Deboche ao Exército agrava situação de Pazuello

O ex-ministro Pazuello, no palanque com Bolsonaro (foto: Fernando Frazão/Agencia Brasil)

A declaração ao Comando do Exército, do ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, Eduardo Pazuello, de que, no último domingo, participou de um “passeio” (!) e não de uma manifestação política, é inédita nos anais da nossa história castrense, pela falta de inibição na mentira, ou seja, pelo cinismo e desrespeito para com seus superiores.

Nunca um oficial mentiu tanto e tão descaradamente, com uma única exceção: o próprio Bolsonaro, no caso das bombas “de baixa potência”, que, em 1987, pretendia explodir em quartéis, na tentativa de desmoralizar o então ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves (v. HP 16/08/2018, Terrorismo de baixa potência).

Do ponto de vista estritamente público, o caso de Pazuello é ainda pior que as mentiras de Bolsonaro. Estas foram mais cavilosas, mais malignas, porém, mais ocultas do público.

No caso de Pazuello, todos viram o intendente participar da manifestação; todos viram-no em cima do palanque; todos viram-no discursar; e todos viram que a manifestação era um ato – antecipado e ilegal – da campanha de Bolsonaro à reeleição.

Manifestação mais política (e, a rigor, mais partidária) que isso, impossível. Um dos oficiais do Exército que falaram à imprensa nos últimos dias, enfatizou o problema com uma pergunta: “e se algum general da ativa tivesse subido a um palanque com Lula?”.

Entretanto, diz Pazuello que foi somente a um “passeio de moto” – que nada tinha de político.

Todos viram. Mas Pazuello diz que todos não viram o que viram.

É possível tratar com mais desrespeito a inteligência – e até o sentido da visão – dos outros, em especial os de seus companheiros de farda?

O precedente único é o caso Bolsonaro, quando o então ministro do Exército, general Leônidas, escreveu um texto intitulado “A verdade: Um símbolo da honra militar”, publicado como editorial do Noticiário do Exército nº 7449, de 25 de fevereiro de 1988, onde diz que o atual ocupante do Planalto e um cúmplice “faltaram com a verdade e macularam a dignidade militar” (cf. Luiz Maklouf Carvalho, O cadete e o capitão – A vida de Jair Bolsonaro no quartel, Todavia, 2019).

Pode-se imaginar o que o general Leônidas Pires Gonçalves escreveria sobre Pazuello e seu “passeio”.

Com uma agravante: até para mentir, Pazuello apenas repetiu o que Bolsonaro disse depois da manifestação de domingo.

Caxias, que não abaixava a cabeça nem para Pedro II (veja-se a sua reação diante da política do imperador no Prata) – apesar de ser, por isso mesmo, um exemplo inexcedível de disciplina, bravura e competência militar – mandaria um intendente desses para a Corte Marcial, como, aliás, fez com alguns que nem chegaram perto da falta de garbo do “meu gordinho” (Deus!) de Bolsonaro.

Recapitulemos, rapidamente, a questão.

Pazuello é oficial da ativa – general de divisão não-combatente, pertencente ao serviço de intendência – e, por isso, não pode, pelo Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/1980), e pelo Regulamento Disciplinar do Exército (Decreto nº 4.346/2002), participar de manifestações políticas, muito menos discursar nelas, menos ainda fazer campanha eleitoral para um candidato.

E, se isso é possível, é ainda menos permitido a um oficial da ativa participar de atos que atacam as instituições do país – Congresso, STF, etc.

Pois foi exatamente isso – isso tudo – o que Pazuello fez no domingo.

Fez porque aceitou ser instrumento de Bolsonaro para tentar desmoralizar as Forças Armadas – em especial, o Exército, por quem nutre um ódio especial desde que foi obrigado a sair da ativa, após o episódio a que nos referimos.

Medíocre soldado, notável apenas pela indisciplina, Bolsonaro, há muito, tem como fixação humilhar os oficiais-generais. Que tenha, para isso, arrumado como fantoche um oficial-intendente que, sob suas ordens (o “manda e o outro obedece”), levou o país a um desastre assassino durante uma pandemia, somente mostra como o Exército tem se mantido dentro de suas funções constitucionais, como instituição do Estado.

Porém, com a indignação do Alto Comando e a propensão dos oficiais-generais a punir severamente Pazuello, Bolsonaro foi o primeiro a dizer que a manifestação do Rio “não teve nenhum viés político”.

O primeiro mentiroso foi, portanto, Bolsonaro. Ele continua o mesmo de quando foi condenado por unanimidade, em um Conselho de Justificação, por “conduta irregular e praticado atos que afetam a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe”, e, também, “comportamento aético e incompatível com o pundonor militar e o decoro da classe” (cf. Luiz Maklouf Carvalho, O cadete e o capitão – A vida de Jair Bolsonaro no quartel, Todavia, 2019).

Pazuello, então, apenas repetiu o que disse Bolsonaro.

O que é um deboche para com o Exército e seu comandante.

O motivo de Bolsonaro para fazer Pazuello subir no palanque era quebrar a autoestima das Forças Armadas, em especial da Força terrestre, em uma palavra, humilhá-las.

Em suma, o velho berro dos fascistas: eu faço o que quero, passo por cima das instituições, inclusive das Forças do Estado. Se as instituições, inclusive as Forças, não reagem, vai-se em direção ao golpe e à ditadura.

Porém, quatro dias depois, Bolsonaro estava dizendo que a manifestação “não foi política” – pois desde o vice-presidente, general Hamilton Mourão, até o general Sérgio Etchegoyen, passando pelos generais Santos Cruz, Rêgo Barros, e os oficiais que estão na ativa, havia um consenso de que Pazuello tinha de ser punido por ter participado de uma manifestação política.

Já ressaltamos, de outras vezes, a covardia de Bolsonaro – que veio ao primeiro plano, publicamente, com o processo que o tirou do Exército, mas continuou, e continua, como um traço preponderante de seu pequeno caráter.

Porém, há outro aspecto nisto que alguns já chamaram de “morde-assopra”, em que Bolsonaro não assume o que faz, em que desmente o que fez, em que recua quando vê que as consequências, para ele, podem ser muito ruins.

Bolsonaro testa os limites da democracia e das instituições.

O episódio com Pazuello no palanque é mais um “teste” nesse sentido, desta vez, dirigido diretamente ao Exército.

Entretanto, Bolsonaro e Pazuello não estão recuando, quando dizem que a manifestação de domingo foi um mero “passeio” e não uma manifestação política.

Na verdade, isso é um escárnio. Que ressalta ainda mais a necessidade de punir Pazuello de modo exemplar. Pois, à infração de comparecer ao ato de Bolsonaro, acrescenta, agora, a mentira, o cinismo, a negação do pundonor – isto é, da honra – militar, ao faltar com lealdade ao comandante do Exército.

CARLOS LOPES

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