No que a Reuters descreveu como “configuração sombria para Davos: crises em abundância”, começou na terça-feira (22) o Fórum Econômico Mundial, o mais esvaziado desde que o regabofe nos Alpes suíços se transformou nos anos 1990 no símbolo da ascensão do neoliberalismo e da globalização no planeta. Desde 2008, com o crash de Wall Street, o Foro não está com essa bola toda, mas sempre é um bom pretexto para uma champagne de primeira.
Com problemas em casa, Donald Trump (‘fechamento do governo’/muro), Emmanuel Macron (Coletes Amarelos) e Theresa May (Brexit), decidiram não ir. Também não vão Vladimir Putin (Rússia), Xi Jinping (China) e Narendra Modi (Índia), que têm assuntos mais sérios para tratar.
Bons tempos em que em Davos se extasiavam com o ‘fim da história’ a fina flor dos banqueiros, magnatas e negocistas das bolsas, a que se atraíam como moscas governantes e vassalos do mundo todo em busca dos ‘investimentos estrangeiros’, inclusive alguns desavisados, e com um séquito de puxa-sacos e deslumbrados em volta.
Este ano, os adoradores de derivativos e criptomoedas vão ter que se contentar com a primeira-ministra alemã Angela Merkel em fim de carreira, o premiê japonês Shinzo Abe e o príncipe William. E os papagaios de pirata, com figuras de menos prestígio, como o banqueiro Steve Mnuchin, o magnata Bill Gates e o quase presidente Al Gore. No primeiro dia do Davos-2019, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro se apresentou ao Primeiro Mundo, com seu inconfundível e desideologizado “é isso daí”.
Na véspera, o FMI andara antevendo nuvens à frente e uma desaceleração global, cenário considerado otimista por alguns que acham que o próximo crash já pode estar esperando no virar da esquina, com dez anos transcorridos desde 2008, quando na média a duração é de quatro a sete anos.
Conforme o texto de apresentação do Foro de Davos, a reunião deste ano está ocorrendo em um “contexto de incertezas, fragilidades e controvérsias sem precedentes”. Entre as fontes de incerteza apontadas estão o Brexit e a freada na indústria alemã, as crises na Argentina e Turquia, o aumento da dívida global para 225 % do PIB do planeta – muito acima do patamar de 2008 – e a guerra comercial de Tump contra a China. Além do acirramento dos “confrontos geopolíticos” – no vocabulário de Davos, imperialismo é uma palavra inconveniente.
Indaga o Relatório Davos-2019 se “o mundo está marchando como sonâmbulo para uma crise”, ao mesmo tempo que admite que “a vontade coletiva de enfrentar [os riscos globais] parece estar faltando”, o que atribui “a uma mudança no mundo para políticas fortemente centradas no Estado”.
Em entrevista no lançamento do Relatório, o presidente atual do Foro, o ex-chanceler norueguês Borge Brende, advertiu que “nós simplesmente não temos pólvora para lidar com o tipo de desaceleração a que a dinâmica atual pode nos levar”.
O pomposo tema do Foro deste ano é “Globalização 4.0: moldando uma arquitetura global na era da quarta revolução industrial”, muito atual numa época em que os EUA, com a ajuda do Canadá, mantêm sob sequestro uma executiva chinesa, para zerar o atraso na corrida pelas redes 5G.
O fundador do Foro – no ano em que Nixon desacoplou o dólar do ouro e implodiu as bases de Bretton Woods -, Klaus Schwab, assevera agora que a “globalização 4.0” precisa ser “mais inclusiva e sustentável”. Propôs, ainda, “uma remoralização da globalização”. Como brilhou o olho de vidro do banqueiro da anedota – aquele com ‘ar humano’ – ao ouvir tais exortações…
Relatório da entidade britânica Oxfam, divulgado em paralelo a Davos, denunciou a essência da globalização, a exacerbação da desigualdade, que chega agora à absurda e imoral situação de que 26 bilionários detêm tanta riqueza quanto metade da Humanidade – 3,8 bilhões de seres humanos. No relatório do ano anterior, eram 43 bilionários. Em um ano, a riqueza dos bilionários do planeta aumentou em US$ 900 bilhões (+ 12%), enquanto 3,8 bilhões de pessoas viram sua riqueza diminuir em 11%.
A.P.