A ex-presidente da Argentina Cristina Fernández de Kirchner (2007-2015), atual senadora pelo movimento Unidade Cidadã, indiciada e com a prisão preventiva solicitada sob a acusação de encabeçar um esquema de suborno de empresários em troca da adjudicação de obras públicas, no processo que ficou conhecido como “Cadernos da corrupção”, apresentou na terça-feira defesa escrita ao juiz Sebastián Casanello, em que também recusou os juízes da Câmara de Apelações que assinaram uma resolução contra ela. Cristina os acusa de parcialidade frente ao caso.
“Podem continuar a vigiar os meus movimentos e os de minha família, escutar de maneira clandestina as minhas conversas telefônicas ou escavar toda a Patagônia argentina ou onde quer que seja, que nunca vão encontrar nada que me envolva porque jamais me apoderei de dinheiro ilegal”, desafiou a senadora.
E mais, nesta oitava intimação para prestar declaração indagatória, a ex-presidente advertiu que a resolução é uma medida disposta pelos juízes da Câmara, Martín Irurzun e Mariano Llorens cuja proximidade ao atual presidente Mauricio Macri é pública, obedecendo um pedido expresso efetuado pelo Executivo, e assinalou que foi esse tribunal que determinou a medida contra ela e não o magistrado que tem a seu cargo a instrução da causa.
CFK negou ter contas bancárias no exterior, lembrando que na procura do chamado dinheiro K (de Kirchner), o que se encontrou foi a rota do dinheiro M (do presidente Macri), referindo-se às numerosas contas offshore encontradas e a ele pertencentes, além das de vários membros de seu gabinete, nos chamados Papéis do Panamá e nos Papéis do Paraíso em 2016, e mais outras posteriores, acerca das quais não houve nenhuma investigação.
A senadora tem embargos de mais de 14 bilhões de pesos (equivalentes a 3,5 milhões de dólares), distribuídos em seis expedientes judiciais e ainda lhe embargaram a aposentadoria, bloquearam seus cartões de crédito e até o cartão de débito, conforme ela denuncia.
Nos trechos finais do documento, no entanto, Cristina Kirchner acabou fazendo gol contra ao referir o que lhe sucede (que diz ser um problema de perseguição) como de caráter continental, afetando toda a América Latina. Relacionou o seu indiciamento à prisão de Luiz Inácio Lula da Silva. Além disso, neste afã de se defender com comparações com uma condenação que já chegou à segunda instância na Justiça brasileira, acaba fazendo afirmações que não correspondem à verdade.
Diz ela: “Por exemplo: os jornais brasileiros informaram que o ex-ministro Antonio Palocci, sob prisão preventiva, tinha tentado em maio último uma ‘delação premiada’ para obter a liberdade, mas que sua solicitação foi rechaçada porque não incluía nenhuma acusação contra Lula e Dilma Rousseff mas só contra o sistema bancário. Mas em 6 de setembro, diante dos juízes, o mesmo imputado forneceu a versão apetecida pela promotoria para conseguir a liberdade. Pelo contrário, foi totalmente ignorado o depoimento de Emilio Odebrecht, que em 12 de junho declarou ao juiz Moro que nunca tinha doado nenhum imóvel ao Instituto Lula, como presumia a acusação de corrupção”.
Como é público, as contribuições de Palocci acerca do envolvimento de Lula na corrupção ativa são definitivas e diretas. “O ex-ministro relatou que a descoberta do pré-sal causou um clima de ‘delírio político’ no governo e que Lula disse ‘explicitamente’ desejar que o esquema das sondas ‘pagasse a candidatura de Dilma’ em 2010. ‘O presidente Lula começa também a se descuidar da parte legal da sua atuação como presidente e passa a atuar diretamente no pedido de propina’, acrescentou Palocci. Ao ser indagado se o ex-presidente passou a atuar após a descoberta do pré-sal, respondeu: ‘Ele sempre soube que tinha ilícito e sempre apoiou as iniciativas de financiamento ilícito de campanha, etc. Mas no caso, no pré-sal, ele começou a ter uma atuação pessoal’”*.
O ex-ministro expôs claramente os ilícitos de Lula atribuindo ao ex-presidente o que chamou de ‘pacto de sangue’ de R$ 300 milhões com a empreiteira Odebrecht.
Sobre a Odebrecht, a Polícia Federal (PF) também enviou ao juiz Sérgio Moro um laudo sobre o conteúdo do computador de Marcelo Odebrecht. “São dezenas de mensagens, entre Odebrecht e seus subordinados, sobre a compra de um imóvel para o Instituto Lula, na rua Dr. Haberbeck Brandão, nº 178, Vila Clementino, São Paulo”.
Ou seja, ao contrário do que afirma Cristina no trecho infeliz do documento apresentado, a Odebrecht passou R$ 12.422.000,00 (doze milhões e 422 mil reais) da conta de propinas que tinha com Lula para comprar um imóvel para o Instituto Lula. Uma parte desse dinheiro – R$ 504 mil – foi usada por Lula para comprar o apartamento ao lado daquele em que mora – e, assim, duplicar o tamanho de sua residência. Esse apartamento foi colocado em nome de um primo do empresário amigo de Lula, José Carlos Bumlai.
SUSANA SANTOS
*https://horadopovo.org.br/palocci-com-o-pre-sal-lula-passou-a-atuar-diretamente-no-pedido-de-propina/