A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de Brumadinho na Câmara aprovou o relatório final elaborado pelo deputado Rogério Correia (PT-MG) por unanimidade, no final da tarde desta terça-feira (05). O parecer recomenda o indiciamento da mineradora Vale e da TÜV SÜD, além de 22 diretores e engenheiros das empresas por homicídio doloso.
Entre os acusados está o ex-presidente da Vale Fabio Schvartsman e os engenheiros da TÜV SÜD Makoto Namba e André Yassuda, que assinaram o laudo de estabilidade da barragem do Córrego do Feijão.
O relatório tem mais 600 páginas e foi entregue à CPI no último dia 25 de outubro, dia em que a tragédia completou nove meses. O documento será encaminhado a autoridades como Polícia Federal e Ministério Público.
A reunião do colegiado foi acompanhada por parentes de vítimas da tragédia que aconteceu no dia 25 de janeiro de 2019 e que deixou até o momento mais de 250 mortos e dezenas desaparecidas. Os familiares trouxeram cartazes e colocaram fotos das vítimas do rompimento da barragem nas mesas dos parlamentares.
“O que a gente espera é que, daqui pra frente, a Justiça faça a parte dela, porque no caso de Mariana até hoje ninguém foi punido. E nós esperamos que em Brumadinho não se repita isso. Nós colocamos provas concretas, que demonstram cabalmente que pessoas, além das empresas, sabiam que isto iria acontecer”, declarou o relator após a provação do parecer.
O presidente da comissão, Julio Delgado (PSB-MG), disse que a CPI reuniu provas concretas de que as empresas assumiram o risco de a barragem se romper a qualquer momento.
“Dessa vez o Ministério Público, a polícia têm em suas mãos um documento muito robusto, para que essas pessoas possam pagar criminalmente pelo que fizeram”, completou Delgado.
Em nota, a Vale afirma que “respeitosamente discorda da sugestão de indiciamento de funcionários e executivos da companhia” e que continuará a colaborar com as autoridades e órgãos que apuram o rompimento da barragem.
RELATÓRIO
Em janeiro deste ano, a barragem da Vale rompeu em Brumadinho, levando uma enxurrada de lama à região. 252 mortes foram confirmadas, e ainda há 18 pessoas desaparecidas.
“Durante a investigação dos fatos, surgiram indícios de que a Vale e a Tüv Süd teriam se unido para dificultar a atuação dos órgãos de fiscalização e controle na medida em que apresentaram documentos que atestaram falsamente a estabilidade da barragem B1”, considerou Rogério Correia no relatório.
Para o relator da CPI, houve “omissão dolosa” por parte dos profissionais que deveriam “evitar a perda de vidas e os danos ao meio ambiente”.
O relator considerou que a Vale e a TÜV SÜD devem responder por delitos previstos na Lei de Crimes Ambientais. Entre eles: provocar, pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais, o perecimento de espécimes da fauna aquática existente em rios, lagos, açudes, lagoas; destruir floresta considerada de preservação permanente; destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do bioma Mata Atlântica; causar dano direto ou indireto às unidades de conservação; apresentar laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão, de que decorreu dano significativo ao meio ambiente.
O relator propôs ainda o envio do relatório a 25 órgãos no âmbito federal e estadual, dos Poderes Executivo, Legislativo, além do Ministério Público.
Ao abrir a reunião, o presidente da CPI fez críticas ao relatório da Agência Nacional de Mineração, divulgado nesta terça-feira. A partir do relatório, a agência aplicou 24 novos autos de infração contra a Vale pelo rompimento da barragem de Brumadinho.
No documento, a ANM aponta que a Vale registrou problemas na barragem B1, em Brumadinho, antes do rompimento mas não repassou as informações ao órgão que regula o setor.
Nesta segunda-feira (4), reportagem publicada pelo jornal “The Wall Street Journal” diz que os principais executivos da Vale receberam um e-mail anônimo que dizia que barragens da empresa estavam no limite duas semanas antes do rompimento de uma das estruturas em Brumadinho.
FIM DA LEI KANDIR
O relatório da CPI de Brumadinho recomenda ainda a extinção da Lei Kandir, que instituiu, desde 1996, a desoneração de ICMS para exportações de produtos primários, como o minério e agropecuários, como a soja.
“Ocorre que desonerar operações de venda ao exterior de produtos em estado primário, como o minério de ferro, perpetua uma lógica de exportação de matéria-prima bruta e importação de bens com elevado valor agregado, sendo tal prática imensamente danosa para Estados mineradores, como Minas Gerais e Pará”, argumentou o relator .
A conta é de que com Lei Kandir o Estado deixou de receber R$ 135 bilhões de ressarcimento decorrente de perdas da isenção do imposto, sendo parte significativa proveniente da mineração.
O deputado destacou ainda que a legislação foi “preparativo” para a privatização da Vale que ocorreu um ano depois, em 1997. Por isso, ele recomenda um processo de reestatização da mineradora por meio de um plebiscito. Nesse sentido, tramita na Câmara o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 522/2019.
“Uma empresa que não liga a mínima para um desenvolvimento estratégico do Brasil, especialmente Minas Gerais, e que só visa o lucro depois de duas tragédias criminosas, nós não podemos deixar de discutir qual papel que ela deve ter na mineração”, afirmou o deputado Rogério Correia.
Ainda com relação ao tema tributário, o relatório propõe o PL 2.789/2019 para ajustar alíquotas da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem) e instituir fundo para ações emergenciais decorrentes de desastres causados por empreendimento minerário e de sustentabilidade da mineração (Faedem).
Pressão do governo de Minas para liberar barragem da Vale
Os parlamentares que integram a CPI de Brumadinho apresentaram durante a audiência desta terça-feira, dados obtidos através da quebra de sigilo telemático de executivos da mineradora que tratam da barragem.
Eles apontam para uma suposta pressão do governo de Minas Gerais para obter a licença ambiental da megabarragem Maravilhas II, estrutura que está sendo construída pela mineradora Vale em Itabirito, na região central de Minas Gerais.
A informação consta em um email enviado pelo ex-diretor-executivo da Vale, Gerd Peter Poppinga, ao ex-presidente da mineradora, Fabio Schvartsman, em 26 de setembro de 2017. Nele, o executivo informa que sabe da pressão contrária à emissão da licença ambiental para o projeto, mas que o empreendimento “tinha votos favoráveis do governo”, no Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).
O email também conta que haveria uma determinação do então governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, do PT, para que integrantes do governo no conselho votassem a favor do licenciamento. Caso não o fizessem, segundo o documento, ele iria exonerar os representantes do governo do grupo.
O presidente da CPI, deputado Júlio Delgado (PSB-MG), disse que, se a informação for confirmada, ficará constatado que a Vale “sempre teve uma relação promíscua com o governo”.
“Vamos apresentar estes dados ao Ministério Público para que se investigue mais o caso. Esta barragem é problemática e nenhum plano de emergência foi apresentado. Vou defender também que o licenciamento passe pelo Ibama”, afirmou. A reunião da Câmara de Atividades Minerárias do conselho que autorizou a sua instalação e operação foi realizada no dia 30 de outubro de 2017.
Ainda de acordo com a coordenadora do Movimento pelas Serras e Águas de Minas, Maria Teresa Corujo, que integrou o grupo, e foi a única que votou contra, doze membros votaram, na ocasião. Dos que votaram a favor, segundo ela, três eram representantes do governo e um da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Comig), que é uma empresa pública controlada pelo estado.
Quatro anos de Mariana
O relatório final da CPI de Brumadinho foi aprovado no mesmo dia em que o crime socioambiental de Mariana completou quatro anos. Em 5 de novembro de 2015, o rompimento de uma barragem da mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton, matou 19 pessoas e devastou o rio Doce. Os 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro produziram uma lama tóxica que percorreu quase 600 quilômetros até o mar do Espírito Santo. Para que a impunidade não se repita, o relator Rogério Correia sugeriu um observatório permanente com foco em prevenção e na reparação de danos.
“É no sentido de fazer com que tenhamos a justiça que ainda não aconteceu em Mariana. Nós não desistimos de fazer justiça e, em Brumadinho, procuramos o máximo possível de comprovações para que não haja impunidade neste caso, porque a impunidade é sinônimo de que, às vezes, o crime compensa e ele às vezes é feito novamente”, disse o relator.