“A crise industrial que assola o continente é o melhor antídoto para um aperto no fornecimento de gás”, foi o jeito que a agência norte-americana voltada para notícias do “mercado” achou de admitir as graves consequências da crise energética provocada pelas sanções à Rússia. “Com amigos como esse, quem precisa de inimigos?”, comentou a RT em alemão.
O risco de uma greve na Austrália, o maior produtor mundial de gás natural liquefeito (GNL), marcada para o dia 7 de setembro, foi suficiente para fazer subir os preços em 50%, algo que semanas antes do início da época de aquecimento é preocupante, afirma Bloomberg, no artigo intitulado “Que crise do gás? O melhor amigo da Europa é também o seu pior inimigo”.
No entanto, salienta a Bloomberg, a Europa tem um forte aliado para manter os preços do gás sob controle face aos meses mais frios: uma procura extremamente fraca que o caso da Alemanha ilustra perfeitamente, já que a atividade industrial naquele país abrandou durante 14 meses consecutivos.
“A crise industrial que assola o continente é o melhor antídoto para a escassez de abastecimento de gás”, assinala desinteressadamente a Bloomberg, agência de mídia norte-americana especializada em economia e especulação, numa quase sutil defesa da desindustrialização europeia (claro que em prol da ‘reindustrialização’ norte-americana).
“A Europa está ultrapassando a sua crise energética graças ao impacto que esta crise teve no seu coração industrial”, acrescenta, referindo-se à Alemanha, a maior economia europeia.
É que em todo o continente, as empresas que consomem elevados níveis de energia foram obrigadas a encerrar ou reduzir a sua produção. Foram especialmente afetadas as indústrias química, metalúrgica, de fertilizantes, vidreira, papel e cerâmica.
Na Alemanha, destacou a Bloomberg, a atividade das empresas com utilização intensiva de energia despencou quase 18% em junho, em comparação com o final de 2020, segundo dados oficiais.
No mesmo mês, a procura de gás industrial também diminuiu 18% em relação ao ano anterior. Em julho, a procura caiu ainda mais, encolhendo 22,9% em relação ao ano anterior, o maior colapso até agora em 2023.
Também é verdade que parte da redução se deve à mudança para combustíveis mais poluentes, como o petróleo e o carvão.
“Devido à atividade fabril anêmica e ao consumo de gás inferior ao esperado no setor energético, a Morgan Stanley estima que a procura total de gás na Europa esteja cerca de 15% abaixo da média de cinco anos, mesmo quando ajustada devido ao impacto do clima”, registra a Bloomberg.
Apesar das perspectivas favoráveis para as reservas de combustíveis na Europa, isto seria de pouco consolo para os industriais do continente, admite a Bloomberg, uma vez que os preços da energia aplicada à indústria, naquela região beiram atualmente os 35 euros por megawatt-hora, em comparação com a média de 2010-2020 de 20 euros.
Já os preços no atacado da eletricidade estão acima de 140 euros por megawatt-hora, mais do que o triplo da média de 38,5 euros de 2010-2020.
“O problema para a indústria não é apenas que os preços atuais são muito mais elevados do que antes do conflito na Ucrânia. O verdadeiro problema é que as empresas sabem que qualquer problema de abastecimento, real ou aparente, provocaria um aumento de preços, porque mesmo com uma situação quase plena de reservas, a Europa precisa de todo o gás que conseguir para passar o inverno”, diz a Bloomberg.
O equilíbrio entre a oferta e a procura de energia em território europeu continua precário, afirma o artigo.
Só a procura industrial extremamente fraca equilibra o sistema e os estoques abundantes ajudam, “mas mesmo com eles, a Europa não sobreviveria ao Inverno se toda a procura de gás industrial regressasse aos níveis anteriores à crise. Como tal, o preço de evitar a crise energética é uma profunda recessão no setor industrial e uma perda de crescimento econômico a longo prazo”, conclui a Bloomberg, no registro da edição em alemão da RT. Que acrescentou: “com amigos como esse, quem precisa de inimigos?”
Assim, não admira que a desindustrialização passou a ser um espectro que assombra a Alemanha, desde que seu governo aderiu à guerra por procuração dos EUA/Otan contra a Rússia na Ucrânia, de que as sanções e o autoinflingido corte do gás russo barato, de que a indústria alemã dependia, são o corolário.