O cinema e a cultura brasileira perderam esta semana um dos seus grandes representantes, o cineasta, documentarista e roteirista Carlos Cortez.
Carlos Cortez começou sua carreia como roteirista, dirigiu inúmeros documentários e a ficção Querô, abordando questões sociais, raciais e culturais com olhar sensível sobre a realidade do povo, e onde sempre estão presentes o inconformismo, a resistência e o sonho.
Entre seus documentários mais destacados estão Geraldo Filme e Seu Nenê da Vila Matilde, que nasceram da parceria com o CPC-UMES (Centro Popular de Cultura da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo).
Os dois documentários contam a trajetória de dois netos de escravos, pobres e sem nenhuma perspectiva na vida, que com suas lutas e perseveranças acabaram se tornando dois ícones da cultura paulista e brasileira. Geraldo Filme, compositor primordial que propagou a cultura negra em São Paulo com sua militância e seus sambas notáveis, e Seu Nenê da Vila Matilde, que dedicou sua vida ao sonho de criar uma escola de samba e protagonizou o início do carnaval paulistano e dos desfiles das escolas de samba.
Geraldo Filme recebeu o prêmio de Melhor Documentário no 3° Festival Internacional de Documentários (It’s All True), o Prêmio Especial do Júri no 26° Festival de Gramado, o de Melhor Média Metragem no Festival de Cuiabá, e os prêmios de Melhor Roteiro e Melhor Montagem no 10° Festival de Cinema de Brasília.
O documentário Seu Nenê recebeu o Prêmio Aruanda de melhor documentário e o Prêmio de Melhor Som Direto no 34° Festival de Cinema de Brasília em 2001.
Em 2007, Carlos Cortez lançou seu primeiro longa-metragem de ficção, o também premiado Querô, baseado no livro Reportagem Maldita – Querô, de Plínio Marques, que Cortez conheceu na juventude, e deu apoio para que ele adaptasse para o cinema a sua obra.
Anos depois, Plínio Marcos morreu, e o diretor enveredou no trabalho de filmar Querô.
As pesquisas e montagem do filme nas áreas mais carentes na região portuária de Santos envolveram testes com mais de 1200 jovens e moradores, onde 40 foram convidados a integrar o elenco do filme.
O filme conta a história de um menor abandonado que vai crescendo empurrado pela vida, “mas não se dobra à disciplina da Febem, ao jogo fácil do tráfico de drogas e, muito menos, aos policiais corruptos que o perseguem”.
”Tem uma frase do Plínio Marcos de que eu gosto muito – ele dizia que nem Deus olhava por seus personagens. E, ao mesmo tempo que são esquecidos, e ferozes, eles são também humanos e é essa humanidade que o Plínio buscava que eu busco também no Querô”, disse em uma entrevista o cineasta.
O filme recebeu 13 prêmios em diversos festivais, incluindo Melhor Roteiro, Melhor Direção e Melhor Filme.
Após a realização do longa-metragem, o cineasta e a produtora desenvolveram um projeto junto à UNICEF para dar continuidade ao trabalho com os jovens da região. Daí nasceu o Instituto Querô, que utiliza o audiovisual como ferramenta para estimular talentos, promover a inclusão cultural, transmitir valores, desenvolver o empreendedorismo e dar voz a jovens que vivem em condições de alto risco social.
Carlos Cortez era paulista e durante 25 anos dividiu a vida, o trabalho e os sonhos com a companheira Débora Ivanov, que é diretora da Ancine.
GRANDE intelectual, cineasta de olhar raro, um grande valor. Que saudades! Obrigada Carlos pelos bons momentos de trabalho juntos