
Houve 241 mortes durante os nove dias do motim elogiado pelo coronel em todo o Estado
O diretor da Força Nacional de Segurança, Antônio Aginaldo de Oliveira, chamou os policiais militares amotinados que aterrorizaram a população do Ceará de “gigantes” e “corajosos”. Ele disse isso ao participar da assembleia que aprovou o término do motim.
“É muita coragem fazer o que os senhores estão fazendo. Não é para todo mundo. Os covardes nunca tentam, os fracos ficam pelo meio do caminho. Só os fortes conseguem atingir os seus objetivos. E vocês estão atingindo seus objetivos. Vocês movimentaram toda uma comissão de Poderes constituídos do estado cearense e do estado brasileiro, do governo federal. Os senhores se agigantaram de uma forma que não tem tamanho, que é do tamanho do Brasil”, afirmou o diretor nomeado por Bolsonaro para dirigir a Força Nacional.
A fala do coronel da PM do Ceará, que é um bolsonarista casado com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), feita na assembleia que encerrou o motim, no domingo à noite, é uma afronta às leis do estado e à Constituição Federal, que proíbe motins militares. O discurso revela também que, apesar de apoiar a decisão dos policiais de suspender o motim, o coronel deu respaldo para atividades ilegais dos PMs.
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Um outro bolsonarista infiltrado no movimento, o ex-deputado Cabo Sabino, expulso da PM por deficiência moral e com um mandado de prisão expedido contra ele, também falou na mesma assembleia e deixou isso ainda mais claro. Tentou impedir que a categoria decidisse pelo encerramento do motim. “Vocês acabaram de assinar minha demissão”, reclamou Sabino, logo após a votação que aceitou a proposta feita desde o início pelo governo do Ceará.
O término do motim não interessava aos setores políticos que queriam desestabilizar o estado e apostar numa espécie de “motins em dominó” por todo o país. A premência da retirada das tropas federais, anunciada por Bolsonaro em live do Planalto, foi a forma que o governo federal encontrou para manter o impasse e fortalecer os amotinados no Ceará.
Ele só não tirou as tropas em função da pressão exercida pelos governadores de SP, RJ, BA, PI e MA que se prontificaram a mandar ajuda caso as tropas federais fossem retiradas.
Graças à determinação do governo do Ceará e dos representantes dos dois outros poderes do estado, o impasse foi vencido.
O governo garantiu a manutenção da proposta salarial, que foi apresentada desde o início das negociações, de aumentar o salário inicial de um soldado em 43%, elevando de R$ 3.200,00 para R$ 4.500,00, e de afastar qualquer possibilidade de anistia para os amotinados que desrespeitam as leis e colocaram em risco a vida da população.
O Legislativo, que havia apoiado o aumento salarial, iniciou a votação no último fim de semana proibindo anistia aos amotinados e o Judiciário condenou as ilegalidades. “No Ceará todos têm que respeitar a lei”, disse o governador.
O senador Cid Gomes (PDT) também deu uma grande contribuição – com risco de sua própria vida – para o desfecho positivo do episódio. Ele enfrentou o momento mais delicado do impasse quando provocadores encapuzados e armados aterrorizaram a população de Sobral, no interior do estado.
Os senadores de outros estados que estiveram no Ceará para ajudar, entre eles o senador Major Olímpio (PSL-SP), também foram decisivos para a superação da crise. Ao se deparar com o vandalismo contra a população por parte de milicianos encapuzados e infiltrados no movimento, o senador paulista foi categórico: “Isso não é coisa de policial”.
Mas o coronel Antônio Aginaldo de Oliveira, apesar de reconhecer e apoiar o encerramento do motim, resolveu elogiar exatamente aqueles elementos que o Major Olímpio criticou por não representarem os policiais cearenses. “Encerrando essa paralisação hoje, podem ter certeza, os senhores vão sair daqui do tamanho do Brasil. Já são grandes, já são corajosos”, disse o coronel bolsonarista. Houve 241 mortes durante os nove dias de motim elogiado pelo coronel em todo o estado.
Mesmo o ministro Sérgio Moro, padrinho de casamento do coronel Oliveira e da deputada bolsonarista, apesar de uma certa demora, já havia dito de forma clara e explícita, que o movimento era ilegal. “De fato essa paralisação é ilegal, é proibida pela Constituição. O Supremo Tribunal Federal já decidiu isso”, disse ele, aos governadores do Sudeste reunidos em Foz do Iguaçu, no último fim de semana.
O comportamento irresponsável de um integrante da Força Nacional, que tem por obrigação cumprir e fazer cumprir a lei, só revela que o bolsonarismo passou de todos os limites na crise cearense e saiu bastante chamuscado de todo este episódio.
O acordo aceito pelos policiais no domingo não prevê anistia aos que participaram do motim, uma das exigências dos policiais originalmente, mas assegurou que os PMs terão acompanhamento de instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Defensoria Pública e o Exército durante os procedimentos legais. A proposta que foi aceita também estabelece que o governo do Ceará não vai realizar transferências de policiais para trabalhar no interior do estado pelos próximos 60 dias. A maioria esmagadora da categoria aprovou a volta ao trabalho.
A vara da auditoria militar da Justiça Estadual do Ceará determinou na segunda-feira (02) a liberdade provisória e sem fiança dos 43 policiais militares detidos por deserção durante o motim da categoria no Ceará, encerrada na noite deste domingo, 1 º.
De acordo com o juiz Roberto Soares Bulcão Coutinho, o fim do motim ilegal dos policiais tornou a ordem de prisão “desarrazoada” (sem sentido). “Essa atual situação exige uma nova visão da questão, pois a conversão antes decretada teve como fundamento a garantia da ordem pública e a necessidade de manter a hierarquia e disciplina”, afirma Coutinho, que cita o acordo firmado pelos amotinados para encerrar o motim.
A soltura não significa que os policiais deixarão de responder por possível participação na paralisação. Os casos serão analisados separadamente, e os PMs podem vir a ser expulsos da corporação ou ser presos novamente.