
Encontro em Jerusalém teve representantes de 60 organizações do Campo da Paz, condenando o massacre de palestinos, exigindo o fim da ocupação dos territórios palestinos e apoiando a Solução dos Dois Estados com o estabelecimento do Estado Palestino
“Na Cúpula Popular pela Paz em Jerusalém, a maioria dos oradores fez questão de ressaltar a vastidão das mortes palestinas na guerra de Gaza em relação as mortes israelenses, na presença de 5.000 israelenses e palestinos que se reuniram para exigir um fim ao banho de sangue”, afirmam as jornalistas Rachel Fink e Linda Dayan em matéria publicada neste domingo (11) no jornal israelense Haaretz.
Segundo a reportagem, à entrada do Centro Internacional de Convenções, milhares de participantes expressavam uma única exigência: o cessar-fogo imediato “em discordância com os rumos adotados pelo governo e forças armadas israelenses”.
“Muitos dos que se pronunciaram não evitaram as palavras mais contundentes, condenaram a limpeza étnica realizada por Israel, o esfomeamento deliberado em Gaza e a brutal violência dos colonos judeus na Cisjordânia”.
Aliás, dizem as jornalistas, “o local escolhido encaixava bem com o propósito do encontro do que próximo à Esplanada das Mesquitas, local considerado sagrado para árabes e judeus”.
O evento, programado para os dias 8 e 9 de maio (numa alusão à vitória sobre o nazismo na Segunda Guerra Mundial) teve início na quinta-feira com uma caminhada com dois guias, um israelense e um palestino, pelas ruas da milenar Jerusalém.
O encontro foi convocado por uma coalizão formada nestes meses de extermínio em Gaza denominada “Chegou a Hora” reunindo 60 organizações pela paz das mais diversas tendências.
Durante a caminhada, os participantes eram estimulados a conversar, muitas vezes se abriam discussões com as pessoas apresentando pontos de vista distintos, mas sem abrir mão da perspectiva do cessar-fogo e do entendimento em favor da paz. A opinião prevalente era pelo estabelecimento do Estado da Palestina com a retirada das forças da ocupação israelense.
A ideia dos jornalistas que comandavam a caminhada (a judia e ativista Yael Moav e o palestino diretor de uma empresa de turismo, Aziz Abu Sarah) era abrir a discussão mostrando que apesar de não haver um consenso em tudo, há suficiente unidade contra a perspectiva odiosa representada pelos que estão no poder em Israel. A perspectiva era abrir e estimular o diálogo.
MULTIDÃO DE COMPROMETIDOS
O primeiro dia foi cheio de atividades, com filmes, concertos, instalações de arte, trocas de ensinamentos de artesanato, rezas ecumênicas e serviço de culinária diversificada, desde pitas a burekas.
Já no dia 9, uma longa fila de jovens, adultos e idosos se formou à entrada do Centro de Convenções em cujo interior uma diversidade de panfletos era distribuída.
“Entre os integrantes da multidão de comprometidos o casal de árabes vindos da Galileia, Muhammed e Ikhlas, trazia cartazes em hebraico e árabe declarando ‘Não à Guerra, Sim à Paz’”. “Uma longa viagem, mas vale a pena”, disse Ikhlas.

Casal de árabes vindos da Galileia, Muhammed e Ikhlas, trazia cartazes em hebraico e árabe declarando ‘Não à Guerra, Sim à Paz’”
Balançando a cabeça em acordo, Muhammed acrescentou que “viemos fortalecer o movimento pela paz, porque é muito importante para nós. Chega. O que está acontecendo é uma desgraça”.
“MAIOR, MAIS AMPLO, MAIS DIVERSO”
Espelhando o caráter de frente antifascista da Cúpula o ator Yossi Marshak (judeu) e a jornalista Nadin Abu Laban (árabe) abriram o debate do dia 9 destacando que o Campo da Paz está se tornando “maior, mais amplo e mais diverso do que nunca antes”.
Com o auditório de 3.000 lugares inteiramente lotado, “uma procissão de artistas, acadêmicos, militares reservistas, parentes enlutados, pais que estão com filhos aprisionados em Gaza e ativistas contra o governo de Netanyahu” se revezaram ao microfone “unidos em conclamar por um imediato cessar-fogo, retorno dos prisioneiros, fim da ocupação e geração de um futuro político compartilhado”, informam as jornalistas Rachel e Linda.
A seguir, três duplas de israelenses e palestinos que têm trabalhado juntos com os mesmos objetivos se apresentaram: Rula Dawud e Alon-Lee Grin (da organização de israelenses e palestinos “De Pé Juntos”); Maoz Inon (cujos pais morreram no ataque da Resistência Palestina de 7 de outubro de 2023 e que se tornou um ativista destacado pela paz e imediato cessar-fogo e nos preparativos para esta atividade) e Aziz Abu Sara (cujo irmão morreu em masmorra israelense) e ainda a médica Yael Admi e a ativista Sumaya Bashir (da organização “Mulheres Produzem a Paz). “Chegou a hora das mulheres – todas as mulheres – se porem de pé, de trabalharem juntas, em profunda parceria por um futuro de igualdade, liberdade segurança e paz para todos”, disse Bashir.
O ativista Maoz Inon destacou ainda que “há hoje dezenas de milhares mais vítimas do que no evento do ano passado. O abismo é mais profundo e a realidade é mais sangrenta. Parece que para chegarmos à paz e a um evento de reconciliação está mais difícil e exige ainda mais coragem e determinação”.
Mesmo assim Inon se mostra otimista: “a coalizão pela paz aumentou, muito mais organizações estão se juntando neste evento e o número de participantes passa de 5.000”.

O ativista Maoz Inon, um dos organizadores da Cúpula Popular pela Paz (Charlie Summers-Times of Israel)
“Cada um de nós aqui”, prosseguiu Inon, pode agir para acabar com a guerra, para um acordo abrangente e o estímulo ao desenvolvimento de lideranças para os dois povos. Ao invés de buscar uma revanche em nome dos meus pais que não estão mais aqui [refetindo-se à perda de seus pais na fronteira com Gaza em 7 de outubro de 2023], estou aqui com vocês apesar da dor, e por causa dela. Eu escolho dar um futuro diferente para meus filhos”.
O evento avançou com mensagens do presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas; do líder do Partido Democratas, Yair Golan; do presidente da França, Emmanuel Macron.
“O DERRAMAMENTO DE SANGUE É INACEITÁVEL”, DIZ EX-PREMIÊ DE ISRAEL
“O derramamento de sangue é insustentável e inaceitável. Gaza é palestina, não é Israel e tem que integrar o Estado da Palestina”, afirmou o ex-premiê Ehud Olmet que é um dos mais destacados opositores ao regime de Netanyahu.

O ex-premiê Ehud Olmert ao lado do líder comunista Ayman Odeh
Também se fizeram presentes e se manifestaram no encontro – defendendo a paz e a Solução dos Dois Estados – os embaixadores da França, Alemanha, Holanda e ainda o representante da União Europeia para os territórios palestinos.
AUTORIDADE NACIONAL PALESTINA SE FAZ PRESENTE
O presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, foi convidado a falar na Cúpula da Paz e o fez por vídeo para dizer que “após todos estes anos de conflito, guerra e sofrimento, muitos se perguntam se ainda há uma chance de alcançarmos a paz baseada na Solução dos Dois Estados”.
“Eu afirmo que com confiança, sim, a paz pode ser alcançada e todos os povos da região podem vivem em segurança e estabilidade”.
“Para que isso aconteça”, acrescentou Abbas, “tem que haver justiça para garantir a todos os seus direitos”.

O presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmud Abbas, se dirige a israelenses e palestinos
O presidente francês também falou por vídeo, saudando o encontro como “um sinal de de esperança em um tempo marcado pela dor”.
Ele prosseguiu afirmando que “a Solução dos Dois Estados é a única possibilidade para a paz e segurança para todos”.
O líder da coalizão que reúne os comunistas do Hadash e os árabes do partido Ta’al, Ayman Odeh, declarou “Quero trazer a vocês uma proposição crucial – é sobre o papel histórico dos árabes. Sem a nossa participação no processo de paz, é possível impor uma ditadura, mas sem nós é impossívelconstruir uma democracia”.
“Sabemos que até durante esta torturante e sangrenta agressão, judeus e árabes – vocês todos aqui – continuaram e continuam a ter fé uns nos outros e a acreditar que somente juntos podemos vencer”, concluiu Odeh.
Um dos deputados a se posicionar de forma mais clara sobre a devastação perpetrada por Netanyahu foi o trabalhista Gilad Kariv, que denunciou: “sob a nuvem desta guerra, a máquina de anexação da Cisjordânia está acontecendo a uma velocidade estonteante e violenta”.