Após reunião em Pyongyang em que uma delegação de alto nível do sul foi recepcionada pelo líder do norte, Kim Jong Un, logo após os históricos Jogos de PyeongChang, as duas partes da milenar nação coreana anunciaram na quarta-feira (7) a realização de uma cúpula intercoreana em abril, a primeira em dez anos.
A cimeira ocorrerá em Panmunjon, na zona desmilitarizada na fronteira. O chefe da delegação do sul, Chung Eui-yong, relatou ter ouvido de Kim sua “firme vontade de avançar vigorosamente” para que seja escrita “uma nova história da reunificação nacional”. O que converge para a disposição expressa pelo presidente Moon Jae-inn de “reconciliação nacional”. Foi Moon que no discurso de abertura em PyeongChang, chamou a Coreia de “única nação dividida do mundo”, ao se referir ao “desejo ardente” em sediar os jogos.
O próprio Trump, que não para de tuitar provocações, inclusive dizendo que o botão nuclear dele “é maior” e que poderá passar para a “fase 2”, se viu obrigado a dizer que os coreanos do norte “receberam um crédito tremendo porque os Jogos Olímpicos não estavam indo bem” e “de repente, do nada, [a Coreia Popular] apareceu e disse que gostaria de participar”, o que, acrescentou, “fez com que a competição fosse muito bem-sucedida”.
KIM YO JONG
O que é uma forma de admitir que a Coreia Popular ganhou o “ouro olímpico da diplomacia”, ao, diante da ameaça de uma guerra nuclear na península, seu líder Kim ter convocado a um diálogo pela reconciliação nacional “entre nós coreanos”. O que acabou se transformando no desfile conjunto com a bandeira da nação coreana sem divisão, azul e branca, na abertura e encerramento dos Jogos, na equipe feminina conjunta de hóquei feminino no gelo, e na presença da irmã do líder do norte, Kim Yo Jong, e do presidente da Assembléia Popular Suprema, Kim Yong Nam.
Poucas vezes se viu em um acontecimento público uma figura tão isolada e amarga quanto a do vice de Trump, Mike Pence, na abertura dos Jogos. A participação dos atletas e artistas do norte, a simpatia da irmã de Kim, a emoção de 30 mil vozes cantando a ‘Coreia é uma só’ e a canção da reunificação, Arirang, contribuíram para tornar oca a campanha de difamação de Washington que apresenta o norte como um circo de horrores e seu líder Kim, como um vilão enlouquecido. (Como já fizeram com o Iraque e Sadam, com a Líbia e Kadafi, e agora com a Síria e Assad – só para citar alguns dos agredidos pelos EUA).
Há mais de 70 anos os EUA se recusam a assinar um tratado de paz na península coreana, e mantém a nação de 5 mil anos de história dividida pela ocupação com quase 30 mil soldados. Nesses anos, quantos países a Coreia Popular invadiu, em quantos organizou golpes de estado, contra quantos montou bloqueios e sanções? A resposta, todos sabem, é nenhum. Totalmente ao contrário dos EUA, que invade um país atrás do outro, deixando um rastro de destruição e genocídio (Coreia, Vietnã, Iugoslávia, Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria). Se considerar só golpes de estado, a lista é imensa: Irã, Congo, Indonésia, Chile, Grécia. Sanções, então nem se fala.
Desde que foi empossado, Trump vem tentando rasgar o acordo que seu antecessor, Obama, assinou (mais cinco países) com o Irã. É exatamente o que W. Bush fez com o acordo de congelamento de programa nuclear que, em 1994, Bill Clinton assinou com a Coreia Popular, e que foi negociado pelo ex-presidente Carter. A Coreia também ingressou no Tratado de Não-Proliferação. W. Bush pôs a Coreia Popular no “eixo do mal” e, violando a não-proliferação, a ameaçou de “ataque nuclear preventivo” em 2002 . Foi então que Pyongyang decidiu constituir sua força de dissuasão nuclear – que é mínima, mas eficaz, diante do enorme arsenal nuclear ianque.
Ao se dirigir para Pyongyang, a delegação do sul salientou o objetivo do presidente Moon de “alcançar a paz permanente na região” e de contribuir para a retomada de negociações entre o norte e os EUA. Conforme Chong, na visita houve uma “troca aprofundada de opiniões” para aliviar as tensões militares agudas na península e “ativar o diálogo e o intercâmbio”. A Coreia Popular há meses tem feito sua parte para criar as condições de negociação sugeridas pela Rússia e China (“duplo congelamento”) – não faz testes de mísseis nem de ogivas nucleares. Já Washington insiste em manter suas grandes manobras militares de ensaio de uma invasão (em abril e agosto).
A Coreia Popular também sempre defendeu a desnuclearização da península coreana. A força de dissuasão nuclear se tornou uma necessidade imperiosa depois que os governos dos EUA demonstraram sem qualquer dúvida que não respeitam os acordos que assinam, e fazem o que é proibido pela lei internacional (“não-proliferação”): um país armado nuclearmente não pode ameaçar de ataque nuclear “preventivo” um país desarmado.
Ao longo de várias décadas, o avô de Kim Jong Un, Kim Il Sung, patriarca do renascimento da nação coreana depois da anexação pelos japoneses, propôs vários caminhos, ponderados, verificáveis, para redução de exércitos nas duas partes, retirada escalonada das tropas americanas e a constituição de um sistema confederal, com cada parte mantendo, pelo tempo que for necessário, o sistema social e político que mais lhe aprouver, mas restaurando a unidade da nação coreana.
Negociações com a Coreia Popular sempre são sem condições prévias, mas a força de dissuasão nuclear do norte só serve porque há um ladrão de terras que não quer largar o osso. Sem o ladrão de terra alheia, não será mais necessário. O representante de Seul disse ter ouvido de Kim que “poderia compreender” quanto a não ser possível adiar as manobras militares de abril, o que talvez seja o entendimento lúcido de que quem manda nas armas no sul ocupado é um general americano. Mas a KCNA continua advertindo contra as provocações e o frenesi de guerra.
ANTONIO PIMENTA