A greve dos caminhoneiros foi, na avaliação de seus organizadores, plenamente vitoriosa. Ela obteve, segundo alguns de seus líderes, “conquistas históricas para a categoria”. Além da redução do diesel, os caminhoneiros conseguiram manter o óleo congelado por 60 dias, substituir reajustes diários de preços por alterações mensais, definir o preço mínimo do frete, deixar de pagar pedágios de eixos suspensos de caminhões vazios, arrancar 30% das cargas de alimentos do governo para os autônomos, entre outras conquistas.
Nesta luta contra os preços abusivos, que mostrou uma força poucas vezes vista no Brasil, se fortaleceram também as lideranças mais sérias e combativas da categoria dos caminhoneiros. Na primeira reunião, convocada pelo governo em Brasília, logo no início da greve, o Planalto achou que poderia dividir o movimento e atrair alguns sindicalistas para a sua proposta completamente insuficiente de congelamento – por 15 dias – dos preços do diesel, que haviam sido reduzidos às pressas por Parente em 10% no dia anterior. Não havia a menor garantia de que esses preços não seguiriam subindo depois deste prazo.
Apesar de alguns dos negociadores presentes à reunião terem aceitado a proposta do governo, ela foi repudiada pelo conjunto da categoria e a paralisação prosseguiu e se fortaleceu. Posteriormente o governador de São Paulo, Márcio França (PSB), que se destacou na solução do impasse, constataria com razão, durante uma sabatina no site UOL, que: “Michel Temer falou com as pessoas erradas nesta greve”. Márcio França, ao contrário de Temer, teve sensibilidade, respeitou as reivindicações dos caminhoneiros, e acabou fechando um bom acordo com os grevistas em São Paulo. Este acordo fechado no Palácio dos Bandeirantes serviu de modelo para a solução do impasse a nível nacional.
Subestimando o grau de indignação que a política de Pedro Parente – de praticar preços de combustíveis acima do mercado internacional e reajustá-los pelo valor do dólar e pela cotação do barril de petróleo – provocara nos caminhoneiros e também no conjunto da população brasileira, o governo federal achou que tinha espaço para, de forma truculenta, expulsar da reunião as lideranças que se recusaram a assinar a proposta e o compromisso de suspender a greve.
Entre esses líderes que o ministro Eliseu Padilha expulsou da reunião, estavam Diumar Deléo Cunha Bueno, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Autônomos (CNTA), o presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes e Carlos Alberto Litti Dahmer, presidente Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga de Ijuí, no Rio Grande do Sul, e vice-presidente da CGTB. Ao manterem-se firmes, esses sindicalistas aumentaram sua autoridade junto à categoria e conduziram a greve até o êxito final.
O impasse provocado pelo governo estava na insistência do Planalto em manter os preços dos derivados acima dos preços internacionais, política iniciada ainda na administração de Graça Foster, mantida por Aldemir Bendine, e oficializada – com aumentos que passaram a ser diários – em julho de 2017, por Pedro Parente. Os integrantes do Palácio do Planalto não levaram em conta que Pedro Parente não mede conseqüências para agradar o “mercado” – ou seja, para agradar as multinacionais do petróleo. Esse sujeito na verdade faz qualquer negócio para receber os aplausos – e, provavelmente, outras coisas mais – dessa gente. Tanto é verdade que ele já tinha inclusive levado o país ao apagão em 2001, quando foi ministro de FHC. Sua atuação naquela época foi tão desastrosa que ele ficou conhecido como o “ministro do apagão”. E, antes disso, já tinha participado do governo Collor, onde participou da equipe que elaborou o fatídico “Plano” Collor que confiscou a poupança dos brasileiros.
Agora, na Petrobrás, para receber aplausos da Shell&Cia, ele estava disposto a atropelar tudo e implantar novamente o caos no país. Sua política de preços só beneficia as multinacionais, os acionistas estrangeiros da estatal e as importadoras. A própria Petrobrás, ao insistir nessa política, se prejudica. Ela deixa de refinar e perde espaço para as empresas concorrentes e para a invasão dos derivados importados. Além de tudo isso, com a elevação simultânea do dólar e do barril de petróleo ocorridos recentemente, os preços internos, atrelados a eles explodiram.
O professor Ildo Sauer, vice-diretor do Instituto de Energia e Ambiente da USP, alertou para a gravidade do que estavam fazendo com a Petrobrás. Ao estimular as importações de derivados, o parque de refino nacional vinha aumentando a sua ociosidade, que já atinge 32%, segundo nota técnica do Dieese. Sauer denunciou que “há um esquema grave acontecendo”. “Deliberadamente a Petrobrás decidiu praticar preços que incentivaram a importação de derivados pelos operadores privados multinacionais que estão aqui dentro e, inclusive, para a Petrobrás não operar, ou para operar abaixo da sua capacidade”, destacou Sauer. Ou seja, segundo Ildo, as refinarias brasileiras estão sendo sabotadas pela importação de derivados, incentivada pelo governo.
O governo revelou todo o isolamento quado Temer resolveu se arvorar no uso da “Garantia da Lei e da Ordem”, instrumento excepcional de segurança, para tentar irresponsavelmente jogar as Forças Armadas Brasileiras contra os grevistas. Ele se deu muito mal com essa decisão. A reação não podia ser pior. O general Villas Boas, Comandante do Exército, afirmou à nação que a diretriz principal das FFAA “é a negociação”. Esta posição evidenciou que as FFAA não iriam reprimir a população como queria o governo. Neste momento o país tomou consciência de que o Comandante Supremo das FFAA, na verdade, não comandava mais nada.
O general deu destaque à diretriz e ainda cobrou solução rápida do problema por parte das autoridades. Em suma, o governo não havia se dado conta que não contava com os militares para reprimir o povo. A Força Nacional de Segurança foi acionada e, quando em Minas Gerais, recebeu o repúdio da população e da Polícia Civil do Estado em Belo Horizonte. Teve que se retirar do campo de operações às pressas sob vaias. Em vários outros lugares, militares e policiais se solidarizaram com os manifestantes e criticaram o governo.
O grupo de Michel Temer partiu então para a ridícula posição de acusar os empresários de transporte de estarem praticando um “locaute”. Vários ministros que foram para a televisão anunciar que iam mandar prender fulano, o beltrano pela suposta prática de “locaute”, estão eles mesmos na mira da Lava Jato. Eles é que vão ser presos a qualquer momento. E, mais do que isso, a paralisação era dos caminhoneiros mas contava com um amplo apoio de toda a sociedade. Provavelmente a maioria dos empresários também esta achando que essa política de preços era suicida. O Data Folha publicou uma pesquisa revelando que 90% da população apoiava o movimento dos caminhoneiros.
Além do mais, conforme o HP já publicou, locaute é quando o patrão paralisa a sua empresa para impor suas vontades ou suas exigências ao empregados. Não foi o caso desta paralisação, já que todos os envolvidos estavam irmanados nos mesmos objetivos, ou seja, todos, patrões, empregados e a população em geral queriam a redução dos preços dos combustíveis. Com a teimosia do governo, a partir de um determinado momento, só a mudança da política passou a não bastar. Exigiu-se, então, a cabeça de Pedro Parente. E essa o governo não conseguiu segurar.
SÉRGIO CRUZ