Candidato derrotado, que encabeça tentativa de revolução colorida, já homenageou Bolsonaro como “homem de Deus” e “esperança do Brasil” e agora elogiou Trump como “protetor dos valores morais da América
Mais confrontos se seguiram à decisão da Corte Constitucional de Moçambique, que confirmou na segunda-feira (23) a vitória do candidato da Frelimo [Frente de Libertação de Moçambique], Daniel Chapo, por 65% dos votos, sobre o dissidente da Renamo, Venâncio Mondlane, que concorreu por uma legenda de aluguel, e obteve 24%. A Frelimo também teve confirmada sua maioria no parlamento.
Entre as credenciais de Venâncio Mondlane está sua homenagem ao ex-presidente fascista brasileiro Jair Bolsonaro, a quem chamou de “homem de Deus” e “esperança do Brasil”, e seu elogio rasgado ao recém reeleito Trump por “proteger os valores morais da América”.
O que não impede a mídia imperial de o classificar como “independente”. Com 35 milhões de habitantes, Moçambique é o terceiro maior país de língua portuguesa e um dos países mais pobres do mundo.
A Frelimo é o partido que encabeçou a luta de independência de Moçambique contra o regime colonialista português e apoiou o Congresso Nacional Africano de Mandela contra o apartheid, enquanto a Renamo, criada por colaboracionistas e pelos governos de apartheid vizinhos, a combateu, e inclusive, após a independência, manteve o país sob guerra civil por duas décadas.
A vitória da Frelimo foi saudada pelo CNA sul-africano, enquanto o Departamento de Estado norte-americano chiava da “falta de transparência” e “irregularidades na tabulação”. Observadores da União Africana, da Comunidade dos Países da África Austral e de outros organismos internacionais nas eleições de outubro consideraram o pleito normal, embora com imperfeições.
De acordo com o Ministério do Interior moçambicano, em dois dias de protestos morreram 21 pessoas. Partidários de Mondlane promoveram distúrbios após a decisão da Corte Constitucional, que é final. Queimaram pneus e lixeiras. Prédios públicos, agências bancárias e até escolas foram vandalizadas.
Mondlane, que está no exterior, anunciou que vai se autoproclamar presidente no dia 15 de janeiro. Os outros dois candidatos a presidente, que somados tiveram 10%, também se recusaram a reconhecer o resultado.
Apesar das acusações de Mondlane, na comparação com a eleição anterior, de 2019, não existe uma discrepância inexplicável no resultado. Naquele ano, a Frelimo teve 71,2% dos votos e conquistou 184 mandatos à Assembleia da República. A Renamo elegeu então 60 deputados (22,2%), seguida do MDM, com seis deputados (4,2%).
Nas eleições deste ano, segundo o presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), o bispo anglicano Carlos Matsinhe, a apuração eleitoral foi feita por consenso em 87% dos 154 distritos. O comparecimento caiu de 52% para 43%.
O CNA saudou o resultado, chamando à “importância do diálogo, do respeito mútuo e de um compromisso firme com a vontade do povo para garantir a estabilidade política e o desenvolvimento sustentável”.
“Renovar e unir o povo de Moçambique, ao mesmo tempo em que fortalece os laços históricos entre a Frelimo e o ANC, é de benefício mútuo na promoção de relacionamentos entre pessoas e no fomento do crescimento econômico inclusivo para a prosperidade compartilhada de ambas as nações”, disse o porta-voz nacional, Mahlengi Bhengu-Motsiri.
A União Africana apelou ao “fim da violência”, com o presidente Moussa Faki Mahamat instando “o governo e todos os atores políticos e sociais nacionais a procurarem uma solução pacífica para resolver a crise atual”.
O “CARISMÁTICO” VENÂNCIO
Segundo a mídia imperial, Venâncio Mondlane é um “líder carismático” com apoio entre os jovens. Como Moçambique é um dos países mais pobres do planeta e não tem sido fácil a superação da herança maldita colonial, e levando em conta que já que virou moda reacionários do mundo inteiro falarem em “fraude” nas eleições, antes que alguém se encante com o novo messias, nada como levantar a ficha pregressa do candidato.
Segundo registrou o articulista norte-americano David Brown, “Mondlane também prestou homenagem ao ex-presidente fascista brasileiro Jair Bolsonaro [“homem de Deus” e “esperança do Brasil] e elogiou o recém reeleito presidente Donald Trump por proteger os valores morais da América”.
Coincidentemente, esclareceu a BBC, Mondlane é, também, “líder evangélico”. Além de ter sido comentarista de programas televisivos e radiofônicos e figurinha carimbada nos noticiários da Voice of America, Deutsche Welle e Radio France Internacional enfocando a África.
A ascensão de Mondlane teve início em 2013, no governo Obama, quando ele, por indicação da embaixada norte-americana em Maputo, participou de um programa de “formação de lideranças” nos EUA, e naquele mesmo ano concorreu a prefeito da capital moçambicana, Maputo, pelo Movimento para a Democracia em Moçambique (MDM).
O que lembra aquele célebre cursinho de verão de 2010 do então promissor Alexei Navalny, do qual saiu “líder anticorrupção” na Rússia. Há relatos também de que aquele ‘presidente’ que Trump nomeou para a Venezuela, Juan Guaidó, também andou freqüentando cursos de “especialização” nos States.
Em 2018, Mondlane ingressou na Renamo, o principal partido de oposição, do qual saiu em 2024 ao não conseguir a vaga para disputar a presidência, indo para uma legenda de aluguel.
A LINHA AUXILIAR DO APARTHEID, RENAMO
Registre-se que, nesta eleição, a oposição “tradicional” em Moçambique, a Renamo, acabou em terceiro. Cúmplice dos regimes de apartheid, a Renamo manteve Moçambique sob guerra civil por quase duas décadas, quando a vitória do CNA na África do Sul se avizinhava.
Oficialmente a guerra civil terminou em 1992 com o acordo de Roma, intermediado pela Igreja Católica, assinado por Afonso Dhlakama, líder da Renamo, e Joaquim Chissano, ex-presidente de Moçambique,. Na primeira eleição, Chissano venceu, a Renamo chiou, mas acabou aceitando o resultado.
Desde então, a cada eleição a Renamo contestou, várias vezes se recusou a reconhecer o resultado e a concluir seu desarmamento como acordado. Em certo momento houve a volta à guerra civil, mas a Renamo acabou tendo de recuar. Em 2019 pela primeira vez houve uma eleição que não foi contestada. O que, como se vê, não durou muito.
HERANÇA COLONIAL MALDITA
Naturalmente, os protestos, para além da demagogia de Mondlane, são reveladores da situação de pobreza e subdesenvolvimento de Moçambique que, depois da libertação do jugo colonial, ainda teve de passar por 16 anos de guerra civil, ao custo de 1 milhão de mortos, em grande parte de fome.
Após a queda da União Soviética e fim do apoio ao seu desenvolvimento, o governo de Moçambique, durante a avalanche neoliberal sobre o planeta, se viu, como outros tantos, forçado ao receituário do FMI.
Isso, mais a herança colonial e o fardo da guerra civil, faz com que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Moçambique seja o 11º pior do mundo dentre 193 países.
O PIB per capita (a riqueza produzida no país divida pelo número de habitantes) é o 6º pior do mundo, segundo o Banco Mundial. Somente 31% da população têm acesso à eletricidade. No campo, esse percentual cai para 3,8%.
A expectativa de vida é de apenas 58,3 anos, quase 20 a menos do que o Brasil. Moçambique é também um país muito jovem, com uma idade média de 17,3 anos.
Entre 2000 e 2015, o crescimento da economia foi em média de 7%. Entre 2016 e 2023, a média baixou para quase 3%. No pós-pandemia, foi de 4,36% em 2022 e de 5% em 2023.
Segundo declarações do vice-ministro da Economia e Finanças moçambicano, Amílcar Tivane, a pobreza atinge 45% da população de 30 milhões, quando há 15 anos era de quase 70%: “então registramos uma redução significativa”. Ele advertiu que, para atingir os Objetivos do Desenvolvimento da ONU para 2030, esse percentual precisa cair pela metade, para “24%”.
O país também tem sido penalizado por frequentes ciclones e secas intensificadas, que são atribuídos às mudanças climáticas. Uma milícia salafista surgiu no norte do país, em Cabo Delgado, justo na região onde foram descobertos campos de gás expressivos. O que provocou o deslocamento forçado de 1 milhão de pessoas, sob uma onda de ataques, inclusive com decapitações ao estilo Estado Islâmico. E mantém suspensa a exploração do gás.