Líder do movimento norte-americano de solidariedade ao povo palestino, a ativista judia norte-americana, Jana Silverman, que é coordenadora do Comitê Internacional da organização Democratic Socialists of America (DSA), relata – em entrevista a Nathaniel Braia para o HP – detalhes da luta entre os norte-americanos pelo cessar-fogo em Gaza, pela suspensão do envio de armas a Israel e de como o repúdio a esta cumplicidade pelo governo Biden ao genocídio israelense contra o povo palestino levou Kamala Harris a perder em Estados-pêndulo, a exemplo do Michigan
Nathaniel Braia – O que há de novo entre integrantes da comunidade judaica norte-americana depois do 7 de outubro de 2023?
Jana Silverman – Em meio às manifestações de solidariedade ao povo palestino desde o início do genocídio perpetrado por Israel em Gaza, tem surgido uma participação crescente de judeus norte-americanos nas grandes mobilizações gerais contra a agressão em muitas cidades norte-americanas.
Em termos da população judaica norte-americana, ainda é uma parcela minoritária, mas que vem crescendo diante da barbárie israelense e, é claro, em repúdio ao governo de Netanyahu.
A consigna que unifica este movimento é a exigência de que Israel pare com este genocídio que dura deste o 8 de outubro de 2024, e que os Estados Unidos parem de enviar armas para este genocídio.
Esta participação tem sido mais intensa nos centros onde há maior população judaica, principalmente Nova Iorque, Califórnia, Washington e Filadélfia. De forma geral esse movimento tem tido a participação de lideranças jovens.
Entre as organizações de judeus destacamos a Jewish Voice for Peace e a If Not Now. Estas organizações se colocam como coletivos de judeus com posicionamento antissionista.
Isto se dá com a entrada decidida de organizações norte-americanas como a Democratic Socilaists of America (DAS), que eu integro, nas manifestações envolvendo palestinos e judeus contra o envio de armas norte-americanas a Israel, ao genocídio, e para que se tomem medidas para pressionar Israel a parar com esta agressão de extermínio do povo palestino.
NB – A segunda pergunta, trata exatamente disso, quais são as principais questões, palavras de ordem levantadas por este movimento?
JS – Em primeiro lugar e desde o início, a exigência de um cessar-fogo. Um cessar-fogo diferente do entendido pelo governo Biden e Kamala Harris, que seria um cessar-fogo temporário e de troca de reféns, mas permitindo ao governo Netanyahu a retomada do massacre depois disso. Então a palavra de ordem é “Cessar-fogo imediato, incondicional e permanente” e que poderia depois se desdobrar em um processo de paz duradora.
A segunda, como já dissemos é parar o financiamento norte-americano a esta máquina de guerra e extermínio que é Israel.
Para nós, norte-americanos, é uma questão séria, pois são recursos extraídos dos nossos impostos que vão parar nos bolsos do comando militar israelense, da denominada IDF (Israel Defense Forces) que de defesa não tem nada.
Para nós está claro que é esta cumplicidade do governo dos Estados Unidos, este reforço financeiro que exatamente possibilita este massacre.
A terceira reivindicação é o fim da perseguição política ao movimento pró-palestino, que estamos sentindo nas universidades, em particular. Temos visto isso nos ataques aos acampamentos de protesto contra o genocídio, estes acampamentos são atacados em inúmeras universidades do país. Estudantes são ameaçados de expulsão.
Estamos atentos e acompanhando com repúdio e atenção as perseguições contra não só os próprios palestinos, mas também de judeus que lhes são solidários e isso está acontecendo não só nos Estados Unidos, mas também em outros países como a França, Alemanha e Israel.
NB – Como este movimento de resistência ao genocídio vem se processando?
JS – São realizadas publicações, debates, reuniões, além das manifestações e acampamentos. A DSA está muito ativa nisso. Estas atividades são processadas por organizações judaicas das quais já falamos e organizações palestinas que promovem atos e eventos, ressalto o Palestinian News Movement, que é muito ativo aqui e que organiza mostras de cinema, palestras, tanto no âmbito universitário como fora dos campi.
Temos trabalhado fazendo pressão sobre os parlamentares, principalmente os do Partido Democrata. Temos atuado também junto aos eleitores, junto aos momentos de suas concentrações em convenções e comícios.
É um trabalho de esclarecimento, abordagem e exigências políticas, mas que ainda enfrenta muita resistência entre os democratas, que ainda seguem em grande parte apoiando os governos israelenses.
Agora com a eleição e posse de Trump, entendemos que este trabalho tem que se intensificar.
Não nos deteremos diante do novo governo norte-americano, vamos manter o trabalho junto ao Congresso para deter o reforço financeiro e militar a Israel. Vamos seguir neste trabalho, mesmo contando com resistência a esta questão moral e humanitária por parte de senadores e deputados.
NB – Como você acha que a posição cúmplice do Biden ao genocídio impactou as eleições e ajudou a permitir o retorno de Trump?
JS – Eu tenho dito que é difícil quantificar o quanto que a posição totalmente alinhada do governo Biden a Netanyahu impactou em termos de votos. Mas é inegável que, essa posição, igualmente adotada por Kamala, impactou em geral e em particular sobre os eleitores americanos de origem árabe. Foram estes eleitores que manifestaram abertamente seu descontentamento com o posicionamento de Biden frente a Israel e aos palestinos.
Vimos isso no Estado de Michigan, que tem uma grande presença populacional árabe e onde houve uma proporção de quase 80% votando por Biden em 2020 e desta vez não chegou a 50% dos eleitores votando por Kamala.
Não é que todos estes votos migraram para Trump, muitos votaram por outros partidos, principalmente o Partido Verde que tinha Jill Stein como candidata, ou simplesmente não votaram. Foi o suficiente para fazer a diferença. Isso ficou claro no exemplo de Michigan, um daqueles chamados Estados-pêndulo, cuja variação acaba decidindo o resultado da votação no Colégio Eleitoral. (Trump ganhou de Kamala no Michigan por 80 mil votos, quando Biden havia ganho no mesmo Estado por 150 mil votos em 2020).
NB – A ONU tem, na sua programação, uma intensificação do debate e medidas para o pleno reconhecimento do Estado da Palestina, junta-se a isso a decisão da Corte Internacional de Justiça da Haia acerca da investigação do genocídio contra o povo palestino. Como você enxerga os desdobramentos destes fóruns internacionais?
JS – Em primeiro lugar, não podemos entender o contexto da conjuntura internacional neste primeiro semestre de 2025 sem observar o que Israel está provocando no Oriente Médio, o apoio à intervenção e a entrada de tropas israelenses na Síria, é um exemplo disso. O forte atrito com forças libanesas, seguido de um cessar-fogo frágil, pois não haverá paz sem o cessar-fogo em Gaza e o fim da ocupação e agressão na Cisjordânia.
As ações de Netanyahu deixam claro sua intenção de manter uma situação de conflito e de constante perigo de guerra regional no Oriente Médio inclusive com o aumento da tensão junto ao Irã.
Em segundo lugar, vamos ver como essa situação de beligerância e massacre vai ser colocada agora com o governo Trump.
Então essas evoluções na ONU e na Corte de Haia podem ajudar a mobilizar o apoio à Palestina. Além disso, durante o período eleitoral houve um certo recuo da movimentação em torno da questão palestina, todos os ativistas se voltaram para a disputa aqui dentro dos Estados Unidos, mas a tendência é retornarmos à ruas e aos campi neste ano de 2025.
O que para mim e meus companheiros está claro, é muito simples e se resume na repetida mas justa consigna de “a luta continua”. O que temos visto é uma parcela minoritária de judeus tanto nos Estados Unidos, como na Europa, no Brasil, no conjunto da América Latina, mas muito combativa e decidida a encarar os desafios que as lideranças sionistas nos colocam, de promover o debate, de divulgar os fatos e a verdade, ainda que em um terreno majoritariamente adepto a uma postura acrítica com relação a Israel, mas a realidade vai se impondo.
A História está do nosso lado, como já vimos em diversos outros momentos de crises e desafios. Isso retorna à sua questão: agora não somos somente os grupos progressistas posicionados, estamos vendo a ONU, a Anistia Internacional tomando posição. Diversos governos começando a se posicionar contra o genocídio.
A este trfabalho, nos inserimos em um esforço de mostrar o que há de melhor no judaísmo. Uma religião pautada pelo humanismo. Que prega que a morte injusta de uma pessoa é como a morte do mundo inteiro. E não só isso. Deixamos claro que somos todos iguais, especialmente palestinos e judeus e estamos buscando um importante resgate ético e moral das nossas melhores tradições. Isso é um trabalho de longa duração, como sabemos bem, parece utópico chegarmos a um amplo resgate de vetor progressista, mas muitas coisas pareceram utópicas antes de acontecerem; a própria revolução soviética e as primeiras experiências socialistas e igualitárias, por exemplo.
Enfim, a luta continua até a consagração de uma Palestina livre, com características democráticas, multicultural, multiétnica, com paz, prosperidade e direitos humanos para todos e todas.
*Jana Silverman é PhD em Economia do Trabalho, neta de sobreviventes do holocausto e tem atuado nos movimentos norte-americanos de solidariedade ao povo palestino desde a Segunda Intifada (levante palestino durante o governo do general Ariel Sharon).
Jana participou da atividade nos dias 26, 27 e 28 de novembro de 2024 intitulado “Racismo, Colonialismo e Genocídio na Palestina“