CPI: mais de 60 pessoas devem ser responsabilizadas por crimes na pandemia

Vice-presidente da CPI, senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Omar Aziz (PSD-AM), presidente, e Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI. Foto: Marcos Oliveira - Agência Senado
Entre essas, estão o presidente da República, Jair Bolsonaro, e filhos, ministros e ex-ministros, deputados e médicos. Relatório vai ser apresentado na próxima terça-feira (19) e deverá ser votado na quarta (20)

Uma grande expectativa separa a apresentação e votação do relatório do senador Renan Calheiros (MDB-AL) à CPI da Covid-19 no Senado.

O relatório final da CPI deve pedir o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro por 11 crimes na condução da pandemia. Também devem ser responsabilizados os filhos do presidente, ministros e ex-ministros, funcionários e ex-funcionários do governo, deputados e médicos. No total, deve propor que 63 pessoas sejam indiciadas.

Do anúncio da abertura da CPI, no plenário do Senado, em 13 de abril, até o presente momento, os senadores interrogaram 59 pessoas na condição de convidadas, testemunhas ou investigadas. A CPI foi instalada em 17 de abril e os trabalhos foram prorrogados em 14 de julho.

Muitos buscaram proteção no STF (Supremo Tribunal Federal) para não ser presos, ficar calados ou não responder às perguntas que pudessem incriminá-los.

Até isto foi uma vitória da CPI. Obrigou os que negavam o Estado Democrático de Direito a buscar proteção e refugio numa instituição cujo bolsonarismo queria fechar – o Supremo.

TRABALHO EXAUSTIVO

Em seis meses de investigação, assessores do Senado, policiais federais, auditores da Receita Federal e do TCU (Tribunal de Contas da União) ajudaram a analisar dados fiscais, bancários e telefônicos, mensagens apreendidas em celulares, e-mails, telegramas diplomáticos, contratos e outros milhares de documentos de domínio público e sigilosos.

Nas mais de mil páginas do relatório, que vai ser lido na próxima terça-feira (19), o senador Renan Calheiros (MDB-AL) deve afirmar que:

  • o governo manteve um gabinete paralelo para dar suporte a medidas na área de saúde contra as evidências científicas;
  • trabalhou com a intenção de imunizar a população por meio de contaminação natural, a chamada imunização de rebanho;
  • priorizou o tratamento precoce sem eficácia comprovada;
  • agiu contra a adoção de medidas não farmacológicas, como o distanciamento social e o uso de máscaras; e
  • deliberadamente, atuou para atrasar a compra de vacinas.

No relatório, deve constar ainda que o governo federal foi omisso e optou por negligenciar o enfrentamento da pandemia.

Com esse raio-X dos comportamentos e atitudes, Renan Calheiros deve indicar o cometimento de 22 crimes diferentes, entre os quais homicídio, genocídio de indígenas, crimes contra a humanidade, corrupção, fraude em licitação, prevaricação e falsificação de documentos.

O relatório deve recomendar que 63 pessoas sejam indiciadas, além de uma empresa, a Precisa Medicamentos, envolvida na suspeita de corrupção na tentativa de venda da vacina Covaxin ao governo federal.

CRIMES DE BOLSONARO E FILHOS

Segundo o relator da CPI, o presidente Jair Bolsonaro vai ser indiciado por 11 crimes:

1) epidemia com resultado em morte; 2) infração de medida sanitária preventiva; 3) charlatanismo; 4) incitação ao crime; 5) falsificação de documento particular; 6) emprego irregular de verbas públicas; 7) prevaricação; 8) genocídio de indígenas; 9) crime contra a humanidade; 10) crime de responsabilidade, por violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo; e 11) homicídio comissivo por omissão no enfrentamento da pandemia.

O senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI, questionou a atribuição de genocídio a Bolsonaro no relatório. “Vou ter que ser convencido”, disse Aziz.

Consta que o senador Renan Calheiros também deve pedir o indiciamento de três filhos do presidente:

  • o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) por advocacia administrativa (quando servidor se vale do cargo que ocupa para defender interesses privados), incitação ao crime e improbidade administrativa; e
  • o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), por incitação ao crime.

MINISTROS

O relator deve ainda indiciar três ministros:

  • Marcelo Queiroga (Saúde), por epidemia culposa, com resultado em morte e prevaricação;
  • Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência, ex-ministro da Casa Civil, e da Cidadania), por genocídio de indígenas; e
  • Wagner Rosário CGU (Controladoria-Geral da União) por prevaricação.

EX-MINISTROS E FUNCIONÁRIOS

O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello deve ser o segundo com maior número de pedidos de indiciamento — são sete, só fica atrás do presidente Jair Bolsonaro:

1) epidemia com resultado em morte; 2) incitação ao crime; 3) emprego irregular de verbas públicas; 4) prevaricação; 5) comunicação falsa de crime; 6) genocídio de indígenas; e 7) crime contra a humanidade.

Outro ex-ministro, Ernesto Araújo (Relações Exteriores), deve ser indiciado por epidemia culposa com resultado em morte e por incitação ao crime.

Também são responsabilizados funcionários ou ex-funcionários de alto escalão do governo, como Élcio Franco, Mayra Pinheiro, Roberto Ferreira Dias, Arthur Weintraub e Fábio Wajngarten.

DEPUTADOS FEDERAIS

Seis deputados devem estar na lista de indiciados de Renan Calheiros:

  • o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), por advocacia administrativa e improbidade administrativa;
  • Osmar Terra (MDB-RS), por epidemia culposa com resultado em morte e incitação ao crime; e
  • Carla Zambelli (PSL-SP), Bia Kicis (PSL-DF), Carlos Jordy (PSL-RJ) e Hélio Lopes (PSL-RJ), por incitação ao crime.

GABINETE PARALELO E NÚCLEOS

Na lista de indiciados, devem estar também pessoas apontadas como integrantes do chamado “gabinete paralelo”, como os empresários Luciano Hang e Otávio Fakhoury, por incitação ao crime, e Carlos Wizard, por epidemia culposa com resultado em morte, além da médica Nise Yamaguchi e do virologista Paolo Zanotto, pelo mesmo crime.

Consta ainda que o relatório vai demonstrar a existência de organização com sete núcleos articulados entre si para disseminar conteúdo falso (as chamadas fake news) para a população sobre o combate à pandemia. A CPI constatou que a estrutura oficial do governo foi usada para levar desinformação aos brasileiros.

Parte das informações que devem ser utilizadas no relatório foram compartilhadas pelo STF, a partir de investigações já feitas pela Polícia Federal no inquérito das fake news, no âmbito do Supremo.

De acordo com a apuração da CPI, o comando parte do presidente da República, Jair Bolsonaro, e dos filhos, que criam e replicam as fake news sobre os impactos da pandemia.

O relatório deve dizer que o segundo núcleo (formulador) e o terceiro núcleo (execução e apoio às decisões) são formados por servidores do gabinete da Presidência, incluindo o que ficou conhecido como “gabinete do ódio”. E o quarto núcleo (político) seria formado por parlamentares, políticos e religiosos que dão suporte às decisões da organização.

Os outros três núcleos estariam mais relacionados às pessoas de fora do governo: o núcleo de produção das fake news e operação das redes sociais; o de disseminação das fake news; e o de financiamento desses conteúdos.

PREVENT SENIOR

Um capítulo à parte e especial. O caso da operadora de plano de saúde Prevent Senior, que ganhou destaque ao final das investigações.

Para a CPI, a operadora pressionava médicos a prescreverem remédios do chamado “Kit Covid”, comprovadamente ineficazes no combate à doença, como parte de estudo sem o consentimento dos pacientes e em conjunto com o governo federal.

A comissão também apurou indícios de que a Prevent ocultava mortes por Covid-19.

No relatório, Renan deve propor o indiciamento de oito médicos da Prevent e do diretor da empresa, Pedro Benedito Batista Júnior, por perigo para a vida ou saúde de outrem, omissão de notificação de doença, falsidade ideológica e crime contra a humanidade.

DESDOBRAMENTOS DA VOTAÇÃO DO RELATÓRIO

Se aprovado pela maioria dos senadores da CPI, na votação prevista para quarta-feira (20), o relatório vai ser enviado à PGR (Procuradoria-Geral da República), que vai ter a tarefa de conduzir as investigações sobre os indiciados com foro privilegiado, como o presidente Jair Bolsonaro, ministros e parlamentares federais.

O relatório vai ser ainda enviado para a primeira instância do MPF (Ministério Público Federal) e dos Estados, que terão de levar à frente as apurações que envolvem os outros indiciados.

Cópias das investigações serão encaminhadas à Polícia Federal e Receita Federal, além do TPI (Tribunal Penal Internacional), em razão das acusações de genocídio de indígenas e crimes contra a humanidade.

“O relatório de uma comissão parlamentar de inquérito equivale no processo penal a uma espécie de inquérito policial. Então, em havendo indício ou em havendo provas é necessário pedir o indiciamento dessas pessoas. Foi isso que nós fizemos”, afirmou o senador Renan Calheiros.

“Foi um trabalho gigantesco, uma investigação que se deu à luz do dia, nós contamos com a aderência muito grande na sociedade, com a participação dos meios de comunicação, não pretendíamos investigar corrupção e logo nos deparamos com ela, e tivemos que aprofundar a investigação em todas as direções. Eu acho que foi sim um trabalho satisfatório, que precisa ter continuidade nas instâncias específicas para onde nós o mandaremos”, complementou.

M. V.

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