
Quem está “serrando o galho em que está sentado” é Washington, com sua enxurrada de sanções, bloqueios e tarifaços contra o mundo inteiro
Diante das ameaças de Trump dirigidas aos BRICS sobre a suposta tentativa de desdolarização, o vice-chanceler russo, Sergei Ryabkov, esclareceu que os países-membros estão promovendo ativamente o uso de suas moedas nacionais em transações comerciais e financeiras dentro do grupo, buscando “se proteger de pressões externas”, mas, por enquanto, ninguém está levantando a questão de abandonar completamente o dólar.
O real problema, já apontou o presidente russo Vladimir Putin, é que os EUA andam serrando “o galho em que estão sentados”, o dólar, ao freneticamente o usarem como arma através de sanções e até confisco de reservas – e sob Trump 2.0, tarifaço -, e minando seu status de moeda de reserva.
Segundo Ryabkov, “a Rússia já ultrapassou 90% de todas as transações com seus parceiros do BRICS sendo realizadas em moeda nacional”. Em outubro, o ministro das Finanças da Rússia, Anton Siluanov, afirmou que “a participação das moedas nacionais no comércio entre os países do BRICS atingiu 65%, com a participação do dólar e do euro caindo para menos de 30%”.
Trata-se, como enfatizou Ryabkov, que “nos encontramos em uma situação em que fomos privados da capacidade de usar o dólar em muitas transações devido às sanções do bloqueio”.
O que forçou a Rússia a “buscar alternativas na forma de mecanismos de compensação que sejam suficientemente resistentes a influências mecânicas externas e que sejam imunes a esse tipo de atividade externa”.
“Se alguém diz que estamos seguindo uma política de desdolarização no contexto da rivalidade geopolítica com os EUA, tais declarações são feitas apenas para exercer pressão política e psicológica sobre os países do BRICS, pois não há nada de real por trás dessas conclusões”, afirmou Ryabkov.
“Simplesmente queremos que nos deixem cuidar da nossa vida em paz”.
O próprio Putin havia em 2022 tratado da questão, diante da exclusão da Rússia do sistema de pagamentos SWIFT e do confisco de reservas em bancos dos EUA e europeus.
“As sanções econômicas dos Estados Unidos estão nos forçando a optar pela ‘desdolarização’. [Os Estados Unidos] nos obrigam a fazê-lo, somos forçados a fazê-lo”.
“Não podemos fazer pagamentos em dólares com nossos parceiros no campo militar e técnico”, explicou, além de destacar que, por causa disso, a Rússia recorreu à sua moeda nacional, o rublo, e a divisas de outros países.
Ao recorrer a pagamentos em outras moedas, segundo Putin, surge “um novo sistema de relações com nossos parceiros nas áreas fora do escopo do dólar” se formou.
“Por que os formuladores de políticas dos EUA estão fazendo isso? Eles estão cortando o galho da árvore sobre a qual estão sentados. Todos no mundo veem”, comentou.
A situação, para Putin, “levanta dúvidas sobre a confiabilidade das operações em dólares”, que afeta as reservas não apenas na Rússia, mas em todo o mundo e “mesmo em países aliados dos Estados Unidos”.
A ameaça de Trump aos BRICS foi proferida por ele em discurso na Casa Branca na sexta-feira (18), após a aprovação, pelo Congresso dos EUA, de uma lei a favor das fraudes com criptomoedas, com o autonomeado “imperador do planeta” chantageando os integrantes do grupo com tarifaço de 10%, por supostamente tentarem “enfraquecer o dólar”.
Washington “nunca pode deixar ninguém jogar”, disse ainda Trump, acrescentando que decidiu “atingi-los [os BRICS] com muita, muita força”. “Se eles realmente se formarem de forma significativa, isso acabará muito rapidamente”, disse ele.
Após ter aumentado o tributo de guerra na Otan de 2% do PIB para 5% e decretado o tarifaço amplo, geral e irrestrito ao planeta, Trump asseverou que Washington não poupará esforços para preservar a hegemonia do dólar, “a moeda de reserva é muito importante”.
Num momento de fraquejada, Trump admitiu que “se a perdêssemos, seria como perder uma Guerra Mundial”, se referindo ao que o grande De Gaulle chamava de “privilégio exorbitante” do dólar, que tudo compra com papel pintado (ou registrado eletronicamente na telinha).
Trump também disse umas besteiras sobre o “esvaziamento do BRICS”, mais propriamente da cúpula do Rio de Janeiro, pela ausência do presidente Putin e do presidente Xi Jinping, o que atribuiu fantasiosamente ao seu anúncio de 10% de tarifaço aos BRICS.
Talvez alguém devesse lhe informar que, com Xi Jiping, está tudo muito bem, ele mandou ao Rio de Janeiro o primeiro-ministro, Li Qiang, e as duas partes se acertaram na ferrovia bioceânica, entre outros pontos.
No final de maio, uma inédita cúpula China, Associação dos Estados do Sudeste Asiático e do Conselho do Golfo, em Kuala Lumpur, aprofundou as relações entre três constituintes fundamentais da economia global, com todas as implicações.
Para muitos, a rede de pagamento digital global já implantada pela China é uma verdadeira supervia, comparada ao SWIFT, com pagamentos feitos em 7 segundos, ao invés de 3-5 dias. Rússia, Irã e outros países também desenvolveram sistemas próprios, devido às sanções.
De vera, quem está ansioso por uma desvalorização do dólar é o próprio Trump, uns 30% ao que dizem, tornando suas exportações mais baratas, na tentativa de melhorar o déficit comercial, a exemplo da política de Reagan do acordo de Plaza, nos anos 1980.
Mas a China não é o Japão, é um osso muito mais duro, com um mercado interno muito maior, uma parcela da indústria global incomparável – é a ‘fábrica do mundo” – e na vanguarda da tecnologia para a crise ambiental e para a Inteligência Artificial e a computação quântica, apesar dos bloqueios desde Washington.
A Rússia, por paridade de poder de compra, pelo segundo ano consecutivo é a quarta economia do mundo, à frente da Alemanha e do Japão, só perdendo para a China, EUA e Índia.
E o fato de terem ousado sancionar uma superpotência nuclear como a Rússia, certamente é percebido, mundo afora, como a comprovação de que “ninguém está seguro” sob a ditadura norte-americana e do dólar.
E a tentativa da trupe Trump de fazer o tempo andar para trás, para o período da dominação incontestável sobre o planeta, só faz tornar mais evidente o descompasso entre a realidade do mundo e os desejos da plutocracia militarista norte-americana, de Wall Street e dos novos barões ladrões da nuvem.