Para Roberto D´Araujo, diretor do Ilumina, “é preciso estar atento aos defeitos da modelagem de mercado adotada no setor elétrico, pois, foi ela que produziu as duas vítimas: o consumidor e a Eletrobras”
Em artigo publicado na segunda-feira (5), Roberto Pereira D´Araujo, engenheiro e diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), alerta para o processo de “pejotização” generalizada no setor de energia no país.
De acordo com o especialista, esse processo ocorreu com a privatização de empresas com usinas prontas, sem a exigência de construção de novas usinas. D’Araujo argumenta que a “pejotização” do trabalho é um processo que individualiza o trabalhador ao privá-lo de direitos previdenciários que, a curto prazo, servem para financiar as aposentadorias atuais, além de impossibilitar sua própria aposentadoria no futuro.
“Evidentemente, a parte mais atingida é a previdência social. Como são considerados “hipersuficientes”, os salários “pejotizados”, mais elevados, não colaboram com a formação de um fundo coletivo onde os mais velhos se aposentam. Pior, onde os mais pobres procuram assistência”, diz.
“Mas, o que isso tem a ver com a energia? Por incrível que pareça, adotamos a pejotização das usinas hidroelétricas ao, através da Lei 12.783/2013, basear o preço da energia de uma usina ‘amortizada’ como o custo de operação e manutenção da própria usina e não da usina na empresa. Uma visão contábil individualista do sistema. Uma pejotização”, afirma.
Para ele, no caso da produção energética brasileira, não se levou em conta que as usinas “velhas” financiam a construção de novas usinas para atender a demanda nacional. “A amortização desses ativos, dentro da contabilidade das empresas, encaradas sob um autofinanciamento planejado, é capaz de ampliar a oferta de energia”, afirma Roberto.
O discurso neoliberal de demonização das empresas públicas, imputando nessas a pecha de ineficiência e desconfiança, promoveu o “abandono do princípio do coletivo na sociedade que se observa desde 1995. Desconfia-se das estatais e, ao invés de moralizá-las, privatiza-se sem compreender que privatizar não é apenas vender empresas”.
“Na década de 90, além de mais de 80 estatais privatizadas com financiamento do BNDES, a Eletrobras também foi posta à venda. Evidentemente, o capital tem seus próprios limites e, ao perceber que haveria uma verdadeira liquidação de usinas, os investidores se desinteressaram por novos desafios. Na realidade, o racionamento de 2001 ocorreu por conta do déficit de mais de 8.000 MW médios de oferta. Praticamente uma usina de Itaipu era esperada e não ocorreu. São Pedro não foi o culpado”.
O engenheiro do Ilumina afirma que essa pejotização atingiu também os consumidores que se ‘individualizam’ no consumo de um produto, o kWh. “Em nenhum sistema elétrico o kWh pode ser individualizado. Afinal, temos uma rede que une o país de dimensões continentais, e por mais que o consumidor livre acredite estar consumindo energia de uma fonte vantajosa, ele não sabe de onde vêm seus kWh”, explica.
Roberto argumenta que o debate é essencial quando se discute a transição de governo, pois esse sistema gerou a necessidade de intervenções da Eletrobras, que foi usada para tentar corrigir as trajetórias de elevação de tarifa, vantagens indevidas e baixo investimento observados nesse período.
“Ao contrário do que é informado, em 2008 atingimos um ciclo de alto risco estrutural. Segundo os critérios vigentes, o consumo atingia os limites definidos pelas autoridades e aceitos pelo mercado. Por que não tivemos um momento de aperto energético? Porque temos uma hidrologia típica de país tropical que nos surpreendeu com três anos seguidos de recordes de chuva (2009 a 2011). O perigo estrutural foi camuflado por situações conjunturais. O mercado livre, totalmente pejotizado, capturou vantagens conjunturais por dez anos, deixando de fora os consumidores cativos, ou não-pejotizados”, fundamenta.
Com a preponderância do modelo individualista, que sempre permaneceu dominante, para garantir o aproveitamento de potenciais conhecidos, a Eletrobras foi obrigada a formar parcerias com o setor privado onde ela é minoritária, com mais de 16 GW construídos sob esse esquema.
D’Araujo defende que é necessário mudar a lógica desse sistema ou podemos repetir os erros do passado. “Se a pretensão é reestatizar a Eletrobras, tirando o Brasil da vergonhosa situação de ser o único país de base hidroelétrica majoritariamente privado, é preciso estar atento aos defeitos da modelagem de mercado adotada, pois, foi ela que produziu as duas vítimas: O consumidor e a Eletrobras”, conclui.