“Nós somos o mesmo país, o mesmo povo, e não deveríamos estar separados pela hostilidade”, disse Kim. “As esperanças de todos os coreanos estão muito altas. E eu creio que sobre nós pesa uma responsabilidade imensa”, aquiesceu Moon
Uma cúpula marcada pela cordialidade, fraternidade e calor humano anunciou na sexta-feira (27) ao mundo que uma era de paz é possível na Península Coreana. O encontro entre Kim Jong Un, o neto de 35 anos do fundador da Coreia socialista, e Moon Jae-in, 65 anos, da geração que se levantou contra a ditadura feroz no sul, foi entusiasticamente bem-vindo nas duas partes em que a península coreana ainda está dividida.
A Declaração de Panmunjon, anunciada pelos dois ao final de um dia emocionante, abre o caminho para a reconciliação intercoreana, acena à reunificação, proclama o objetivo de assinar o quanto antes uma paz definitiva e concorda com a meta de fazer da península coreana uma zona livre de armas nucleares.
Um momento tão especial, e vivido diante dos olhares do mundo, que torna mais improváveis os retrocessos. “Não haverá volta atrás”, afirmaram Kim e Moon em certo momento, cônscios de que as esperanças de 80 milhões de coreanos, do norte e do sul, dependiam dessa cúpula.
Talvez para os estrangeiros seja difícil entender em profundidade o que ocorreu ali em Panmunjon: são irmãos que se reencontram, a volta do filho pródigo. No auge da ditadura fascista no sul, conversar com um ‘norte-coreano’ dava dez anos de cadeia; ir ao Norte, prisão perpétua.
Daí toda a beleza do gesto de Kim, após cruzar a divisa artificialmente mantida até hoje, para o sul, estendendo a mão a Moon, chamando-o para que, também ele, cruzasse por ali até o outro lado, o norte, pedido atendido com um sorriso pelo líder do sul.
Mais tarde Kim comentou que a divisa “não era tão alta assim”, e se muita gente passasse por ali, acabava sumindo. Moon saudou Kim por sua “coragem”, se disse feliz por conhecê-lo e que a presença ali do líder do norte fazia de Panmunjon não mais um símbolo da divisão, mas “da paz”.
Ao fazer o discurso de Ano Novo em que chamou todos os coreanos a tomarem nas próprias mãos a decisão sobre seu destino, gesto que abriu caminho para a delegação conjunta aos Jogos Olímpicos de Inverno no sul, Kim havia usado uma expressão muito clara e simples: “entre nós coreanos”.
Foi uma sucessão de reencontros. O plantio de um pinheiro, brotado em 1953, com terra trazida tanto do sul quanto do norte, e regado com água de um rio do sul e outro do norte. A conversa a sós, sem qualquer assessor, por mais de meia hora, em um banco em uma pontezinha – símbolo de união – perto da Casa da Paz. Os braços erguidos após a leitura da Declaração de reconciliação e paz de Panmunjom.
A cena do chefe do serviço secreto do sul, Suh Hoon, em lágrimas, por poder viver esse momento, e pela conjuração do perigo de guerra. O braço estendido de Kim, para fora da limusine oficial, com Moon e sua esposa aplaudindo e se despedindo, ao final do dia. Um até breve. O mapa da península coreana sem divisão talhado no espaldar das cadeiras da sala de reunião.
Na conversa de abertura, Kim disse que “levou 11 anos para alcançar este encontro” e acrescentou que, quando estava caminhando rumo a Moon, se perguntou “porque demorou tanto, porque a jornada foi tão difícil”. “Eu verdadeiramente experimentei um fluxo de emoções ao caminhar aqueles 200 metros, pensando que aqueles 11 anos não terão sido em vão se continuarmos como você [Moon] disse nos reunindo periodicamente para resolver questões e unir nossas vontades e formas de pensar”.
O líder norte-coreano conclamou a “olhar para o futuro, caminhando de mãos dadas, mais do que retornando ao ponto de partida como fizemos no passado”. “Precisamos assumir a responsabilidade por nossa própria história”, acrescentou Kim. “Nós esperamos por este dia por muito tempo. Estamos ligados pelo sangue e não podemos ser separados. Nós somos o mesmo país, o mesmo povo, e não deveríamos estar separados pela hostilidade”.
“Estamos esperançosos de que possamos abrir uma nova estrada em direção a um novo futuro, e por isso que cruzei a linha de demarcação hoje. Ansiamos por uma nova era de paz, e reafirmamos o nosso compromisso quanto a isso”.
ESPERANÇAS
O presidente Moon apontou que o tempo estava “ensolarado, como para celebrar o significado de hoje”. “As esperanças do povo do norte e do sul da Coreia e dos coreanos vivendo no exterior estão muito altas. E eu creio que sobre nós pesa uma responsabilidade muito grande”.
Referindo-se às “expectativas no mundo inteiro” sobre a cúpula, Moon fez questão de reiterar seus “respeitos pela decisão do presidente Kim de criar esta situação”. “Eu espero que nós possamos ser tão generosos hoje em ter um diálogo e alcançar um acordo que oferecerá um presente ao povo coreano e a todas as pessoas do mundo que querem a paz”. “Já que temos o dia todo para conversar hoje, vamos falar plenamente sobre todas as coisas que não pudemos nos últimos 10 anos”.
Outra característica de Kim que foi surpreendente para alguns que caíram no conto do ‘ditador que mata com tiro de canhão antiaéreo quem dorme em reunião’, foi o bom humor. Disse que havia trazido de Pyongyang um prato de naengmyeon, um tipo de macarrão frio muito apreciado em Seul. Também brincou com Moon de que “não iria mais acordá-lo” com os testes de mísseis. Além das medidas para intensificar a interação entre coreanos, a Declaração de Panmunjom aponta para a discussão da paz definitiva com os EUA e a China, também signatários do armistício.
ANTONIO PIMENTA