CS da ONU instaura ‘força de estabilização’ em Gaza sem avançar na criação do Estado da Palestina

CS da ONU vota resolução sobre Gaza (Adam Gray/AFP)

“Um passo, não uma solução”, segundo o secretário-geral, Guterres. China e Rússia preferem se abster

Por 13 a 0 o Conselho de Segurança da ONU aprovou na segunda-feira (17) uma proposta dos EUA sobre a Faixa de Gaza, que dá aval a um “Conselho” presidido e nomeado por Trump e sem representantes palestinos.

Resolução declara a instauração de uma Força Internacional de Estabilização não-subordinada à ONU, promete manter o cessar-fogo, acelerar a entrada de ajuda humanitária e encaminhar a reconstrução, e que, ainda, em pouco mais de uma linha, acrescentada por pressão dos países árabes e muçulmanos, faz referência ao Estado Palestino. China e Rússia se abstiveram.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, em declarações após a votação, chamou a decisão de “um passo, não uma solução” e disse que a implementação determinaria se a medida trará estabilidade ou preparará o terreno para novos conflitos.

Votaram a favor: Estados Unidos, França, Reino Unido, Argélia, Eslovênia, Guiana, Coreia do Sul, Serra Leoa, Dinamarca, Grécia, Paquistão, Panamá e Somália.

RESOLUÇÃO QUE DETERMINAVA A CRIAÇÃO DO ESTADO DA PALESTINA NÃO FOI APROVADA

Rússia e China, que haviam previamente apresentado outra resolução, explicitando claramente a criação do Estado Palestino e a subordinação do processo em Gaza à ONU, deixaram de exercer seu direito de veto, na medida que a resolução contava com o apoio dos principais países árabes e muçulmanos, inclusive a Argélia, que anteriormente havia expressado preocupações, e da Autoridade Palestina, mas não foi aprovada.

O Ministério das Relações Exteriores da Palestina “enfatizou a necessidade urgente de implementar imediatamente essa resolução no terreno” de uma forma que “garanta o retorno da vida normal, proteja nosso povo na Faixa de Gaza” e “previna deslocamentos”.

O Ministério também pediu a “retirada total das forças ocupantes” e que o plano fosse executado de forma a “permitir a reconstrução, interromper o enfraquecimento da solução de dois Estados e evitar a anexação”.

Declarou, ainda, que a resolução afirmava o “direito do povo palestino à autodeterminação e ao estabelecimento de seu estado independente”, bem como o fluxo irrestrito de ajuda para Gaza.

DUAS LINHAS SOBRE O ESTADO DA PALESTINA

Segundo o jornal britânico The Guardian, a inclusão, ainda que lacônica, da referência a uma Palestina independente foi o preço que os EUA pagaram pelo apoio do mundo árabe e islâmico, que deve fornecer tropas de paz para uma força internacional de estabilização (FIE).

A referência à criação do Estado palestino foi uma adição de compromisso a um rascunho inicial dos EUA que não mencionava isso. No entanto, a redação é vaga e condicional, prometendo apenas que, uma vez que a Autoridade Palestina se “reforme” e a reconstrução de Gaza esteja em andamento, “as condições podem finalmente estar estabelecidas para um caminho crível para a autodeterminação e a criação de Estado palestino.”

A redação ficou muito aquém do firme compromisso com a construção de um Estado palestino ao lado de Israel manifestada por estrondosa margem na mais recente votação na Assembleia Geral da ONU.

Em discursos ao plenário após a votação, delegados dos países árabes e muçulmanos disseram estar dispostos a aceitar o compromisso no interesse de estender a atual trégua e de medidas imediatas para alimentar e proteger os 2,2 milhões de palestinos em Gaza.

A resolução também pede a criação de um comitê tecnocrático palestino que deveria administrar o governo diário da Faixa de Gaza, mas está longe de estar claro quem participaria.

Países cotados para a força de estabilização — incluindo Egito, Turquia, Indonésia e Emirados Árabes Unidos — teriam exigido um mandato do Conselho de Segurança antes de contribuir com tropas, para garantir que seu papel fosse enquadrado como sancionado internacionalmente, e não como cúmplices da ocupação.

O agora “plano de 20 pontos” de Trump para Gaza fora precedido por aquele mirabolante projeto imobiliário da “Riviera Sobre Cadáveres”, que viralizou após exposta pelo próprio presidente norte-americano em um vídeo de IA na sua plataforma Truth Social.

“LEMBRA PRÁTICAS COLONIAIS”, OBSERVA A RÚSSIA

O embaixador russo na ONU, Vasily Nebenzya, explicou o motivo pelo qual a Rússia se absteve na votação no Conselho de Segurança da ONU (CSNU): “Lembra práticas coloniais”.

Para Nebenzya, há dúvidas quanto à suposta colaboração da Força Internacional de Estabilização com a Autoridade Palestina, uma vez que a falta de detalhes da resolução permitiria à força internacional agir sem consultar Ramallah.

“Isso pode consolidar a separação da Faixa de Gaza da Cisjordânia. Lembra as práticas coloniais e o Mandato Britânico da Liga das Nações para a Palestina, quando a opinião dos próprios palestinos não era levada em consideração”.

Ele também expressou preocupação com as dúvidas que persistem sobre o mandato da força sob o plano de Trump, incluindo se suas “tarefas de imposição da paz” poderiam “de fato transformá-la em parte do conflito, indo além dos limites da manutenção da paz”.

Ainda há o perigo que o documento pode servir de “pretexto para experimentos desenfreados conduzidos pelos EUA em Israel, no território palestino ocupado”.

VIOLA O PRINCÍPIO DE “PALESTINOS GOVERNANDO A PALESTINA”, DIZ CHINA

A China também se absteve na votação. Para o embaixador chinês, Fu Cong, a resolução não demonstra o principio fundamental de “palestinos governando a Palestina”. “Gaza pertence aos palestinos e a mais ninguém.”

Para o embaixador chinês, assim como a Nebenzya, faltam detalhes sobre a Força Internacional de Estabilização e o Conselho da Paz, órgão de transição governamental. “Deveria haver explicações sobre suas estruturas, composição, termos de referência e critérios de preparação”.

A resolução autoriza o Conselho de Paz, que será liderado por Trump, “a assumir total responsabilidade pelos arranjos civis e de segurança em Gaza, mas não estipula nenhum mecanismo de supervisão ou revisão além dos relatórios anuais por escrito”.

Os embaixadores Nebenzya e Fu assinalaram que a proposta de Washington desconsidera os elementos jurídicos internacionais. O CSNU tem como função promover resoluções baseadas no direito internacional, não de endossar um plano criado por um determinado país.

“Não há motivos para comemorar: hoje é um dia triste para o Conselho. Além dos desejos das partes interessadas, existe também o conceito de integridade do Conselho de Segurança. E hoje, com a adoção desta resolução, essa integridade e a prerrogativa do Conselho foram violadas”, definiu Nebenzya.

MANTER O CESSAR-FOGO E CRIAR CONDIÇÕES PARA A AUTODETERMINAÇÃO

“A Argélia finalmente decidiu votar a favor deste texto, um texto que apoiamos seu objetivo central, ou seja, a manutenção do cessar-fogo e a criação de condições que permitam ao povo palestino exercer seus imensuráveis direitos à autodeterminação e à criação de Estado”, disse no CS da ONU o embaixador argelino, Amar Bendjama.

Ele acrescentou que a Argélia submeteu “emendas essenciais paragarantir equilíbrio e integridade no texto” e algumas “foram levadas em consideração”, disse Bendjama, que falou também em nome do bloco árabe deixando claro que via o documento como semeando as sementes da soberania palestina.

Bendjama chamou atenção para o anexo da resolução, que segundo ele tratava dos direitos palestinos. “Esta resolução deve ser lida na íntegra. Seu anexo é parte integrante dele, e todas as partes devem cumpri-lo”, afirmou. “Afirma claramente que não há anexação, nem ocupação, nem deslocamento forçado.”

“MECANISMO DE TUTELA”

Em comunicado, a Resistência Islâmica (Hamas) afirmou que a resolução “fica aquém das demandas políticas e humanitárias e dos direitos do nosso povo palestino, especialmente na Faixa de Gaza” e se pronunciou contra tal “mecanismo internacional de tutela”, que os palestinos “rejeitam em todas as suas formas.”

O Hamas também argumentou que a medida visa garantir objetivos que Israel “não conseguiu alcançar por meio de sua guerra brutal”, apresentando o resultado como imposto externamente, e não como derivado de um processo político negociado. Também se recusou a qualquer intento de desarmar os palestinos sob a ocupação.

Por sua vez, a agência de notícias Reuters descreveu que a Força de Estabilização será responsável pela destruição da infraestrutura militante, descomissionamento de armas, treinamento da polícia palestina, segurança das áreas de fronteira e facilitação do acesso humanitário.

O secretário de Estado Marco Rubio disse, na semana passada, que não haverá um papel para a Unrwa (Agência da ONU para os refugiados palestinos) na distribuição da ajuda humanitária.

GENOCIDA GVIR PEDE PRISÃO DE ABBAS

Na votação, o representante de Israel, Danny Danon, disse que Israel só se comprometeria com as questões de segurança de Israel – isto é, o desarmamento da resistência -, enquanto o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu voltava a arrotar que “nossa oposição a um Estado palestino em qualquer território não mudou.”

O criminoso chefe dos ladrões de terra alheia na Cisjordânia, e ministro da “Segurança”, Itamar Ben Gvir, convocou Netanyahu, caso a ONU reconhecesse o Estado Palestino, a “ordenar o assassinato de oficiais do alto escalão da Autoridade Palestina, que são terroristas em todos os sentidos, e a prisão de Abu Mazen [Mahmoud Abbas]”.

Desde o Holocausto perpetrado por Hitler, o mundo não vira nada igual: quase 70 mil palestinos mortos, na maioria mulheres, crianças e idosos, 180 mil feridos, dezenas de milhares de órfãos, e estima-se outros 10 mil sob os escombros. Meio milhão de pessoas à beira da fome catastrófica, uma fome fabricada pelo regime genocida, ao bloquear a entrada de alimentos, remédios, suprimentos e combustível. Universidades e a maior parte das escolas em ruínas; a maior parte dos hospitais destruídos. Assim como as instalações de saneamento e fontes de água potável. Bombardeio de prédios residenciais escolhidos por IA. Cada família percorreu uma dezena ou duas de peregrinações forçadas à bala. Segundo a ONU, a devastação atinge ao menos 78% de todas as construções do território, 82% das terras que antes abrigavam plantações e 97% de todas as árvores que ali existiam.

Pelo streaming, há dois anos o mundo presencia chocado essa barbárie, a ponto de, segundo a mídia, Trump ter dito a Netanyahu que “você não pode lutar contra o mundo […] Você pode lutar batalhas individuais, mas o mundo está contra você”.

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