Cerca da metade das universidades públicas, ou mais precisamente 30 de 69 universidades federais, entre elas, UFRJ, UFF, UFMA, UFBA, UFPE, UFABC e UFES, não vão conseguir chegar ao final deste ano com o orçamento atual, mesmo que todo o recurso seja desbloqueado, aponta uma sondagem feita pelo O Globo, divulgada nesta segunda-feira (7).
O governo Bolsonaro aprovou neste ano a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021, que impõe um corte de 18,2% (R$1.056 bilhão) no orçamento de custeio das universidades federais do país com relação aos valores de 2020. Além disso, Bolsonaro também bloqueou 60% do orçamento aprovado — que para serem liberados dependem de decisão liberação do Congresso Nacional.
Assim, para 2021, as universidades federais possuem apenas R$ 4,3 bilhões em gastos discricionários, que são destinados para o pagamento das contas de água, luz, segurança e limpeza, além de investimentos com reformas, compra de equipamentos e insumos para pesquisas, e bolsas de auxílios para alunos de baixa renda.
Desse montante, R$ 789 milhões, ou 17%, ainda estão indisponíveis aguardando liberação do Ministério da Educação (MEC). Até hoje, o máximo disponibilizado para esse tipo de verba foram R$ 12 bilhões em 2011.
Para resolver o problema, as reitorias defendem que o orçamento seja pelo menos recomposto ao nível de 2020, cerca de R$ 5,6 bilhões. De acordo com a reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise de Carvalho, a universidade centenária tem hoje 14% do seu orçamento bloqueado. “Orçamento esse que é 21% menor de que o de 2012, e que é 50% menor com relação a 2012”, declarou. “O apelo é pela recomposição e desbloqueio do orçamento”, defendeu a reitora.
“Esse corte impede o nosso funcionamento básico, não haverá como pagar a conta de luz, a conta de água, os contratos terceirizados, o que afetará diretamente na economia do país, uma vez que aumentará também o número de desempregados – pois quando rescindirem os contratos de limpeza e manutenção dos campus, estamos aumentando o desemprego do país”, alertou Denise de Carvalho, na semana passada (2), na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, que debateu o corte no orçamento das universidades federais.
A Universidade Federal de Pelotas (UFPel) declarou que consegue manter suas atividades até setembro. Em 2020, o orçamento de custeio da UFPel teve um corte de 21% em relação ao orçamento do ano anterior, que foi em torno de R$ 74 milhões. Para 2021, estão previstos R$ 59 milhões, e ainda há um bloqueio de R$ 9 milhões.
“Em média, as universidades tiveram o orçamento reduzido em cerca de 20% em relação ao de 2020 e, além disso, incide sobre esse valor mais um bloqueio de cerca de 14%. Mesmo com a liberação de 100% do orçamento aprovado na LOA, a capacidade de pagamento das universidades finda em setembro, inviabilizando o funcionamento das IFES que são responsáveis pela formação de profissionais de qualidade em todo o país”, disse a reitora da UFPel, Isabela Andrade, em uma coletiva de imprensa, no final de maio (29).
Com um corte orçamentário que chega perto de 24%, em relação a 2020, e a 44% em relação a 2016, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) reduziu 869 bolsas de pesquisas, diminuiu o valor das que pagam a assistência estudantil e demitiu 307 funcionários terceirizados.
Mesmo assim, a situação financeira da universidade continua complicada, segundo a reitoria. O déficit da instituição subiu para R$ 13 milhões “tornando o funcionamento de parte das atividades no 2º semestre muito complicado”, informou.
Após ter sancionado o Orçamento em 22 de abril, Bolsonaro também bloqueou R$ 5 bilhões do Fundo de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (FNDCT), que tem sido, desde sua criação em 1969, um instrumento fundamental para o desenvolvimento científico e tecnológico do País. E ao ter feito isto, Bolsonaro desrespeitou a Lei Complementar 177/21, aprovada em março, que proíbe o contingenciamento dos recursos do FNDCT pelo executivo federal.
Mesmo frente a esta grave irregularidade, até agora o governo não liberou um tostão dos R$ 5 bilhões, que poderiam estar sendo usados para financiar projetos de pesquisa, inclusive os que tratam da Covid-19, como imunizantes contra o coronavírus que já matou mais 470 mil no Brasil.
“Num momento em que tanto se fala sobre a importância da ciência, o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia é o pior dos últimos anos. E a liberação dos recursos do fundo, sobre a qual havia grande expectativa, acabou não acontecendo. Pelo menos até agora”, comentou o Fundador e secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco, ao afirmar ao Estadão que o bloqueio dos recursos é ilegal.
“O Ministério da Economia tem de explicar como fará, porque da forma como está é ilegal. Até porque o Orçamento foi sancionado depois da lei”, denunciou o economista. Segundo a Contas Abertas, mesmo com a liberação do dinheiro do FNDCT, o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) será o menor dos últimos cinco anos, em valores corrigidos.
Mesmo com os cortes em verbas de investimento e manutenção, e outra sabotagens feitas por Bolsonaro, na UFRJ cientistas correm contra o tempo para que a vacina desenvolvida pela instituição, a UFRJ-Vac, possa chegar ao povo brasileiro até o segundo semestre de 2022.
“A vacina que estamos desenvolvendo entrega para o organismo uma proteína pronta, igual a do vírus, para estimular o sistema imune. [… ] As vacinas que vêm de proteínas são amplamente conhecidas pela sua segurança e eficácia, como a da Hepatite B, dada a recém nascidos, e a do HPV, indicada há 14 anos para crianças e adolescentes no mundo todo”, explicou a coordenadora da pesquisa e engenheira química, Leda Castilho, à CNN. Os testes da vacina estão em fase avançada de estudos pré-clínicos, feitos em animais, e o objetivo do laboratório é concluir essa etapa em meados de outubro.
“A nossa vacina já está adaptada para as novas variantes. O que desenvolvemos ao longo de um ano para a proteína ‘original’, conseguimos fazer em apenas três meses para duas variantes. Nós estamos olhando constantemente a situação epidemiológica para escolher quais serão as próximas variantes que vamos começar a produzir”, garante Leda.
Segundo uma pesquisa recente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o corte no orçamento das universidades pode afetar mais de 70 mil pesquisas feitas pelas instituições.
“As universidades federais são responsáveis por mais de 95% da produção cientifica do país. Nós demos nossa resposta na pandemia e precisamos desse apoio do Congresso”, disse a reitora da Universidade Federal do Acre (UFAC) e membro da Andifes, Margarida Aquino Cunha.