
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) concedeu, na quinta-feira (21/08), liminar que impede a desocupação forçada do Teatro de Contêiner Mungunzá e do Coletivo Tem Sentimento, garantindo a permanência do grupo no terreno da Rua dos Gusmões, no centro da capital paulista, por ao menos 180 dias. A decisão proíbe qualquer ação de retirada ou intervenção por parte da Prefeitura de São Paulo e da Guarda Civil Metropolitana (GCM), assegurando a continuidade das atividades culturais e sociais do espaço.
Na decisão, a juíza Nandra da Silva Machado, da Vara da Fazenda Pública, afirmou que “o perigo de dano é evidente”, diante da ameaça de remoção e destruição do equipamento cultural. Em outro trecho, o magistrado reconhece que “há perigo na demora, já que se trata de grupo de teatro atuante com atividades culturais e sociais em pleno andamento e com financiamento público.” Ele ainda reforçou que está configurado “o risco de lesão irreparável ou de difícil reparação ao direito invocado”, referindo-se à atuação contínua e relevante do grupo.
A decisão judicial surge após uma série de ações autoritárias e contraditórias da gestão municipal, que, mesmo estando em tratativas com o grupo sobre uma possível transferência para outro local, manteve o processo de desocupação. Dias antes da liminar, o grupo foi surpreendido por uma notificação com prazo de apenas 15 dias para desocupar o espaço, atropelando o pedido formal de 120 dias e o fato de que o grupo possui convênio vigente com a Secretaria Municipal de Cultura até dezembro de 2025.
A situação se agravou quando, no dia 19 de agosto, a GCM realizou uma operação violenta no local, acompanhando funcionários da COHAB em uma demolição ilegal de parte do prédio anexo ao teatro, utilizado como depósito de cenários e figurinos. Os agentes agiram sem apresentar alvará e desrespeitando o processo de tombamento em andamento pelo CONPRESP (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo). Com armas de fogo em punho, a guarda intimidou artistas e integrantes do coletivo, mesmo com ensaios em andamento e projetos financiados com recursos públicos em execução naquele momento.
Apesar de a própria Prefeitura, por meio da Secretaria de Projetos Estratégicos, ter reconhecido oficialmente, em comunicação por e-mail, a possibilidade de realocação do teatro para outro imóvel público, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) autorizou a manutenção das ações de despejo e demolição, evidenciando má-fé administrativa e um padrão de ataque sistemático à cultura popular no centro da cidade.
A conquista da liminar só foi possível devido à ampla mobilização de artistas, moradores, entidades culturais e parlamentares. “Essa tentativa de remoção é um ataque direto à cultura, ao direito à cidade e à história de resistência construída naquele território. A truculência não pode substituir o diálogo”, afirmou o vereador Hélio Rodrigues (PT), cujo mandato atuou diretamente na defesa jurídica do grupo.
Reconhecido nacional e internacionalmente, o Teatro de Contêiner Mungunzá é vencedor de prêmios como o APCA e foi indicado ao Prêmio Shell, sendo referência em inovação arquitetônica e atuação comunitária. Entre os projetos atualmente em curso, estão oficinas para juventudes, espetáculos gratuitos, ações com escolas públicas e iniciativas voltadas à valorização da cultura negra, todos financiados por políticas públicas de fomento municipal e estadual.
Além da liminar, o caso está sendo investigado pelo Ministério Público de São Paulo, que apura abusos de poder e possíveis atos de improbidade administrativa cometidos por agentes da Prefeitura e da GCM na condução do processo de expulsão.
O Teatro de Contêiner ocupa o espaço desde 2016. Em publicação no Instagram, o perfil do teatro afirma: “Fechar o Teatro de Contêiner é inadmissível. O poder público deveria estimular os teatros, jamais despejar um espaço cultural vivo e pulsante”.
“A justificativa é desapropriar a área para um programa habitacional, algo que não se sustenta. Seria perfeitamente compatível integrar o teatro ao projeto, assim como a praça em seu entorno, o que ofereceria aos futuros moradores um espaço relevante de cultura, lazer e convivência, disse pelo Instagram o vereador e urbanista Nabil Bonduki, também do Partido dos Trabalhadores. “Da mesma forma, o prédio histórico onde funcionava o antigo Hotel Rosário poderia ser restaurado e incorporado ao plano de moradias. Uma solução que preservaria o valor histórico e arquitetônico do prédio em processo de tombamento”, defende o parlamentar. “Ora, prefeito… habitação não é só teto. É lazer, saúde, segurança e cultura”, completou.