Ocorreu nesta sexta-feira (24) o velório do indigenista Bruno Araújo Pereira, assassinado em uma emboscada durante uma expedição na região do Vale do Javari, no Amazonas, junto com o jornalista inglês Dom Phillips.
A cerimônia aconteceu no Cemitério Morada da Paz, em Paulista, no Grande Recife, e foi aberta ao público. A cremação ocorreu às 15h, só com a presença da família.
O caixão foi exposto por volta das 9h30, coberto com bandeiras de Pernambuco e do Sport Clube do Recife, time do coração de Bruno Pereira. Havia, também, uma camisa da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).
O corpo de Bruno Pereira, que tinha 41 anos e é pernambucano, chegou ao Recife na noite da última quinta-feira (23), em um jato da Polícia Federal. Os restos mortais foram periciados em Brasília. Quando ocorreu a liberação, os dois corpos foram levados de avião para serem entregues às famílias.
A primeira parada foi o Rio de Janeiro, onde o corpo de Dom Phillips foi entregue aos parentes. Às 18h36, o avião com o corpo de Bruno Pereira aterrissou no Aeroporto Internacional Guararapes/Gilberto Freyre, na Zona Sul do Recife.
Um grupo de indígenas da etnia Xucuru, da Serra do Ororubá, em Pesqueira, no Agreste, compareceu ao velório e entrou na capela em que o corpo de Bruno Pereira é velado. Eles entoaram cantos do ritual do Toré ao redor do caixão, com um cartaz com as fotos das vítimas e a frase “Justiça por Dom e Bruno”.
Logo nos primeiros minutos do funeral, a emoção tomou conta de todos com a chegada dos indígenas xukurus da serra do Ororubá, no agreste do estado. Foi entoando cantos e marchando que o grupo entrou no cemitério Morada da Paz. “Oh, meu irmão, oh, irmão meu. Cadê o meu irmão que não vem brincar mais eu?”, cantavam os xukurus enquanto balançavam seus instrumentos de percussão. O cântico continuou quando chegaram próximo ao caixão de Bruno. Os pais e a esposa do indigenista assistiam a homenagem com muita emoção.
“Não poderíamos não estar presentes aqui no dia de hoje, representando todos aqueles que não puderam estar aqui para dizer que Bruno e Dom vivem em cada um de nós”, declarou o cacique Marcos Xukuru, cujo pai, o cacique Chicão, também morreu assassinado em maio de 1998, a mando de fazendeiros contrariados com a luta do povo xukuru pelas suas terras. “Hoje eu gostaria de dizer para Bruno o que minha mãe disse quando meu pai foi assassinado: ele não vai ser enterrado, ele vai ser plantado porque dele vão nascer novos guerreiros”, afirmou a liderança indígena.
Após o ritual, Eriberto Marubo, diretor do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados (OPI) se dirigiu aos pais de Bruno: “Hoje, ele pertence a todos os povos indígenas. Vocês têm um filho herói para nós”. Após a falas de Eriberto, o cacique Marcos colocou sobre o caixão de Bruno o chapéu de ritual dos xukurus de Ororubá, feito de palha de buriti, um dos objetos mais sagrados para o povo do agreste pernambucano.
No final da cerimônia, após a celebração da missa, chegaram os representantes do povo pankararu, do sertão do São Francisco, que também homenageou Bruno Pereira.
TRAJETÓRIA
Filho de paraibanos, Bruno Pereira era pernambucano, nascido no Recife. Deixou Pernambuco nos anos 2000, para trabalhar na Amazônia. Ele desempenhou diversas funções na Fundação Nacional do Índio (Funai) na última década.
Bruno passou pela coordenação regional do Vale do Javari, exatamente na região em que ele desapareceu durante uma expedição, no início deste mês. Deixou a esposa, a antropóloga Beatriz Matos, e três filhos.
Bruno Pereira é considerado um dos maiores especialistas em povos isolados do Brasil. O indigenista chegou a cursar jornalismo na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e participaria de um filme inspirado no trabalho dele.
No dia 16 de junho, o pernambucano recebeu homenagens pela trajetória em defesa dos povos indígenas. Segundo os familiares, Bruno amava Pernambuco, a cultura, o carnaval e o Sport Club do Recife.
Amava tanto o time de futebol que chegava a ligar pelo celular via satélite para saber os resultados dos jogos quando estava nas bases da Funai, onde não há comunicação.
DOM PHILLIPS
O corpo de Dom Phillips chegou ao Rio de Janeiro na última quinta-feira e foi encaminhado para exames. O funeral e a cremação do corpo do jornalista inglês, que era colaborador do jornal britânico The Guardian, será neste domingo (26) no Cemitério Parque da Colina, em Niterói, na Região Metropolitana do Rio, das 9h ao meio-dia.
Durante o velório será lido no local um pronunciamento escrito por parentes do jornalista. Na mesma data está marcada uma homenagem a Dom nos Arcos da Lapa, a partir das 16h. Os organizadores pedem que as pessoas venham de verde. A cidade de Niterói foi escolhida pela esposa de Dom, Alessandra Sampaio, que viveu em Niterói antes de se mudar para a Bahia.
O Padre Julio Lancellotti celebrou na manhã desta sexta-feira (24) uma missa em homenagem ao indigenista e ao jornalista. A cerimônia foi realizada às 7h, na Paróquia de São Miguel Arcanjo, na Mooca, Zona Leste de São Paulo.
O CASO
Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira desapareceram no último dia 5. Eles tinham saído da comunidade São Rafael rumo a Atalaia do Norte, no Amazonas. Os corpos foram encontrados no último dia 15.
Quatro dos suspeitos estão presos e quatro foram identificados por terem participado da ocultação dos cadáveres.
Os presos são Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como Pelado, Jefferson da Silva Lima e Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como Dos Santos. Na quinta-feira, Gabriel Pereira Dantas se entregou na cidade de São Paulo, nesta quinta-feira. Ele confessou que pilotava o barco usado pelos criminosos.
De acordo com a Polícia Federal, Bruno Pereira denunciava ameaças sofridas na região. O indigenista estava atuando como colaborador da Univaja, uma entidade mantida pelos próprios indígenas da região, que tinha como foco impedir a invasão da reserva por pescadores ilegais e narcotraficantes.