Rechaço ao retrocesso de Kast unificou as demais candidaturas no último debate presidencial
CAIO TEIXEIRA E LEONARDO WEXELL SEVERO, de Santiago
O último debate presidencial no Chile transmitido ao vivo por rádio, televisão e pelos sites antes das eleições do próximo domingo (21) teve o seu ponto alto no momento em que o candidato Gabriel Boric, da coalizão Aprovo Dignidade, desnudou o programa de José Antonio Kast, que gaguejou e se perdeu em explicações.
A situação chegou a tal ponto que, diante de cerca de quatro milhões de espectadores, encurralado até mesmo pelos entrevistadores, Kast retrocedeu e disse que suas propostas “não eram de pedra” e que se porventura havia se comprometido com algo inconsistente, iria oportunamente reescrever.
Boric citou o arrasoado eleitoral do candidato da extrema direita, defensor da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), como uma afronta aos direitos humanos e ao desenvolvimento econômico e social, com medidas que privilegiam os interesses dos monopólios privados sobre o de toda sociedade chilena. Em defesa da democracia, das mulheres, dos aposentados e do segmento LGBTQ+, o ex-líder estudantil e parlamentar enumerou alguns dos atentados cometidos pelo fascista.
“Quando falamos de discriminação, José Antonio Kast”, recordou Boric, está lá explicitado “subsidio somente para familias casadas, página 172 do teu programa; aos aposentados, queres aumentar as pensões somente para as Forças Armadas, página 51; coordenação para perseguir ativistas de esquerda, página 27; proibição do matrimônio igualitário, página 81; eliminação do Ministério da Mulher e obrigação de uma menina estuprada de ser mãe, página 171”, enumerou.
A verdade, acrescentou o candidato da Frente Ampla, “é que existem aqui uma série de atos discriminatórios que põem em risco avanços que foram sustantivos em matéria de Direitos Humanos de todos e todas”.
Em outro ponto do programa, Kast negou suas próprias propostas de construção de termelétricas, afirmando que não construiria novas usinas com essas características e dizendo que não nega as mudanças climáticas – o que até então vinha fazendo.
Apesar disso, o debate deixou a desejar do ponto de vista da apresentação de propostas para reconstruir o país. Todas as perguntas foram feitas pelos apresentadores que podiam contestar as respostas durante o tempo do candidato. Não havia perguntas entre os candidatos. O formato é bem diferente do que estamos acostumados a ver no Brasil, mas tão limitado quanto. Como foram as emissoras que escolheram as perguntas, evitaram entrar em pontos centrais da economia, como a nacionalização do cobre, o controle dos setores estratégicos por capitais estrangeiros, inflação e desemprego altos e salários baixos ou o fim do auxílio emergencial previsto para dezembro, que tem sido a única fonte de sobrevivência para milhões de famílias.
Em entrevista para El Mostrador, o professor Cristián Leporati, diretor da Escola de Publicidade da Universidade Diego Portales (UDP), avaliou que o mau desempenho de Kast em um debate tão decisivo foi consequência de sua má preparação marcada pela defesa da ditadura, e que unificou a todos os oponentes.
Segundo o professor, o candidato do governo, Sebastián Sichel, ficou muito confortável já que foi muito pouco atacado. No entanto, ele não tem mais espaço para voltar à disputa, pois restam poucos dias para o domingo, e “comprendeu tarde demais qual era o seu eleitorado”.
Quanto à candidata Yasna Provoste, ex-presidente do Senado e representante da Democracia Cristã, o especialista disse que “já entendeu estar fora da eleição e está negociando para o segundo turno”.
O posicionamento de Gabriel Boric, avaliou, é distinto, pois se deve a que “ele e sua equipe sentem que são os ganhadores, ao menos deste primeiro turno”. Assim, avaliou, “assumiram que ele devia se apresentar como o presidente da República e tomar este estilo que implica em posicionar-se um pouco além do bem e do mal”.
Em entrevista para o ComunicaSul no mercado popular de Bio Bio, o comerciante Alonso Escobar, apesar da pouca idade, exibe com orgulho uma placa da campanha de Salvador Allende, pela Unidade Popular, em 1970. E é categórico: “Sempre me perguntam sobre qual a opção de candidato a presidente e eu respondo que, como jovem, o meu compromisso é derrotar o fascismo, que é este o caminho. Evitar a eleição de pessoas como Kast, que fazem o jogo da mídia, que apoiam a repressão e estiveram contra as mobilizações, que não estão a favor dos direitos das mulheres nem da diversidade sexual. Esse é o objetivo: derrotar o fascismo, porque com Piñera o retrocesso já foi longe demais”.