Depois de dois dias de reunião, com 400 aviões 737 Max novinhos em folha juntando poeira em pátios improvisados e o caixa apertando, a direção da Boeing decidiu na segunda-feira (16) suspender a produção do avião – pela primeira vez em duas décadas -, que é o modelo mais vendido da corporação aeronáutica e tido até então como o futuro da empresa pelos anos à frente.
A crise foi desencadeada por dois acidentes fatais com 346 mortos em cinco meses – um na Indonésia e outro na Etiópia -, que levaram à proibição no mundo inteiro de que voasse, e cujas investigações iniciais revelaram erro de projeto que tornava o avião, nas palavras de um parlamentar norte-americano, em virtual “caixão voador”. O 737 Max está aterrado desde 13 de março.
A Boeing declarou em comunicado que a decisão “é motivada por vários fatores, incluindo a extensão da certificação até 2020, a incerteza sobre o momento e as condições do retorno ao serviço e aprovações globais de treinamento e a importância de garantir que possamos priorizar a entrega de aeronaves armazenadas”.
“Decidimos priorizar a entrega de aeronaves armazenadas e suspender temporariamente a produção no programa 737 a partir do próximo mês”. A suspensão terá início em janeiro, e a Boeing diz que não vai demitir por enquanto ninguém. A Boeing vinha montando o modelo à taxa de 42 por mês.
“DATAS IRREALISTAS”
A decisão da Boeing de suspender a produção se tornara inadiável, após o novo chefe da Administração Federal de Aviação dos EUA (FAA), Stephen Dickson, vir a público e praticamente mandar a corporação parar de engrupir empresas aéreas, fornecedores, passageiros e acionistas, asseverando que estava “próximo” o retorno dos 737 Max aos céus.
“O administrador está preocupado com o fato de a Boeing continuar com um cronograma de retorno ao serviço que não é realista devido a atrasos acumulados por vários motivos”, afirma o e-mail.
“O administrador quer deixar claro que tanto a FAA quanto a Boeing devem reservar um tempo para corrigir esse processo. A segurança é nossa principal prioridade e o administrador acredita que as declarações públicas devem refletir essa prioridade”, afirma o e-mail.
E como o jogo da Boeing era cínico demais diante das circunstâncias, Dickson precisou colocar pingos nos iiis: “Mais preocupante, o administrador quer abordar diretamente a percepção de que algumas das declarações públicas da Boeing foram projetadas para forçar a FAA a tomar medidas mais rápidas”.
O que revela que, sob os holofotes, a FAA se viu forçada a mudar sua postura anterior, em que deixava para os próprios funcionários da Boeing ‘inspecionarem’ e “testarem’ o novo modelo, e passar a ter de resistir à pressão da cúpula da Boeing e suas datas irrealistas.
AÇÕES SUBINDO E AVIÕES CAINDO
Antes disso, agências de aviação civil de outros países já haviam advertido que não aceitariam uma volta do 737 Max sem que os problemas estivessem sanados e a segurança de passageiros e tripulantes garantida.
A tentativa da Boeing de empurrar a crise com a barriga, e asseverando que logo estariam disponíveis as modificações exigidas pelas agências de aviação civil do mundo inteiro, atendia fundamentalmente à preocupação de não deixar as ações em Wall Street – e os bônus dourados dos diretores – beijarem a lona, e de retardar desistências e rupturas de encomendas, para minimizar danos.
Os defeitos de projeto do novo 737 Max, como revelaram e-mails dos pilotos de testes, não teriam como ser corrigidos em cima da perna, que era o que a Boeing buscava aparentar, para deter o colapso da confiança em seu departamento de Engenharia e na corporação como um todo, que é um dos maiores exportadores dos EUA.
FRANKENSTEIN HIGH TECH
Para ganhar tempo e lucros, erros cujo remendo foi pior que o soneto, com a introdução de um sistema automatizado (MCAS) de correção de um desequilíbrio estrutural do novo modelo, sem sequer dizer aos pilotos ou às companhias aéreas. Por assim dizer, assumindo o risco de matar – e matando – centenas de passageiros e tripulantes.
Depois ficou patente que o sigiloso sistema sequer atendia às normas de redundância dos componentes vitais para a segurança do voo, e dependia de um único sensor, que quando fazia uma leitura incorreta, desencadeava um processo que fazia o Max apontar o bico para baixo e, de forma redundante, resistir a todas as desesperadas tentativas dos pilotos de salvarem-se e aos passageiros da tragédia anunciada.
Um executivo da Boeing que depôs no Congresso na semana passada era o autor do famoso e-mail vazado em que dizia que “pela primeira vez na vida” tinha medo de embarcar a família em um avião da Boeing.
Empresas aéreas que tentam manter o projeto do 737 Max à tona viram-se obrigadas a, mês após mês, recuar a data de suposta volta ao serviço do modelo. Muitas companhias aéreas simplesmente cortaram pedidos já feitos.
Analistas disseram à Reuters que a suspensão da produção do modelo sinistrado ficou “inevitável” depois que a Boeing foi forçada a abandonar sua meta de voltar a operar o 737 Max até o final deste ano. “Não é surpresa que eles não continuem produzindo aviões que não têm casa”, disse Adam Pilarski, vice-presidente sênior de uma consultoria de aviação, a Avitas, sediada na Virgínia.
CHINA E EUROPA: “PREOCUPAÇÕES VITAIS”
Se a FAA, parceiraça da Boeing, se viu obrigada a dar um chega pra lá, mais cabreiros ainda estão os órgãos de segurança aérea do mundo inteiro, quanto a uma solução para a crise.
Na semana anterior, a Administração de Aviação Civil da China (CAAC) – o país que é o maior cliente da Boeing – levantou “preocupações importantes” com a Boeing em relação às mudanças de projeto propostas para encerrar o aterramento do avião Boeing 737 Max. O órgão regulador da aviação de Pequim recusou-se a dizer quando o 737 Max poderá voltar a voar na China. Declaração que quebrou meses de silêncio das autoridades da China – país que foi o primeiro país a ordenar o aterramento do novo Boeing.
Em novembro fora a Agência de Segurança da Aviação da União Europeia (EASA) que exigiu da Boeing a documentação de uma auditoria formal completa do software.
Questão que então a Boeing minimizou, asseverando que daria conta “em semanas”, o que agora é desmentido pela decisão de suspender a produção do modelo e pela advertência da FAA sobre as “falsas expectativas” quanto ao trabalho ainda a ser feito para o avião voltar a voar.
A AESA também detectou que mais da metade dos pilotos das companhias aéreas reagiu de forma confusa ao alarmes deflagrados pelo acionamento do MCAS nas simulações, evidenciando que será necessário um treinamento extensivo suplementar dos pilotos.
Como se sabe, a FAA foi a última a ordenar que o 737 Max fosse aterrado. Caso a Boeing arrume algum jeito de driblar seu Frankenstein high tech, fica ainda a indagação de um internauta, fiel seguidor do MoonOfAlabama. “Há uma pergunta que poucos abordaram. Como as companhias aéreas convencerão o público a voar no Max? E se o Max estiver certificado para voar e o público, na maioria das vezes, evitá-lo? Eu pessoalmente nunca voaria no Max por razões de segurança e credibilidade da Boeing. Francamente, você está preparado para apostar sua vida no Max? Eu não estou”.
E é à Boeing nesse bagaço que o governo dos milicianos entregou a joia rara brasileira, a Embraer e seu Departamento de Engenharia.
A.P.