“Além do protagonismo do Estado e de um plano de ação, o papel do gás natural na matriz energética depende de muita pesquisa e desenvolvimento tecnológico, de engenheiros especializados formados por nossas universidades e do avanço da química do gás; um domínio industrial que está a se perder, em completo anacronismo com o que ocorre lá fora. O foco no hidrogênio se justifica, mas, não deve ser único, uma vez que os resultados virão em uma década ou mais“, afirma Luís Eduardo Duque Dutra, professor adjunto da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Segundo o especialista, “as expectativas eram enormes quanto ao gás natural no início da década passada“. “Depois de meados da década, contudo, o que se vê é retrocesso: o consumo caiu, o preço está nas alturas, nenhum quilômetro de gasoduto de transporte foi acrescido, metade da produção nacional é devolvida à reserva, enquanto o país depende de importações e, enfim, capturado pela eletricidade, hoje, o uso do gás como matéria-prima é insignificante. Ou seja, tudo deu errado e as propostas não devem insistir em desmembrar as atividades, vender ativos, fatiar a indústria e esperar a promoção do investimento“.
Reproduzimos a seguir o artigo do professor na íntegra, reproduzido do site Petróleo Hoje da Editora Brasil Energia.
DA RETÓRICA À AÇÃO EM FAVOR DO GÁS NATURAL
LUÍS EDUARDO DUQUE DUTRA*
As expectativas eram enormes quanto ao gás natural no início da década passada. Até hoje, o pré-sal é a maior descoberta do século em O&G e, à época, a bacia sedimentar do Parnaíba se revelava a mais nova província de gás não associado em terra. A infraestrutura de movimentação finalmente fora ampliada: completou-se o gasoduto do Ceará ao Rio Grande do Sul, conclui-se o duto que leva gás de Urucu a Manaus e três terminais para importar GNL foram construídos. A fonte deixara de ser marginal, de ter participação residual na matriz energética e se colocava como ponte para a transição, que já se mostrava imperativa.
Depois de meados da década, contudo, o que se vê é retrocesso: o consumo caiu, o preço está nas alturas, nenhum quilômetro de gasoduto de transporte foi acrescido, metade da produção nacional é devolvida à reserva, enquanto o país depende de importações e, enfim, capturado pela eletricidade, hoje, o uso do gás como matéria-prima é insignificante. Ou seja, tudo deu errado e as propostas não devem insistir em desmembrar as atividades, vender ativos, fatiar a indústria e esperar a promoção do investimento. Mesmo antes da queda da Dilma, as numerosas iniciativas neste sentido tinham fracassado. Depois, a inércia foi agravada pela desordem regulatória e tributária promovida pelo governo federal.
A indústria do gás natural não carece de competição, ao contrário, seu maior concorrente é o petróleo, o que lhe exige uma performance única e, em nenhum lugar do mundo, mesmo nos EEUU, trata-se de um mercado livre; sempre foi regulado. A razão é a infraestrutura de movimentação que a torna uma indústria de rede, na qual o monopólio é natural, segundo a microeconomia neoclássica. A economia contemporânea fala que os mercados “falham”. No Brasil, é mais simples: faltam estado, planejamento e ação, embora o país ainda disponha de instrumentos de política pública para intervir diretamente no setor.
A infraestrutura dedicada à movimentação e ao aproveitamento é exclusiva, exige orçamentos bilionários e será ocupada pelos próximos trinta anos, ao menos. Esses investimentos não se realizarão sem a garantia de retorno e projetos meticulosamente elaborados. O problema, portanto, é estrutural, de como financiar o longo prazo e nada adianta a retórica ministerial, o planejamento indicativo e a regulação em favor da concorrência. Ainda bem que, pela Constituição, como unidades federativas, os estados dispõem dos meios para exercer a competência em defesa do interesse público no setor. Por isso, nos últimos anos, alguma expansão ocorreu justamente nos dutos de distribuição daqueles mercados já instalados e onde a regulação é estadual.
Além do protagonismo do Estado e de um plano de ação, o papel do gás natural na matriz energética depende de muita pesquisa e desenvolvimento tecnológico, de engenheiros especializados formados por nossas universidades e do avanço da química do gás; um domínio industrial que está a se perder, em completo anacronismo com o que ocorre lá fora. O foco no hidrogênio se justifica, mas, não deve ser único, uma vez que os resultados virão em uma década ou mais.
A miniaturização dos equipamentos, a tecnologia de liquefação, a padronização dos processos produtivos, a transformação química em amônia, ureia e metanol, o armazenamento do gás, o GNV e o GNL para veículos pesados, a produção de biogás, o potencial do gás de folhelho… não faltam segmentos nos quais o esforço tecnológico se acelerou e já mostra resultado. Por aqui, hoje, quando eles existem, quem direciona esses investimentos? As mesmas empresas que não investem em seu escoamento do pré-sal.
Luís Eduardo Duque Dutra é doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Paris-Nord e professor adjunto da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autor de “Capital Petróleo: a saga da indústria entre guerras, ciclos e crises” pela Editora Garamond.