
Entidades alertam para retrocessos trabalhistas e esvaziamento da Justiça do Trabalho
A decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender os processos judiciais que analisam as denúncias de “pejotização” – prática em que empresas contratam trabalhadores como pessoa jurídica para evitar obrigações previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – provocou críticas de entidades ligadas à defesa dos direitos trabalhistas, entre elas, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Para Magnus Farkatt, advogado trabalhista e assessor jurídico da CTB, a decisão de suspender os processos é equivocada e prejudica diretamente os trabalhadores. “Considero que é um equívoco, porque o mais adequado seria que o Supremo Tribunal Federal permitisse o andamento das ações que já estão em curso versando sobre essa matéria”, afirmou. Ele acrescenta que “suspender as ações significa, na prática, congelar a solução de conflitos que precisam de uma solução rápida”, o que é especialmente grave em casos que afetam os direitos dos trabalhadores.
Farkatt também expressou preocupação com a possibilidade de o STF validar todas as formas de contratação via pessoa jurídica, o que, segundo ele, representaria “o fim da CLT, o fim das garantias trabalhistas”. Para o advogado, isso incentivaria empresas a abandonarem completamente os contratos formais de trabalho: “Por que uma empresa contrataria um empregado, pagando férias, previdência social e outros benefícios, se pode contratá-lo como pessoa jurídica, sem essas obrigações?”, questiona.
Outro ponto destacado por Farkatt é a tentativa de deslocar da Justiça do Trabalho para a Justiça Comum os julgamentos referentes a vínculos empregatícios. “A competência para julgar essas questões é claramente da Justiça do Trabalho. Infelizmente, a Justiça do Trabalho vem sendo esvaziada por uma série de decisões monocráticas, em que ministros do STF utilizam medidas correcionais”, afirma.
ANAMATRA
A Anamatra também manifestou preocupação com a decisão de Gilmar Mendes. Em nota assinada por sua presidente, Luciana Paula Conforti, a Associação reforça que a Justiça do Trabalho, conforme a Constituição, tem a atribuição de analisar qualquer relação de trabalho — não apenas vínculos formais de emprego —, conforme estabelecido no art. 114, inciso I, da Constituição Federal.
Segundo a Anamatra, “a interpretação literal do dispositivo jamais permitiria outra conclusão, senão a de que qualquer controvérsia decorrente da relação de trabalho, não somente de vínculos de emprego, deve ser apreciada pela Justiça do Trabalho e não pela Justiça Comum”.
A entidade destaca que a prática da “pejotização” pode mascarar vínculos empregatícios legítimos e que cabe à Justiça do Trabalho julgar essas situações: “À Justiça do Trabalho sempre coube apreciar se uma relação de trabalho, a exemplo da mantida por representantes comerciais, cooperativados, empreendedores ou profissionais liberais, caracterizava ou não autêntico vínculo de emprego”.
Para a Anamatra, “causa profunda preocupação o sentido que se tem atribuído às relações de trabalho, sob o aspecto puramente formal, com base em conceitos genéricos como ‘liberdade de organização produtiva dos cidadãos’, ignorando os efeitos da pejotização ampla e outros aspectos fraudulentos da contratação do trabalho humano”.
A Associação alerta, ainda, que a suspensão pode inviabilizar a atuação da Justiça especializada: “É preocupante a decisão de suspensão de todos os casos que tratem de fraude a contratos de empregos ou da licitude da contratação de pessoa física como jurídica, pois constituem uma infinidade de processos na Justiça do Trabalho, o que poderá até inviabilizar o funcionamento desse segmento especializado de Justiça”.
A nota conclui ressaltando que “espera-se que o Supremo Tribunal Federal reafirme o prestígio institucional e a competência da Justiça do Trabalho para analisar as relações de trabalho e os vínculos de emprego, além da existência de fraudes em contratações, conforme previsto no art. 114, I da Constituição”.