
Insistência de Washington em não assinar a paz e treinamento de “decapitação de liderança” fazem Pyongyang enviar carta ao presidente Trump
Conforme a CNN, carta da Coreia Popular enviada ao secretário de Estado Mike Pompeo, advertiu que as conversações sobre a desnuclearização da península coreana, acertadas durante a cúpula Kim-Trump de junho, estavam “sob risco e podiam desmoronar”, criticando, ainda, a falta de disposição dos EUA “para atender as expectativas da RPDC e dar um passo adiante para a assinatura de um tratado de paz”.
A carta, assinada pelo vice-presidente do Partido do Trabalho da Coreia, Kim Yong Chol, foi usada como pretexto, de acordo com a mídia norte-americana, para adiar a visita de Pompeo a Pyongyang, decisão tomada pelo próprio Donald Trump, por ser supostamente “hostil” e “beligerante”. No entanto, ao fazer isso, Trump buscou manter as portas abertas, dizendo esperar ver “o chefe Kim em breve”, a quem enviou “sinceros cumprimentos” e acrescentando que Pompeo estava “ansioso para ir”.
Posteriormente, comentário publicado no jornal norte-coreano Rodong Sinmun trouxe mais luz sobre o que a carta, que não foi divulgada publicamente, tratava. Citando “uma estação de rádio sul-coreana”, o Rodong denunciou que, enquanto “dialogavam com um sorriso nos lábios”, os EUA “estão organizando operações secretas com a participação de forças especiais treinadas para assassinar”. Segundo a rádio sul-coreana, unidades especiais saíram do Japão, em um vôo de 1200 km para as Filipinas, simulando uma “infiltração em Pyongyang”, caso a direção fosse mudada.
O Rodong condenou o “jogo duplo” e classificou esses “passos militares” como “extremamente provocativos e perigosos” e prejudiciais à atmosfera de diálogo lograda durante a cúpula de junho.
O jornal também lembrou de manobras parecidas realizadas em julho, no Japão, em que forças especiais – Boinas Verdes, Força Delta e Seals – praticaram o desembarque secreto na costa. Também se referiu a um submarino nuclear ianque que em julho ou agosto transportou tropas especiais desde o Japão até uma base no sul.
O editorial termina alertando que os EUA estão “tristemente enganados se acham que podem intimidar alguém por meio da banal ‘diplomacia das canhoneiras’ que costumavam empregar como uma arma todo poderosa no passado e atingir sua intenção sinistra”.
A visita anterior de Pompeo já havia causado enorme tensão, com as exigências descabidas que conduziu sendo repelidas por Pyongyang como “conversa de gângster”, por insistir no desarmamento unilateral e prévio da Coreia Popular, quando a cúpula Kim-Trump de Cingapura definira um processo passo a passo até a paz e a desnuclearização de toda a península e não só o norte.
Da parte de Pyongyang, o que se comprometeu, vem cumprindo. Há dez meses não testa mísseis ou armas nucleares. Desmontou um centro de testes nucleares. Como um gesto de boa vontade, entregou aos EUA despojos de soldados norte-americanos tombados na Guerra da Coreia. Avançou nos entendimentos com o sul para a reconciliação, inclusive acertando fechamento de postos militares na fronteira. Famílias separadas pela guerra voltaram a se reunir. Está marcada para setembro nova cúpula Kim-Moon Jae-in, o presidente do sul.
Todas as gestões para assinatura da paz têm tido a iniciativa de Pyongyang, e a resistência aberta de Washington. Editorial do New York Times na semana passada asseverou que “autoridades do governo [dos EUA] e alguns especialistas estão preocupados que uma declaração de paz possa abrir a porta para a retirada de 28.500 soldados americanos da Coreia do Sul, enfraquecendo a relação de defesa dos EUA com a Coreia do Sul e sua capacidade de tomar medidas militares se necessário”.
A principal concessão de Washington até aqui – a suspensão dos exercícios militares massivos Ulchi-Freedom de agosto no sul, que em Cingapura o próprio Trump descreveu como “muito provocativos” – acaba de ser posta no limbo pelo chefe do Pentágono, general ‘Cachorro Doido’ Mattis. Segundo ele, não está nos planos do Pentágono “suspender outros exercícios militares”, mas não foi tomada ainda a decisão de realizá-los no próximo ano.
MATTIS E BOLTON
Ainda segundo o NYT, Mattis e John Bolton, o maníaco de guerra que cumpre a função de conselheiro de Segurança Nacional de Trump, são contra assinar a paz com a Coreia, mas o único troféu da política externa de Trump até agora é exatamente a negociação com a Coreia. Mas, sob cerco da mídia, CIA e de boa parte do establishment, e na mira de um impeachment, um ato de guerra é sempre a tábua de salvação quando as coisas não vão bem no salão Oval.
Entre outras coisas, o sul da Coreia, desde o general MacArthur, é a cabeça de ponte dos EUA contra a China, e há muita resistência em Washington em largar o osso. No dia do cancelamento, Trump disse que provavelmente Pompeo voltaria a Pyongyang em futuro próximo, “depois que o nosso relacionamento comercial com a China esteja resolvido”. Ele acrescentou que, “por causa de nossa postura comercial mais difícil com a China, eu não acredito que eles estejam ajudando com o processo de desnuclearização como antes”. O governo de Pequim reagiu considerando tais declarações como “irresponsáveis”.
ANTONIO PIMENTA