A homenagem que Bolsonaro fez, na posse do general Joaquim Silva e Luna na diretoria de Itaipu, ao ex-ditador do Paraguai, Alfredo Stroessner, causou um mal estar geral dos dois lados da fronteira.
É verdade que o presidente do Paraguai, Mario Abdo, que é filho do secretário de Stroessner, até gostou – ou fingiu que gostou, pois Stroessner, que está há 12 anos dando coices no Inferno (morreu no exílio, infelizmente, em Brasília), não é patrono que se recomende no Paraguai nem em lugar algum.
Até mesmo a imprensa conservadora pulou. Por exemplo:
“A semana passada foi outra surreal. O presidente Jair Bolsonaro elogiou o ditador sanguinário, corrupto e pedófilo Alfredo Stroessner, o ministro Vélez Rodriguez trocou a ‘escola daquele partido’ pela ‘escola deste partido’, o motorista Fabrício Queiroz disse que ‘gerenciava’ as contas do gabinete de Flávio Bolsonaro no Rio, sem que ele soubesse. Nesse ambiente, Sérgio Moro caiu do pedestal de superministro, desautorizado a nomear a mera suplente de um mero conselho” (Eliane Catanhede, OESP, 03/03/2019).
Durante os 35 anos da ditadura de Stroessner, houve 3 mil mortos, 336 desaparecidos, 19.862 pessoas foram presas, 20 mil foram torturadas e 3.479 foram exiladas – em um país com população 30 vezes menor que a do Brasil.
Stroessner era um ladrão como poucos houve. A diferença de sua quadrilha para, por exemplo, a de Fujimori, no Peru, foi que a dele esteve no poder mais de três décadas no Paraguai.
Além de simpatizante do nazismo, era um pervertido: Stroessner e seu entorno mantinham haréns de escravas sexuais menores de 15 anos, meninas que eram raptadas.
Aqui, remetemos o leitor ao testemunho de uma das vítimas: https://youtu.be/C1-hpKuKFls.
Além disso, v. Un tour por los cinco lugares donde se consumó la pedofilia dictatorial; “Aunque los vecinos lo callan, en este lugar estuvo el harén de Stroessner”; “El dictador Stroessner violaba a unas cuatro niñas por mês”; e El supremo pederasta).
Esse foi o sujeito que Bolsonaro elogiou: “Tudo isso [Itaipu] foi possível com um homem de visão, um estadista, minha homenagem em honra ao general Alfredo Stroessner”.
Honra?
Stroessner, por sinal, não teve qualquer participação em Itaipu, exceto concordar com os planos – e os termos – do governo brasileiro de então, por sinal, desfavoráveis ao seu país.
NOITES DO ITAMARATY
À lista de acontecimentos surrealistas, mencionada acima, é possível, hoje, acrescentar a demissão do embaixador Paulo Roberto de Almeida da presidência do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), do Itamaraty, no sábado de carnaval.
O embaixador Almeida é um homem (v. o seu blog, Diplomatizzando) com posições, digamos, à direita do seu ídolo, o falecido Bob Fields – isto é, Roberto Campos -, que foi embaixador e mandachuva econômico no primeiro governo da ditadura.
Almeida tem a opinião, entre outras coisas, que a diplomacia do PT estava errada, porque não tinha como centro os EUA. Aliás, às vezes ele passa a impressão de que considera o que chama de “lulopetismo” uma variante do nacionalismo ou do comunismo.
Então, por que ele foi demitido?
Porque, apesar de seus predicados ideológicos, não é uma besta quadrada. Almeida tem algum lustro de cultura – e não é doido, a ponto de negar a realidade completamente.
O ministro Araújo demitiu Almeida por ter publicado três textos, em seu blog pessoal: uma palestra de Rubens Ricupero, um artigo de Fernando Henrique Cardoso – ambos ex-ministros das Relações Exteriores – e um artigo do próprio Ernesto Araújo, esculhambando com os anteriores (como diz Almeida: “claro, teci comentários”).
Durante todo o tempo em que era um diplomata júnior – isto é, até a posse de Bolsonaro – Araújo publicou o que quis em seu blog, inclusive os maiores absurdos (v. Para chanceler de Bolsonaro, voltar à Idade Média é bom).
Mas, agora, quer proibir os diplomatas de fazerem o que ele fez.
Após a publicação dos três textos em seu blog, Almeida recebeu um telefonema do chefe de gabinete do ministro, Pedro Gustavo Ventura Wollny, “reclamando das minhas postagens”.
Logo, Almeida foi demitido.
Diz ele que desconfia que houve outro motivo para a demissão: a postagem, em seu blog, intitulada “Fundamentalistas de esquerda e de direita não só se parecem, como são exatamente iguais”, acompanhada das considerações do deputado Eduardo Bolsonaro sobre a possibilidade de Lula comparecer ao velório de seu neto: “Lula é preso comum e deveria estar num presídio comum. Quando o parente de outro preso morrer ele também será escoltado pela PF para o enterro? Absurdo até se cogitar isso, só deixa o larápio posando de coitado”.
Depois da demissão, o astrólogo Olavo de Carvalho publicou mensagem do ministro Araújo, onde este diz:
“Almeida já vinha falando e postando muita coisa contra a nova política externa (nunca a favor), e eu tolerava, mas desta vez ele passou dos limites”.
Resposta de Almeida:
“Creio saber o que ele não tolera mais, ao dizer que eu passei dos limites. Creio que se refere a esta postagem que fiz sobre um comentário debiloide do Olavo de Carvalho que não faz absolutamente nenhum sentido do ponto de vista do comércio internacional. Eu tenho certa alergia à burrice, o que me leva a reagir quando leio ou ouço absurdos desse tamanho. Confiram esta postagem que fiz dois ou três dias atrás:
Olavices debiloides:
Certas coisas precisam ser relidas para constatar que, efetivamente, estamos em face de uma demonstração explícita de debilidade mental:
“Por que o período de nosso maior comércio com a China foi também o de maior decadência social, econômica, política e moral do Brasil?
“Pura coincidência?
“Qual país a China enriqueceu, general Mourão?
“Olavo de Carvalho”
Como a China continua a ser, a despeito do que possa pensar o sofista da Virgínia, nosso maior parceiro comercial, esse gênio da economia e do comércio imoral está afirmando, implicitamente, que o governo Bolsonaro continua empurrando o Brasil para a “decadência social, econômica, política e moral”.
É essa inteligência suprema que orienta a política externa do presente governo?
Pois é.
C.L.
A insensatez é a lógica desse desgoverno em todos os ministérios, portanto, vai derreter como cera em chapa quente e os malfeitores pararão por isso.