Contra CPI, presidente do Clube Militar defende golpe. Ataques das milícias digitais bolsonaristas aos senadores membros da comissão. Requerimentos ao colegiado preparados no Planalto e pedidos para que a Justiça interfira nos processos internos de funcionamento das investigações. Tudo isto sob a liderança do presidente da República
Esta foi uma semana bastante conturbada para o governo do presidente Jair Bolsonaro, que está às voltas com uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no Senado, que investiga as ações e omissões ou inações do Executivo na gestão da pandemia de Covid-19.
O colegiado investigativo foi instalado na última terça-feira (27) e já causa bastante dores de cabeça para o chefe do Poder Executivo, que colecionou várias derrotas desde então.
Normalmente, o governo sob Bolsonaro já era, antes da pandemia, e também da CPI, bastante disfuncional. Essa disfuncionalidade foi se agravando em razão das instituições republicanas — Congresso e STF — aliviarem para o presidente da República. Então, a cada situação ou fala esdrúxula do presidente, sem a devida repreensão, ele dobrava e redobrava as apostas que fazia e faz no comando do Poder Executivo.
O fato mais recente se deu após cumprimento de agenda oficial do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, registrar dois encontros com militares da reserva no Rio, nesta sexta-feira (30) e no domingo passado (25). O presidente do Clube Militar, general Eduardo José Barbosa, publicou na quinta-feira (28) nota com críticas e ameaças aos Poderes Legislativo e Judiciário, à oposição e à imprensa. Ele escreveu que o Executivo (Jair Bolsonaro) é o único Poder a cumprir a Constituição e critica a CPI da Covid-19.
“O Poder Executivo, único dos três poderes que está sendo obrigado a seguir a Constituição à risca, que utilize o Art. 142 da Constituição Federal para restabelecer a Lei e a Ordem. Que as algemas voltem a ser utilizadas, mas não nos trabalhadores que querem ganhar o sustento dos seus lares, e sim nos verdadeiros criminosos que estão a serviço do ‘Poder das Trevas’”.
“TREVAS”
Segundo o “general de pijamas”, as “trevas” são representadas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “E como ‘as trevas’ têm poder devastador, no dia 27 de abril de 2021, instalou-se uma CPI no Senado, encabeçada por um senador cuja família foi presa recentemente por acusações de esquema de corrupção no Amazonas.”
O militar disse que já conhece o resultado CPI. “Culpar o presidente por aquilo que não o deixaram fazer.” Depois comparou os parlamentares com o traficante Fernandinho Beira-Mar e Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola.
“Temos os ‘Marcolas e Fernandinhos Beira-Mar’ investigando a atuação da polícia”. Sobre os ministros do STF, o general afirmou: “Se não conseguem inocentar o bandido de estimação, basta encontrar subterfúgios para anular processos”. Em tom messiânico, o general escreveu: “Bastou a eleição de um presidente que acredita em Deus para que todo o inferno se levantasse contra ele”.
MILÍCIAS DIGITAIS BOLSONARISTAS ATACAM SENADORES
Com o governo Jair Bolsonaro no foco da CPI, senadores que integram o grupo dizem ser alvo de campanha orquestrada de ataques virtuais que têm como origem milícias digitais ligadas ao bolsonarismo.
As mensagens incluem desde a disseminação de fake news, como a publicação de declarações descontextualizadas, até ameaças veladas. Em outra frente, parlamentares passaram a receber “dossiês” apócrifos contra adversários políticos do presidente em seus gabinetes. Tudo isso sob o beneplácito do presidente, que finge desconhecer esses esquemas que passaram a fazer parte da agenda de luta política sob Bolsonaro.
“Você não imagina quantas mensagens grosseiras eu recebi ao longo desses dias. Coisas grosseiras, ameaças perguntando se eu gostava da minha família, xingamentos. É um volume atípico, com robôs. Pagam para fazer isso”, afirmou o senador Otto Alencar (PSD-BA), que presidiu a instalação da CPI na terça-feira.
REQUERIMENTOS À CPI PREPARADOS NO PLANALTO
Inclua-se nisso, como anomia, os dados “ocultos” nos arquivos eletrônicos enviados à CPI da Covid-19, na última quarta-feira (28), que indicam que pelo menos 11 requerimentos protocolados por senadores aliados do governo foram, na realidade, produzidos por funcionários do Palácio do Planalto.
A assinatura da assessora especial da Secretaria de Assuntos Parlamentares da Secretaria de Governo, Thaís Amaral Moura, aparece nos metadados dos requerimentos para que a CPI convoque médicos e especialistas alinhados ao governo Jair Bolsonaro — que defendem o uso de remédios cuja ineficácia está cientificamente comprovada e criticam o isolamento social no combate à Covid.
Os metadados são informações inseridas automaticamente nos arquivos digitais e que indicam a origem de um documento. Em fotos digitais, por exemplo, os metadados informam o modelo da câmera e a data do registro.
Em arquivos de texto, os metadados podem indicar o nome do autor ou da pessoa que tinha feito login no sistema quando o documento foi salvo. Essa assinatura não aparece escrita junto ao texto, mas fica armazenada nas propriedades de cada arquivo.
Ao todo, cinco dos 11 requerimentos protocolados por Ciro Nogueira (PP-PI) e seis dos sete apresentados por Jorginho Mello (PL-SC) têm Thaís Amaral Moura como autora.
AÇÕES NA JUSTIÇA
A semana útil foi inaugurada com decisão da Justiça de primeira instância, que acatou ação da deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP) para impedir que o senador Renan Calheiros (MDB-AL) se tornasse relator dos trabalhos da CPI.
Na manhã de terça-feira, quando transcorria a reunião de instalação da comissão, a ação (esdrúxula) foi cassada pelo TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região).
Não satisfeitos, a luta político-judicial, comandada pelo Planalto, continuou entre quarta e quinta-feira (29), quando três senadores membros da comissão de inquérito — Jorginho Mello (PL-SC), Marcos Rogério (DEM-RO) e Eduardo Girão (Podemos-CE) —, ingressaram no Supremo, com mandado de segurança sob a alegação que Renan não poderia integrar a comissão porque é pai do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB-AL), que pode vir a ser investigado.
Mais uma vez, a ação judicial (inepta) foi cassada liminarmente, dessa vez pelo ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), que negou, na quinta-feira o pedido para que o senador Renan Calheiros fosse impedido de participar da CPI da Covid.
Assim terminou a semana do presidente Bolsonaro, que já coleciona várias derrotas no contexto da CPI no Senado. O saldo político do presidente foi bem negativo.
M. V.