
3.741 bebês com menos de quatro meses estão matriculados nas creches da rede municipal de São Paulo
Devido à crise econômica no Brasil, milhares de mães em São Paulo são obrigadas a recorrer a creches e a deixar os seus bebês com cada vez menos idade. Segundo levantamento feito pela Folha de São Paulo, o aumento do mercado de trabalho informal faz com que estas mães não tenham direito ao período legal de licença de maternidade – 120 dias.
Muitas vezes sem o apoio logístico ou financeiro dos pais das crianças, estas mães não têm outra opção senão deixar a crianças aos cuidados da creche para poderem trabalhar.
Na última semana de abril, havia 3.741 bebês com menos de quatro meses matriculados nas creches da rede municipal de São Paulo. Desses, 63 têm menos de um mês de vida. 539 têm menos de dois meses.
O número de bebês até dois meses nas creches é quase duas vezes superior ao período homólogo do ano passado. É, ainda, 23 vezes superior ao número registrado em 2019, antes da pandemia.
A reportagem relata que há uma bebê de apenas 19 dias matriculada na rede municipal. A mãe, de 23 anos, trabalhou como diarista (pessoa que ganha por dia) até os 8 meses de gravidez e precisou voltar já para o trabalho para poder sobreviver diante as dificuldades econômicas. Como diarista, ela teve direito a licença de maternidade.
“Eu trabalho sem carteira, então sabia que não teria direito à licença-maternidade. Trabalhei até os oito meses da gravidez e depois não consegui mais. Agora preciso voltar porque a situação em casa está apertada”, diz.
Além da bebê, Pamela mora com o marido, que é lavador de carros, e o filho mais velho de cinco anos. “Está difícil só com o que o meu marido ganha, porque metade vai para o aluguel. Foi difícil pagar mercado nesses últimos dois meses que fiquei sem trabalhar”, conta.
“É difícil ter que deixar uma bebê tão pequena na creche, mas ela vai se adaptar e vai ser melhor para nós. É para poder dar uma condição melhor para ela também.”
Antes da pandemia já havia um crescimento de matrículas de bebês com menos de quatro meses, em creches Desde então, com a piora da crise econômica, esse crescimento se intensificou.
Segundo dados da Secretaria Municipal da Educação, nos anos anteriores, o número de bebês com menos de quatro meses matriculados na rede tinha um pico no início do ano e depois caía conforme as crianças iam ficando mais velhas.
Em 2020, por exemplo, 3.238 bebês nessa situação estavam matriculados em janeiro. Já em abril, eram apenas 435. De 2018 a 2021 foram estatísticas como estas avistadas.
Porém, agora em 2022, a situação mudou e o número de bebês com menos de quatro meses matriculados em abril (3.741) é maior do que o registrado em janeiro (3.528).
Na prática, esses dados revelam que mais crianças nessa faixa etária entraram em creches de fevereiro a abril deste ano do que no mesmo período nos anos anteriores, indicando um aumento da demanda por essas vagas e que essa necessidade está mais contínua do que antes.
SITUAÇÃO LIMITE
“Como nós temos denunciado, a crise que estamos vivendo com desemprego e carestia empurram as pessoas para uma situação limite. O que nós estamos vendo é que as mulheres do povo estão perdendo na prática o direito a licença maternidade, mesmo que previsto por lei, mesmo que a OMS oriente que as crianças devem ser alimentadas exclusivamente com leite materno até pelo menos 6 meses. Isso acontece, porque uma grande parcela está em postos de trabalho informais e por isso se não trabalham, não ganham e se não ganham é simplesmente impossível sustentar a família” apontou a diretora da Federação de Mulheres Paulista, Karina Sampaio.
“Por conta de situações como esta, é que sempre registramos que quando está ruim para todos, está pior para as mulheres! O aumento desesperador da miserabilidade no Brasil faz com que as mulheres do povo sejam obrigadas a abrir mão de uma conquista histórica e fundamental para garantir o acesso delas ao trabalho sem ter que abrir da maternidade ou vice e versa”, ressalta Karina.
Para o secretário de Educação do município, Fernando Padula, o aumento de bebês pequenos matriculados nas creches é um reflexo da crise financeira do país. “É a realidade que enfrentamos, 53% dos alunos da educação infantil do município estão no CadÚnico, ou seja, vivem em situação de pobreza ou extrema pobreza.”
Segundo ele, as vagas para bebês em qualquer momento do ano só são possíveis porque a Prefeitura de São Paulo conseguiu zerar a fila de espera por vaga em creche.
CRISE AFETA ALEITAMENTO
No Centro de Educação Infantil (Cei) Bela Vista, na região central da capital, Brenno, de três meses, é o mais novo de uma sala com outros 21 bebês de até um ano. Antes de entrar para a creche, Brenno só recebia leite materno, mas agora está só com uma fórmula láctea, segundo a mãe Tatiana Conceição, de 34 anos.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda a amamentação exclusiva até os seis meses de idade. “Eu até tentei continuar amamentando em casa, mas meu peito doía muito durante o dia quando estava longe dele. O leite ia acumulando, vazava e até empedrou. Como eu ia conseguir trabalhar desse jeito?”, questiona Tatiana.
A Secretaria da Educação diz que as creches são orientadas a incentivar o aleitamento materno, mas não oferece as condições para que a alimentação ocorra da forma ideal. Não há espaços para armazenagem do leite materno nas creches municipais, tampouco a disposição de funcionários para fornecer este alimento às crianças. Com isso, a crise econômica acaba interferindo de forma biológica nas relações mãe e filho como no caso citado acima, quando a mãe começa a ter dificuldade na produção do leite por ter sido obrigada a se separar dele tão cedo.