Troca de mensagens mostra não apenas omissão, mas conivência direta dos oficiais com a trama golpista urdida do Planalto
Se havia alguma dúvida de que alguns elementos que dirigiam a PM-DF estavam mancomunados com a tentativa de golpe de Jair Bolsonaro, a Operação Incúria, da Policia Federal, na sexta-feira (18), que prendeu sete oficiais, deixou claro que os comandantes agiram e conluio com os golpistas nas ações terroristas do 8 de janeiro.
A Procuradoria-Geral da República afirmou ao Supremo Tribunal Federal que há indícios de que os oficiais da Polícia Militar do Distrito Federal apagaram mensagens e podem ter se comunicado por outras formas ainda não identificadas pela própria PGR ou pela Polícia Federal.
CONTAMINAÇÃO IDEOLÓGICA
A PGR enfatiza que a cúpula da PMDF estava “contaminada ideologicamente” e esperava “insurgência popular que poderia assegurar a permanência de Jair Messias Bolsonaro na Presidência da República”. A denúncia destaca que os oficiais da PMDF foram municiados com informações suficientes para que a corporação pudesse cumprir, com sucesso, o dever de interromper a movimentação que culminou na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes.
“Não houve ‘apagão de inteligência’ ou falta de informações à Polícia Militar do Distrito Federal. Ao contrário, os denunciados receberam informes que tornavam evidente o perigo concreto e o risco de dano iminente aos bens jurídicos pelos quais deveriam zelar, com antecedência necessária para que mobilizassem suas tropas e obstassem os resultados danosos”, afirmou a PGR.
A prova de que a cúpula da PM-DF estava envolvida nos crimes de Bolsonaro no dia 8 de janeiro é que em apenas alguns minutos após a intervenção federal, a situação da depredação geral foi controlada e muitos terroristas foram presos.
O ex-comandante do Departamento de Operações (DOP) da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), coronel Jorge Eduardo Naime, chamava os militares do Exército Brasileiro de “melancias”. Para a Procuradoria-Geral da República (PGR), o apelido era uma referência à farda verde e ao vermelho, uma forma de dizer que os militares eram adeptos à “ideologia política de esquerda”.
A Polícia Federal investiga a conivência dos oficiais da PM-DF com as tramas golpistas de Bolsonaro que redundaram nos atos terroristas de 8 de janeiro. Mensagens entre os oficiais mostram a adesão dos mesmos aos intentos golpistas comandados por Jair Messias Bolsonaro.
“As mensagens coletadas no período indicam alinhamento ideológico entre os imputados e os insurgentes”, afirmou a PGR. Em nota, a PGR informou que a cúpula da PMDF aderiu “de forma dolosa, omitindo-se de cumprir o dever funcional de agir”. O órgão citou ainda uma “profunda contaminação ideológica” de parte dos oficiais da PM, “que se mostrou adepta de teorias conspiratórias sobre fraudes eleitorais e de teorias golpistas”.
AGORA É TUDO OU NADA
Numa das mensagens entre o coronel Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra, comandante do Departamento de Operações da corporação, no lugar de Naime, em 8/1 e o coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, que chefiava o 1º Comando de Policiamento Regional (cuja circunscrição compreende as áreas da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes), o golpismo está explícito.
Pela mensagem, os dois oficiais que deveriam defender Brasília, torciam para que o golpe desse certo. Num primeiro momento veio a informação dos preparativos.
“Agora eu vou te falar Paulo, eles vieram preparados [sic] para a guerra mesmo, pelo o [sic] que vi não vão se ceder [sic] de forma alguma, vão partir para o tudo ou nada. Ouvir [sic] muitas conversas referindo até mesmo morte, mas não vão se render, as coisas tá [sic] mais séria do que muitos brasileiros estão imaginando”, relatou o informante.
Na conversa entre Bezerra e Vasconcelos, os oficiais trataram a informação “com deboche e risos”, na avaliação da PGR. “Vai dar certo”, respondeu o comandante ao receber a mensagem. “Rsrs. Vai sim”, replicou Bezerra.
Numa outra mensagem, diante da chegada de manifestantes, na véspera dos atos terroristas do 8 de janeiro, o coronel Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra enviou uma mensagem para o coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues. O autor do texto dizia ter “esperança de reverter a lambança que petistas malditos fizeram no país”.
A expectativa deles era de que grande parte se deslocasse para a Esplanada dos Ministérios no dia 8 de janeiro. “Eu tô com muita esperança e vamo consegui reverter essa… essa lambança que estes petistas malditos fez com o nosso país. Com fé em Deus nós vamos reverter isso aí. Falou, um abraço, meu amigo, fica com Deus [Sic]”, dizia a mensagem.
NÃO VOU PERMITIR FORÇA NACIONAL
De acordo com a PGR, os oficiais seguiram no dia 8 com o emprego de efetivo insuficiente e incompatível com a dimensão dos anunciados eventos. “Poderiam, nesse sentido, a despeito da omissão dos comandantes-gerais da PMDF, que determinaram a atuação de tropas não suficientes, ter corrigido os vícios operacionais evidentes, impedindo o resultado lesivo”, diz um trecho da denúncia.
“Eu tô com muita esperança e vamo consegui reverter essa… essa lambança que estes petistas malditos fez com o nosso país. Com fé em Deus nós vamos reverter isso aí. Falou, um abraço, meu amigo, fica com Deus [Sic]”, dizia a mensagem.
Numa outra mensagem o major Flávio de Alencar, responsável pelas tropas em campo no dia 8, se dirige ao Comandante de Policiamento Regional (1º CPR) da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues e diz:
“Eu não vou permitir a atuação da Força Nacional na nossa Esplanada, viu? Não vou autorizar”, disse o major Flávio de Alencar, em mensagem enviada ao coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, ex-comandante do 1º Comando de Policiamento Regional (1º CPR) da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), na véspera dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro.
Ambos foram presos e afastados dos cargos nesta sexta-feira (18). A mensagem consta na denúncia apresentada pela PGR. Segundo os procuradores, os oficiais conversaram após receberem a informação de que o ministro da Justiça, Flávio Dino, tinha autorizado a presença da Força Nacional para garantir a segurança na Esplanada dos Ministérios em 8 de janeiro.
AÇÃO CRIMINOSA
Flávio, então reforçou que “confrontaria” eventual presença da Força Nacional. “Coronel, vou falar uma coisa pro senhor. Eu não tenho medo de ninguém, não, Coronel. Se eu sou o comandante aqui da área, a área é minha. Eu não vou autorizar, não. Já vou deixar o senhor ciente”.
“Coronel, vou falar uma coisa pro senhor. Eu não tenho medo de ninguém, não, Coronel. Se eu sou o comandante aqui da área, a área é minha. Eu não vou autorizar, não. Já vou deixar o senhor ciente”
A PGR identificou neste comportamento uma ação criminosa. “Diante de todos os riscos já conhecidos pelos oficiais da PMDF, não se contentaram os denunciados com o emprego de um efetivo deficiente, com o desiderato de permitir que os ataques aos Três Poderes se concretizassem. Os denunciados tinham receio de eventual atuação eficaz das forças federais, o que poderia comprometer a ação golpista”, argumentou a PGR.
“Por todo o exposto neste tópico, vê-se que a atuação isolada ou conjunta dos oficiais de alta patente denunciados teria sido suficiente para evitar os resultados lesivos ocorridos em 8 de janeiro de 2023”, ressaltou a denúncia.
Em um dos diálogos, a dois dias do segundo turno das eleições de 2022, o coronel Klepter Rosa Gonçalves – que era subcomandante da corporação na data das ações golpistas – compartilhou com o então chefe da PMDF, coronel Fábio Augusto Vieira, áudios atribuídos falsamente a Ciro Gomes, no qual fala em afastamento de “Xandão”, em referência ao ministro do STF Alexandre de Moraes, que agora decretou a prisão de ambos.
De acordo com os áudios, na hora da confirmação da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República seria “restabelecida a ordem, se afasta Xandão [sic], se afasta esses vagabundo tudinho [sic] e ladrão, safado, dessa quadrilha”. “Não admito que o Brasil vai deixar um vagabundo, marginal, criminoso e bandido, como o Lula, voltar ao poder”.
“Não admito que o Brasil vai deixar um vagabundo, marginal, criminoso e bandido, como o Lula, voltar ao poder”
Ainda segundo o comunicado, os denunciados devem responder, por omissão, pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; dano qualificado pela violência e grave ameaça, com emprego de substância inflamável, contra o patrimônio da União com considerável prejuízo para a vítima; e deterioração de patrimônio tombado, além de violação dos deveres a eles impostos; violação de dever contratual de garante; e ingerência da norma.
OFICIAIS PRESOS
Os oficiais foram presos na sexta-feira (18). “Os mandados foram determinados pelo relator do Inquérito 4.923 no Supremo Tribunal Federal, ministro Alexandre de Moraes, e cumpridos de forma conjunta pela Procuradoria-Geral da República e Polícia Federal”, concluiu a PGR. A ofensiva é aberta após pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República). São alvos da investigação:
Coronel Fábio Augusto Vieira, ex-comandante-geral da PMDF; coronel Klepter Rosa Gonçalves, ex-subcomandante da PMDF, que foi nomeado comandante-geral dia 15 de fevereiro; coronel Jorge Eduardo Naime Barreto, ex-comandante do Departamento de Operações, que saiu de licença; coronel Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra, que substituiu Naime no 8 de janeiro; o coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, ex-chefe do 1º Comando de Policiamento Regional da PMDF; major Flávio Silvestre de Alencar e o tenente Rafael Pereira Martins.