Relatório final não apontou responsáveis pela fraude bilionária
O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara de Deputados sobre a fraude nas Americanas, apresentado pelo deputado Carlos Chiodini (MDB-SC), foi aprovado na terça-feira (25) sem incriminar ninguém, em um dos maiores escândalos empresariais da economia brasileira.
A responsabilidade pela fraude é de quem assinou os balanços da empresa, ou seja, CEO (Diretor Presidente) e o CFO (Diretor Financeiro) das diretorias, do Conselho de Administração que assinou esses documentos e do contador responsável técnico pela produção do Balanço e demais demonstrações financeiras.
No entanto, a CPI fazia sentido se fosse além desses responsáveis legalmente já implicados. Era preciso especialmente investigar como se relacionavam os acionistas de referência Jorge Paulo Lehmann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, o Conselho de Administração, e os membros das diretorias nos mais de 20 anos em que o presidente da empresa foi Miguel Gutierrez.
Confirmar como durante tantos anos foi possível implantar o esquema criminoso que levou uma das maiores empresas do varejo brasileiro a uma situação pré falimentar, salva, por enquanto, por uma Recuperação Judicial (RJ).
Deputados criticam o parecer do relator e disseram que o texto ‘blindou poderosos’.
O deputado Alfredinho (PT-SP) disse que o parecer deveria “ter sido mais duro”. “Eu saio com uma sensação um pouco frustrada”, afirmou. “Houve uma blindagem de poderosos, de dirigentes. Essa CPI tinha um papel de esclarecer, apresentar resultados e esclarecimentos ao povo brasileiro”. E não o fez.
O deputado Tarcísio Motta (PSOL-RJ) afirmou que “sequer os documentos que nós pedimos [o partido] foram analisados com rigor técnico” pela CPI. “É claro que a CPI não vai chegar a lugar nenhum, a CPI foi caminhando para não chegar a lugar nenhum.”
Nem o trio de acionistas, nem o presidente de 20 anos foram ouvidos. Os primeiros nem convocados e o segundo não tendo realizada sequer uma arguição remota, visto ter se refugiado na Espanha.
Ambas decisões impostas pela cúpula da CPI, ou seja, presidente e relator da comissão, que não quiseram trazer os principais atores do roubo contábil para falar para a comissão. Gustinho Ribeiro defendeu que era sua prerrogativa, como presidente da CPI, decidir quem iria depor ou não e que “a gente sabe que os acionistas não participam do cotidiano dessas empresas”.
Os acionistas de referência estão entre os três dos mais ricos negociantes do país, proprietários do Fundo de Investimentos 3G, referência também da Ambev (Brahma, Skol, Guaranás, etc.) e com participações em outras empresas, como a Eletrobrás, recentemente privatizada.
A fraude foi reconhecida pela empresa em um valor em torno de R$ 20 bilhões de contas a pagar vencidas camufladas no balanço da empresa. O reconhecimento dos fatos foi feita em fevereiro deste ano, quando o então presidente da companhia, Sérgio Rial, em comunicado ao mercado, reconheceu o que ele chamou de inconsistências contábeis.
Naquela data as contas a pagar em atraso estavam em torno de R$ 20 bilhões. Ainda não vencidas, eram outros R$ 23 bilhões. Com restrições de caixa, não se sabe, na sequência, quanto cresceram as contas vencidas.
Os maiores beneficiários do esquema foram os acionistas auferindo maiores lucros, diretores obtendo maiores bônus e, em certa medida, as Auditorias ditas Independentes e bancos credores, pelas vantagens financeiras com que também se favoreceram.
Uma comprovação da participação dos sócios principais na administração fraudulenta pode mudar todo cenário das investigações e do encaminhamento da RJ, pois nessa situação os sócios tem que tirar dinheiro do bolso para cobrir o rombo bilionário. Sem ela, eles se dispuseram a colocar alguns poucos bilhões, insuficientes para levantar a empresa, com base em expediente que poderia prejudicar todos os credores da Americanas.
TIROTEIO
Ex-CEO da Americanas envolve a 3G e tenta se colocar de ‘bode expiatório’. Empresa e acionistas refutam e o acusam de fraude. Miguel Gutierrez afirma que os acionistas de referência da companhia, o trio Jorge Paulo Lemann, Alberto Sicupira e Marcel Telles, participavam ativamente da gestão financeira da empresa
Gutierrez também acusa seu sucessor, Sérgio Rial, de mentir à CPI quando disse que o trio de acionistas não tinha conhecimento do que acontecia na contabilidade da empresa.
Em junho, o atual CEO da empresa, Leonardo Coelho Pereira, acusou a antiga diretoria — liderada por Gutierrez — de fraude na contabilidade. Na ocasião, o executivo apresentou ao colegiado cópias de documentos internos e e-mails que, segundo ele, corroboram as irregularidade, incluindo a falsificação de números para gerar suposto lucro.
Há muitas outras versões, das auditorias, dos bancos, entre outros. Nessa guerra o que parece mais provável é que todos têm parcelas de responsabilidade. Os acionistas de referência, o CEO da empresa nos últimos 20 anos, os CEOs e outros membros de diretorias, até a denúncia dos ilícitos, com a conivência das Auditorias ditas independentes, até a imprudência dos bancos responsáveis por rolar as dívidas que se acumularam até quanto não puderam ser mais acobertadas.