No encontro que ocorreu em março — entre o presidente da República, o servidor, que denunciou o “esquema estranho” para compra do imunizante indiano, e o deputado federal, que é irmão do servidor —, Bolsonaro disse que iria encaminhar os documentos à Polícia Federal
O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, afirmou, na quarta-feira (23), em pronunciamento à imprensa, que o governo vai pedir à PF (Polícia Federal) e à CGU (Controladoria-Geral da União) investigação do servidor do Ministério da Saúde que denunciou as irregularidades envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin.
Servidor concursado do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Fernandes Miranda afirmou ter se encontrado pessoalmente com o presidente Jair Bolsonaro, em 20 de março, para denunciar as suspeitas. Ele foi ao encontro com o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que é irmão dele, e apoiador de Bolsonaro. Miranda é da base do governo na Câmara.
Em pronunciamento no Palácio do Planalto, Lorenzoni afirmou que Bolsonaro determinou a abertura de inquérito para investigar “as atividades” do servidor, além de declarações do deputado federal Luis Miranda.
DENÚNCIA X DENUNCIANTE
“O senhor presidente da República determinou ao ministro-chefe da Casa Civil, que a Polícia Federal abra uma investigação sobre as declarações do deputado Luis Miranda, sobre as atividades do seu irmão, servidor público do Ministério da Saúde, e sobre todas essas circunstâncias expostas no dia de hoje”, disse Lorenzoni na coletiva.
Reportagem de O Globo sobre o escândalo:
Ao invés de investigar a denúncia, o governo resolveu investigar o denunciante. Em outras palavras, coagir e perseguir para calar o denunciante. Isso é no mínimo estranho. Parece retaliação. O deputado Luis Miranda, em entrevista à CNN na noite quarta-feira (23), disse que ao receber os documentos, entregues pelo servidor do Ministério da Saúde, o presidente Jair Bolsonaro disse que iria encaminhá-los à PF.
Lorenzoni também disse que o governo vai pedir à CGU a realização de PAD (Processo Administrativo Disciplinar) para investigar o servidor:
“Iremos solicitar um procedimento administrativo disciplinar junto à CGU, um PAD, para investigar a conduta do servidor, já que o documento, que vou apresentar a seguir, existem indícios de adulteração do documento.”
Além disso, o ministro disse que será feito pedido para que o servidor e o irmão dele sejam investigados por denunciação caluniosa e fraude processual, e que o servidor seja investigado por prevaricação.
“Nós também vamos nesse PAD e junto à Procuradoria-Geral da República pedir a abertura de investigação do deputado Luis Miranda e do servidor Luis Ricardo Miranda baseado no artigo 339 do Código Penal, denunciação caluniosa, do artigo 347, fraude processual. Além disso, será investigado o servidor por prevaricação.”
Apesar de o governo ter divulgado que seria entrevista coletiva, não foram permitidas perguntas dos jornalistas presentes. Além de Onyx Lorenzoni, participou também Elcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, na gestão de Eduardo Pazuello, e atual assessor especial da Casa Civil.
DOCUMENTO QUESTIONADO
No pronunciamento, Lorenzoni e Franco questionaram documento apresentado por Miranda que comprovaria pagamento fora do contrato. E disseram ainda que há indícios de adulteração.
Caso esse recibo tivesse sido assinado, segundo Luis Ricardo, a empresa poderia cobrar pagamento adiantado, o que a área técnica considerava indevido. O recibo previa ainda só 300 mil doses, menos que as 4 milhões previstas para o primeiro embarque no contrato.
Elcio Franco afirmou que houve erro, posteriormente corrigido, sobre o pagamento antecipado, mas disse que a previsão sempre foi de 3 milhões de doses.
“Ele [Esse] [documento] foi recebido pelo Ministério da Saúde em 18 de março. Ele [Esse] previa o pagamento antecipado, mas já previa 3 milhões de doses, diferente do que andou circulando pelos veículos de mídia como fake news. E nós temos a retificação desse documento, que foi recebida pelo ministério [em] 23 de março, também prevendo 3 milhões de doses, mas aí prevendo pagamento conforme previsto em contrato.
ACUSAÇÃO NÃO SE SUSTENTA
No pronunciamento, Lorenzoni acusou Luis Miranda de ter forjado uma nota fiscal da Covaxin. A Precisa Medicamentos, importadora da vacina indiana, todavia disse para O Globo que o invoice (nota fiscal) reproduzido pelo deputado federal é verdadeiro.
Franco e Lorenzoni alegaram ainda que o Ministério da Saúde recebeu apenas dois documentos da importadora. Mas a própria empresa reconheceu o envio de um terceiro documento, dois dias antes de o encontro entre Jair Bolsonaro e Luis Miranda ter acontecido.
COVAXIN
Sobre as negociações e compra da vacina indiana Covaxin, intermediada pela farmacêutica Precisa, serão ouvidos pela CPI, o deputado federal Luis Miranda e o irmão dele, Luis Ricardo Miranda.
“Sexta-feira o Brasil saberá a verdade e os documentos falam por si só… se ficarmos calados, já será suficiente para todos os brasileiros se revoltarem e ainda entender quem está atrasando o Brasil!!”, escreveu o deputado nas redes sociais dele.
Luis Ricardo Miranda é servidor do Ministério da Saúde, que disse ao MPF (Ministério Público Federal) ter sido pressionado pela compra da vacina com preço superfaturado. Foi depois da revelação do depoimento de Luis Ricardo que o deputado Miranda reiterou as acusações à imprensa de que a assinatura do contrato da vacina, que teve 20 milhões de doses compradas por R$ 1,6 bilhão.
M. V.
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