Nesta segunda-feira (25), completam-se dois anos do rompimento da barragem em Brumadinho (MG), uma catástrofe socioambiental e humanitária, que por responsabilidade da mineradora privatizada Vale, deixou sequelas permanentes e não solucionadas na região.
A população ainda vive o luto pelas 270 vidas perdidas no dia 25 de janeiro de 2019. As buscas do Corpo de Bombeiros pelas 11 vítimas que seguem desaparecidas continuam no entorno da barragem. Nesta segunda, flores, faixas e balões foram colocados no letreiro da entrada do município para lembrar todas as vítimas da catástrofe. Às 12h28, horário em que a estrutura ruiu, foi realizada uma chamada de todos os mortos e desaparecidos. A cada nome, os manifestantes entoavam: ausente.
Na sequência, um minuto de silêncio foi feito em tributo às vítimas. Bexigas pretas e brancas simbolizando o luto e a paz, além das bexigas vermelhas em formato de coração que também foram soltas.
Em todo o momento, os moradores clamavam por justiça. O Corpo de Bombeiros, que desde janeiro de 2019 faz buscas pelos desaparecidos, participou da solenidade tocando uma canção fúnebre. Uma carreata também saiu pelas ruas do município.
Os atos em homenagem aos dois anos da tragédia não ficaram restritos a Brumadinho. Em Belo Horizonte, um grupo protestou em frente ao Tribunal de Justiça, na avenida Afonso Pena. No local, os manifestantes cobraram mais rigor e rapidez no processo criminal. Outras cidades, como Betim e São Joaquim de Bicas, também tiveram protestos em homenagem às vítimas e pedindo por justiça.
CRIME
O crime cometido pela mineradora privatizada Vale, que possuía conhecimento dos riscos de desabamento da estrutura, mas ainda assim, mantinha seus funcionários trabalhando abaixo da barragem seguem impunes. Passados dois anos do rompimento, nenhum dos envolvidos ainda foi julgado.
Na esfera criminal, o Ministério Público de Minas Gerais ofereceu denúncia, em janeiro de 2020, contra 16 pessoas físicas, de engenheiros a dirigentes da Vale e da TüvSüd, por homicídios dolosos duplamente qualificados e por diversos crimes ambientais. Também são acusadas pelos mesmos crimes ambientais as pessoas jurídicas Vale e TüvSüd. A denúncia foi recebida pela Justiça e o processo criminal está em curso na Justiça Estadual de Minas Gerais.
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Na Vale, são 11 executivos e funcionários, incluindo o ex-presidente da mineradora. À época da tragédia, eles ocupavam os seguintes cargos:
- 1. Fabio Schvartsman (diretor-presidente);
- 2. Silmar Magalhães Silva (diretor do Corredor Sudeste);
- 3. Lúcio Flavo Gallon Cavalli (diretor de Planejamento e Desenvolvimento de Ferrosos e Carvão);
- 4. Joaquim Pedro de Toledo (gerente-executivo de Planejamento, Programação e Gestão do Corredor Sudeste);
- 5. Alexandre de Paula Campanha (gerente-executivo de Governança em Geotecnia e Fechamento de Mina);
- 6. Renzo Albieri Guimarães de Carvalho (gerente operacional de Geotecnia do Corredor Sudeste);
- 7. Marilene Christina Oliveira Lopes de Assis Araújo (gerente de Gestão de Estruturas Geotécnicas);
- 8. César Augusto Paulino Grandchamp (especialista técnico em Geotecnia do Corredor Sudeste);
- 9. Cristina Heloíza da Silva Malheiros (engenheira sênior junto à Gerência de Geotecnia Operacional);
- 10. Washington Pirete da Silva (engenheiro especialista da Gerência Executiva de Governança em Geotecnia e Fechamento de Mina);
- 11. Felipe Figueiredo Rocha (engenheiro civil, atuava na Gerência de Gestão de Estruturas Geotécnicas).
Na TÜV SÜD, são cinco indiciados:
- 1. Chris-Peter Meier (gerente-geral da empresa);
- 2. Arsênio Negro Júnior (consultor técnico);
- 3. André Jum Yassuda (consultor técnico);
- 4. Makoto Namba (coordenador);
- 5. Marlísio Oliveira Cecílio Júnior (especialista técnico).
A denúncia é resultado de investigação conjunta desenvolvida pelo MPMG e pela Polícia Civil de Minas Gerais.
Além disso, concluiu-se que os crimes foram praticados mediante recurso que impossibilitou ou dificultou a defesa das vítimas – já que o rompimento da Barragem I ocorreu de forma abrupta e violenta, tornando impossível ou difícil a fuga de centenas de pessoas que foram surpreendidas em poucos segundos pelo impacto do fluxo da lama – e o salvamento de outras centenas de vítimas que estavam na trajetória da massa de rejeitos.
NEGOCIAÇÃO
Na última quinta-feira (21), foram encerradas as audiências de negociação entre o MPMG, o Governo de Minas, o Ministério Público Federal e as Defensorias Públicas de Minas Gerais e da União com a Vale em torno de um acordo para reparação pelos danos socioeconômicos causados pelo rompimento da barragem de Brumadinho.
Não houve consenso em relação aos valores que deveriam ser pagos pela mineradora e foi dado à empresa o prazo até a próxima sexta-feira (29), para que uma nova proposta seja efetivada por ela. Caso isso não ocorra o Tribunal de Justiça remeterá, no dia 1º de fevereiro, às ACPs referentes ao caso para que sejam julgadas em primeira instância.
O procurador-geral de Justiça, Jarbas Soares Júnior, afirmou que os valores oferecidos pela Vale não correspondem ao que é devido ao povo mineiro. E ressaltou que o montante apresentado pelas instituições de Justiça e pelo Governo de Minas leva em conta os prejuízos acarretados para o Estado, como queda de arrecadação, assoberbamento dos serviços públicos e também de reparação às vítimas e à coletividade da bacia do Rio Paraopeba.
“Não podemos abrir mão de que a Vale faça o ressarcimento completo de todo o dano resultante da tragédia, ou seja, reparação integral do meio ambiente, o ressarcimento ao Estado e o atendimento aos atingidos. Se os valores não forem suficientes não serão aceitos”, disse.
ATINGIDOS
O Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) denunciou nesta sexta (22) manobra jurídica no Tribunal de Justiça de Minas Gerais que pode beneficiar a mineradora Vale em um acordo com o governo de Romeu Zema (Novo).
O acordo é referente ao crime da mineradora em Brumadinho, sem definição de indenização. Com o rompimento da barragem, o rio Paraopeba, importante fonte de renda para mais de 20 comunidades, ficou totalmente destruído, afetando o modo de vida de milhares de pessoas.
Nesta semana, os atingidos, que têm sido excluídos das audiências sobre o acordo desde o início, foram surpreendidos com mudanças na tramitação do processo no Tribunal de Justiça, que estava na primeira instância, na 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte. Com isso, o juiz que acompanhou todas as rodadas de negociação, até então, deixou de ser o responsável pela homologação, por enquanto.
No caso, o cálculo do governo do Estado, do Ministério Público e da AGU para reparar os danos econômicos causados pelo rompimento da barragem é de R$ 26,7 bilhões. Além disso, outros R$ 27,3 bilhões deveriam ser pagos por danos morais, totalizando R$54 bilhões. O máximo que a Vale ofereceu foi R$ 29 bilhões.
“O povo ficou sem o básico, que é a água, sem água fica muito difícil a sobrevivência” afirmou a atingida Joelisia Feitosa, que atuava como pescadora.
“A Vale não cumpre nem mesmo o que já foi acordado com a Justiça, ela manda e desmanda no nosso território, fica querendo fazer acordos individuais e nem mesmo esses acordos está cumprindo”, aponta Feitosa.
O MAB avalia que a manobra “é um golpe jurídico” para facilitar um acordo que garanta somente os interesses da mineradora. A empresa deixaria de garantir assessorias técnicas independentes que auxiliem os atingidos em diversos aspectos envolvidos no processo de reparação, e do pagamento de auxílio financeiro às vítimas.
Com um acordo rápido, a mineradora tem melhores condições de definir as condições de reparação, rebaixando os valores relacionados a indenizações de interesse coletivo, e de quebra melhora sua imagem junto à opinião pública e aos investidores nas bolsas de valores, onde tem suas ações prejudicadas desde a tragédia.
A lama formada por rejeitos de mineração e metais pesados atingiu o rio Paraopeba. Além de continuar com problemas no abastecimento de água, grande parte da população dependia do rio para o seu sustento. Por isso, os atingidos defendem também que seja instaurado um programa social de renda na bacia do rio.
A vale do Rio Doce que foi privatizada e virou Vale assassinou, assassinou 270 pessoas em Brumadinho/MG, agora na Vale.