo de um prefeito que diz não conhecer elementos que comprovem que o isolamento ajuda a enfrentar a pandemia. Diante desse quadro, é comum pensarmos que não há caminhos. Mas isso não é verdade. Caminhos existem e temos que percorrê-los! Penso que, enquanto oposição, precisamos enfrentar denunciando e organizando unitariamente medidas ao lado de nosso povo.
A primeira dessas medidas, em minha interpretação, é a construção de um comitê popular de enfrentamento à pandemia, que nos aponte rumos e nos ajude a monitorar a realidade, como deveria proceder o comitê gestor de crise da Prefeitura municipal: ouvindo especialistas em diversas áreas, como infectologistas, hospitais, educadoras, famílias, empresários. Não é possível que apenas o poder econômico tenha direito a falar e ser ouvido nessa cidade! Também é fundamental que pressionemos e mobilizemos pela articulação própria da vacina, bandeira defendida por nossa candidatura no processo eleitoral e ridicularizada por nossos opositores, que se mostra a única saída para enfrentarmos o negacionismo do governo federal.
Precisamos vacinar prioritariamente quem está se expondo em nosso nome! Se somos aqueles que defendem a classe trabalhadora, educadoras e trabalhadores essenciais devem ser vacinados com prioridade! Profissionais de limpeza urbana, caixas de supermercado, atendentes de farmácia não pararam nenhum único dia, assim como os profissionais de saúde da linha de frente.
O esforço do governo local para distribuir o fantasioso tratamento precoce, impedido judicialmente pela oposição, é mais um indício de sua associação com práticas que ignoram a ciência e causam mortes. Evidente que defendemos a imunização de toda a sociedade brasileira a partir do sistema único de saúde. Mas já tivemos tempo para entender que nacionalmente isso não ocorrerá na velocidade necessária para que salvemos tantas vidas quanto precisamos salvar.
Precisamos que os governos estadual e municipal façam a sua parte. A oposição lutou na Assembléia para que isso acontecesse desde o debate da reforma tributaria. Precisamos fazer o mesmo em nível local. Reincorporar as trabalhadoras do IMESF, concursados e competentes, às unidades básicas de saúde, constituir com eles brigadas para esclarecer e conscientizar a população, testar e fazer a busca ativa de casos, todas são questões cruciais para diminuirmos o numero de casos inspirados no que revê resultados em outras cidades brasileiras e ao redor do mundo.
As medidas de isolamento precisam ser ampliadas, isso significa a busca pelo imediato achatamento da curva. Quanto mais rápido o remédio for aplicado, mais rápido estaremos em melhores condições. Um dos grandes temas relacionados a isso é a circulação de pessoas no sistema de transporte público da cidade: em plena pandemia, temos menos ônibus, com menos horários e, portanto, com mais gente. As pessoas que necessitam de transporte público para trabalhar são intensamente expostas ao vírus! Soluções imediatas – e, inclusive, judiciais – devem ser buscadas para garantir que em período de crise o dinheiro repassado pelos governos aos empresários do transporte coletivo seja usado para salvar vidas e não para proliferar o vírus.
Isso pode significar novas restrições de atividades nas cidades e em Porto Alegre. Todos queremos a cidade aberta e só não admite isso quem faz proselitismo eleitoral sobre corpos de pessoas queridas. Mas é preciso garantir condições para tanto! Temos que pressionar por uma agenda federal e local que proteja trabalhadores, rearticulando a renda emergencial e os empréstimos a pequenos e médios empresários. Mas há também uma agenda local relacionada à economia e ela não consiste em abrir tudo, custo o que custar desde o ponto de vista humano. Ela poderia significar articulação do microcrédito e da política de compras públicas governamentais pela administração local. Essas são políticas sérias que poderiam ajudar nossa economia a atravessar a tempestade que já é duradoura. Da mesma maneira, a prefeitura precisa imediatamente debater questões tributárias com o setor econômico da cidade, como bem sabemos um intenso debate na eleição girou em torno do IPTU. E agora?
O debate sobre escolas e seu funcionamento, em minha opinião, tem sido feito de forma atravessada já que não temos governos comprometidos com a educação, sobretudo das crianças mais pobres, maiores prejudicadas nesse contexto. Com a cidade funcionando completamente, a partir das medidas adotadas de maneira irresponsável pelo Prefeito, a verdade é que as crianças filhas das mulheres trabalhadoras cada vez mais tem menos para onde ir.
Durante a pandemia milhares de trabalhadores nunca pararam (não apenas profissionais de saúde, me refiro a caixas de supermercado, trabalhadores de farmácias, profissionais de limpeza urbana) e as mulheres mais vulneráveis seguiram expondo suas crianças à doença. É verdade que escolas não são depósitos de crianças mas ambientes educacionais e também é verdade que nossa sociedade preferiu festas a proteger crianças e garantir suas escolas abertas. Mas imaginar que todas as crianças estão protegidas com as escolas fechadas é uma fantasia. Devemos correr atrás do tempo! É preciso proteger as crianças vulneráveis, e para isso, em nosso programa de governo propúnhamos a renda emergencial de suporte a essas crianças.
Também é necessário exigir a rearticulação de medidas relacionadas à assistência social e ao combate a fome. Restaurantes e cozinhas comunitárias, por exemplo, faziam parte de nosso programa e precisam ser articulados com urgência pois, como dizia Betinho, quem tem fome tem pressa!
Enquanto lutamos no parlamento para que isso se concretize, a partir dos microfones da potente bancada oposicionista, precisamos ter consciência que nosso lugar não é o da desesperança, mas a luta social ao lado do nosso povo. É hora de nos somarmos às iniciativas de mobilização e organização popular, fazendo a nossa parte, rearticulando espaços de distribuição de alimentos e itens de higiene em nossas comunidades articulando com campanhas de conscientização sobre a permanência da pandemia. Diante de governos negacionistas e assassinos, lutar para que nosso povo siga vivo e sem fome, me parece tarefa de primeira hora.
(*) Jornalista e mestra em Políticas Públicas.