O crime cometido pela mineradora privatizada Vale na cidade de Brumadinho (MG) completou três anos nesta terça-feira (25). O rompimento da barragem d Córrego do Feijão causou a morte de 270 brasileiros e devastou o leito do Rio Paraopeba. Seis vítimas ainda seguem desaparecidas e, até hoje, ninguém foi punido.
Para marcar a data, uma missa foi realizada pelo arcebispo metropolitano da capital Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, na região do desmoronamento. Depois da celebração, dezenas de pessoas caminharam até o letreiro de Brumadinho, onde realizaram um ato público.
Essa romaria busca pela memória continuada de todas as vítimas da tragédia crime da Vale, em Brumadinho, Minas Gerais. O objetivo é honrar o nome daqueles que foram vitimados e lembrar que é um crime que nunca deveria ter acontecido e nunca mais pode acontecer. Disse dom Vicente Ferreira, bispo auxiliar de Belo Horizonte (MG), durante a coletiva de imprensa ocorrida nesta terça-feira, 25 de janeiro, no Santuário Arquidiocesano Nossa Senhora do Rosário.
A coletiva faz parte da programação da III Romaria pela Ecologia Integral a Brumadinho, que acontece entre os dias 22 e 27 de janeiro de 2022, com o lema Memória e Justiça.
Dom Vicente disse também que ainda há esperança, há a fé que move para um horizonte de reconstrução com alternativas.
“Nós temos que parar com esse negócio de minério-dependência, pois isso está fazendo de Minas Gerais um buraco na natureza e no coração do nosso povo. Se continuarmos nesse ritmo, Minas cada vez será mais um buraco na natureza e no coração da nossa gente. E nós que estamos aqui sabemos que cresce cada vez mais esse problema [a mineração] no nosso Estado. Aumenta cada vez mais o número de vítimas e diminui cada vez mais as nossas riquezas, acaba com o nosso solo, com a força do nosso povo”, disse.
O letreiro na entrada da cidade virou um memorial para os entes queridos que se foram em 25 de janeiro de 2019. Além das fotos, foram espalhadas cruzes com os nomes das pessoas e arranjos de flores. Foi feita a soltura de balões às 12h28, horário do rompimento da barragem da Minas Córrego do Feijão. Em seguida, os nomes de todas as vítimas foram lidos.
JUSTIÇA
Desde a tragédia, não há nenhuma pessoa formalmente acusada pela morte das 270 pessoas no rompimento da barragem. Um impasse entre a Justiça Estadual de Minas Gerais e a Justiça Federal paralisa o andamento do processo, diminuindo a cada dia a confiança dos familiares na punição pelo crime.
De um lado, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) busca manter o julgamento no âmbito estadual, em ação que já estava correndo na Comarca de Brumadinho. Por outro lado, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) manteve, há um mês, sua decisão de que o caso deve ser julgado em nível federal.
O STJ atendeu pedido do ex-presidente mineradora Vale, Fábio Schvartsman, e do engenheiro Felipe Figueiredo Rocha, que são réus no processo e alegam que seus atos contêm crimes federais, como falsificação de documentos federais e delitos contra o patrimônio arqueológico.
O MPMG, em denúncia entregue à Justiça Estadual em janeiro de 2020, indiciou 16 pessoas por 270 homicídios dolosos e crimes ambientais. Processo que já estava correndo. Em nível federal também há uma investigação concluída, da Polícia Federal, que indiciou a empresa Vale, a empresa Tüv Süd e 19 pessoas. Essa foi entregue ao Ministério Público Federal (MPF), que ainda não abriu denúncia.
Há poucos dias, em 14 de janeiro, o MPMG recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) e tenta cancelar a federalização do caso. O órgão defende que o julgamento deveria ser remetido à Justiça Federal somente se as vítimas do homicídio tivessem relação com o ente federal, como o caso dos trabalhadores do Ministério do Trabalho e Emprego que foram assassinados em Unaí, que eram servidores federais.
“Na tragédia da Vale em Brumadinho, as vítimas fatais eram colaboradores da própria companhia, moradores e pessoas que passavam pela região”, argumenta, em nota, o MPMG. O órgão defende que o julgamento aconteça em um Tribunal do Júri estadual a ser instalado em Brumadinho.
“Decisões corporativas que envolvam atividades perigosas não devem ser pautadas apenas por aspectos econômicos, mas também devem levar em consideração os riscos reais de suas atividades”, completa o MPMG.
OBSERVATÓRIO
Os termos e trâmites judiciais também têm se mostrado um empecilho aos familiares das vítimas da Vale. Por meio dos advogados da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão (Avabrum) e da Renser, é possível ter acesso aos autos. Porém, é burocrático.
As entidades organizam um Observatório Criminal para coletar dados das instituições de Justiça e repassá-las aos atingidos, com o objetivo de que os familiares fiquem melhor informados.
A presidenta da Avabrum, Alexandra Andrade, destaca ainda a demanda pela informatização do processo judicial. “Um processo físico para o número de réus – 16 – vai atrasar ainda mais. O ideal seria passá-lo ao meio eletrônico, para que vários advogados tenham acesso ao mesmo tempo”, explica.
VALE RESPONSÁVEL
Nesse dia 25, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) lançou uma nota cobrando justiça pelos atingidos pela tragédia e pela cobrança a Mineradora Vale, responsável por um dos maiores crimes já vistos no país. O MAB destaca que as consequências das enchentes no estado de Minas Gerais que, para pessoas que residem nas margens do Rio Paraopeba, significou novamente um risco à vida.
“Milhares de atingidos pela Vale foram novamente impactados quando o rio subiu, deixou casas praticamente submersas e, ao retornar ao leito, abandonou toneladas de lama com rejeito tóxico nas ruas e nas casas.
Os atingidos que tiveram que entrar em residências inundadas para ajudar a resgatar famílias ilhadas estão com manchas vermelhas e coceiras, principalmente nas pernas e braços. Enquanto isso, os trabalhadores e trabalhadoras da Vale que atuam na região foram orientados a não ter contato com a água das enchentes”.
DRAMA DAS VÍTIMAS
A última vítima da tragédia encontrada foi Lecilda de Oliveira, que tinha 49 anos na época do incidente e era analista de operação da Vale, com uma carreira de 28 anos na mineradora responsável pela estrutura que rompeu. Lecilda foi encontrada em 29 de dezembro.
O incidente foi registrado em 2019, no momento em que uma das barragens da Vale colapsou, liberando uma onda de rejeitos de minério de ferro que atingiu a mata, rios e comunidades. Entre os locais atingidos pela lama, estavam uma parte da área administrativa onde havia funcionários, hotéis, sítios, fazendas e casas de moradores locais.
Seis vítimas não foram localizadas:
- Tiago Tadeu Mendes da Silva. Ele tinha 34 anos e trabalhava como mecânico industrial na Vale. Ele estava no refeitório da mina no momento em que a barragem se rompeu, de acordo com parentes, e deixou dois filhos pequenos.
- Luís Felipe Alves, de 30 anos. Era engenheiro de produção e funcionário da Vale. Natural de Jundiaí, no interior paulista, mudou-se para o Espírito Santo, onde cursou a faculdade. Ele trabalhava em Brumadinho há pouco mais de três meses, no setor administrativo da Vale, quando ocorreu a tragédia.
- Nathália de Oliveira Porto Araújo, de 25 anos, era estagiária administrativa da Vale e estava no refeitório quando a barragem se rompeu. Segundo o marido, o GPS do seu smartphone apontava para uma região na Cachoeira das Ostras, mas as buscas acabaram sendo infrutíferas.
- Maria de Lurdes da Costa Bueno, de 59 anos, era moradora de São José do Rio Pardo (SP) e passava as férias com a família na Pousada Nova Estância. O imóvel acabou soterrado pela lama após a barragem da Vale romper, em janeiro de 2019. Ela não foi mais vista desde então.
- Olímpio Gomes Pinto tinha 56 anos e era auxiliar de sondagem. Conhecido como Licão, ele trabalhava para uma empresa terceirizada que prestava serviços à mineradora. Olímpio era natural de Caeté, Minas Gerais.
- Cristiane Antunes Campos tinha 34 anos, sendo 10 dedicados à Vale. Ela começou a atuar na empresa como motorista de caminhão, quando surgiu a oportunidade de se graduar em um curso de técnico em mineração. Em 2018, passou a ser supervisora de mina.
O governo do estado assumiu o compromisso junto ao Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG) de prosseguir nas buscas da Operação Brumadinho, dando às famílias das vítimas a chance de encerrar essa fase de vida delas de forma mais humanizada.
“Para que todas as famílias que perderam seus familiares possam ter esse alento de sepultar os seus com dignidade, ter um local onde possam fazer uma oração, levar uma flor em todos os momentos que desejarem”, explica Josiana Resende, representante da Comissão dos Não Encontrados.
Os bombeiros correspondem às esperanças das famílias. “Enquanto houver esperança, nós, do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, permaneceremos incansáveis na busca pelas seis joias restantes”, afirmou o tenente Ricardo Torrezani de Oliveira, atual chefe de operações em Brumadinho.
As buscas foram suspensas no último dia 10 de janeiro porque o material a ser revirado está sem condições de vistoria, após os temporais. “Quando o rejeito tem contato com a água, sofre aglutinação. Quando a gente vai fazer uma vistoria, ele cai como se fosse um bloco. Então, se tiver algum segmento ali, a gente não consegue fazer uma vistoria de qualidade porque ele não cai ‘esfarelado’, vai cair em pequenos ou grandes blocos”, explica.
Para evitar que a suspensão se prolongue, a corporação separou grande parte do rejeito a ser vistoriado em planos inclinados, para que haja desidratação do material, além de o cobrir com lonas, diante da possibilidade de novas precipitações.
NOVAS TRAGÉDIAS
As chuvas das primeiras semanas de 2022 em Minas Gerais têm colocado a mineração em alerta, ao mesmo tempo em que moradores de áreas próximas às minas e às barragens voltam a temer a repetição de tragédias como a de Brumadinho. Passados três anos do rompimento em Brumadinho, 31 barragens em Minas Gerais estão sob risco de rompimento. A mineradora Vale possui 28 estruturas nesta situação, sendo três delas em situação de rompimento iminente.
Um dossiê divulgado na semana passada pelo MPMG mostra que o cenário atual segue oferecendo preocupações. O relatório é fruto de uma parceria com a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), órgão ambiental vinculado ao governo mineiro.
Foram reunidas informações como a pluviosidade média que incidiu em cada barragem, a existência ou não de plano para o período chuvoso, a avaliação da performance do sistema de drenagem, as referências a anomalias e patologias registradas, além de ações planejadas de manutenção e monitoramento.
O levantamento, considerado preventivo, foi anunciado como uma resposta aos últimos acontecimentos em meio às chuvas torrenciais. Em algumas localidades, foram registrados mais de 200 milímetros em apenas dois dias.
Segundo o MPMG, as mineradoras tiveram um prazo de cinco dias para apresentar documentos e prestar esclarecimentos. Expostas ao alto volume pluviométrico, as 18 estruturas precisarão de algum tipo de intervenção específica para prevenir novas intercorrências.
No dia 8 de janeiro, um dique da mina de Pau Branco, pertencente à mineradora francesa Vallourec, transbordou em Nova Lima (MG). Não houve ruptura da estrutura e nem mortes, mas a rodovia federal BR-040 foi atingida e ficou interditada por quase dois dias. A Vallourec recebeu do governo de Minas Gerais uma multa de R$ 288 milhões.
Um dia depois, o susto foi em Pará de Minas (MG). A população do entorno da represa da Usina Hidrelétrica do Carioca foi orientada a deixar suas casas às pressas diante do risco de rompimento, embora a estrutura da companhia têxtil Santanense não seja uma barragem de mineração e sim de água.
Em Congonhas (MG), a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) justificou a suspensão dos trabalhos no domingo (9) pelo aumento do volume de chuva. Uma decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) determinou há duas semanas o envio de fiscais da Defesa Civil para averiguar a situação, próxima à barragem Casa de Pedra.
A mineradora assegura que os deslizamentos são na área externa da barragem e que está trabalhando para conter o problema. A CSN também elevou, no dia 11 de janeiro, o alerta para a barragem B2 da Mina de Fernandinho, em Rio Acima (MG).
Já no dia 13 de janeiro, a Vale comunicou a alteração das condições de segurança em duas estruturas: a barragem Área IX, da Mina da Fábrica em Ouro Preto (MG), e o Dique Elefante, da Mina Água Limpa no Rio Piracicaba (MG).