Em que o caso de Flávio Bolsonaro era diferente dos outros 42 casos que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF), cujos advogados querem invalidar as investigações com base em dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Receita Federal ou Banco Central?
Por que somente quando os advogados de Flávio Bolsonaro pediram a suspensão das investigações, com a alegação de que foram deflagradas a partir de dados fornecidos pelo Coaf, o ministro Dias Toffoli se apressou – durante o recesso do STF – a conceder o pedido, suspendendo, com isso, todas as investigações no país realizadas a partir de dados do Coaf, Receita e BC?
Em suma, Toffoli passou por cima de 42 processos, para dar urgência ao pedido de Flávio Bolsonaro (v. a interessante reportagem de Felipe Bächtold, Com 42 ações pendentes, Toffoli só viu urgência ao analisar caso Flávio, FSP 20/07/2019).
Toffoli, aliás, está resvalando rapidamente para o cinismo. Sua declaração de que “só não quer o controle do Judiciário quem quer Estado fascista” é somente isso: cinismo.
Pois ele sabe perfeitamente que qualquer processo instaurado a partir de dados fornecidos à Polícia ou ao Ministério Público pelo Coaf (ou Receita ou BC) está sob controle do Judiciário, pela simples razão de que somente um juiz pode aceitar a denúncia e somente um juiz pode julgá-lo.
O que se está discutindo, portanto, não é isso – nem mesmo a posição, que existe, em alguns meios do Judiciário, de considerar que os dados do Coaf somente poderiam ser fornecidos por autorização judicial.
Trata-se de uma posição, ainda que não concordemos com ela.
Mas o que se está discutindo não é se essa posição é justa ou injusta.
O que se está discutindo é que Toffoli deu uma decisão apenas e tão somente para livrar o filho de Bolsonaro das investigações realizadas a partir dos dados fornecidos pelo Coaf, e somente porque o pedido era do filho de Bolsonaro.
Tanto é assim que ele não tomou a mesma decisão nos outros 42 processos que tramitam no STF, com o mesmo conteúdo quanto a essa questão.
E tanto é assim que ele próprio é autor de um relatório e voto considerando constitucional o compartilhamento de dados do Coaf, Receita e BC com o Ministério Público (v. HP 17/07/2019, Para livrar Flávio Bolsonaro de investigações, Toffoli suspendeu a lei e até a si mesmo).
O que mudou, então?
Somente uma coisa: Flávio Bolsonaro é filho de Jair Bolsonaro e o objetivo de Toffoli é bajular o último (vide a história do “pacto”: HP 29/05/2019, Juízes federais criticam Toffoli e o pacto com Bolsonaro; ou a sua descoberta sobre o golpe de 1964: HP 17/10/2018, Desembargadora reafirma: “chamar de movimento um golpe é tripudiar sobre a História brasileira”).
Fora isso o que se pode dizer sobre a decisão de Toffoli, já foi dito:
“… acreditam, como Pôncio, salvar-se, lavando as mãos do sangue, que vão derramar, do atentado, que vão cometer. Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de estado, interesse supremo, como quer te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz cobarde” (Rui Barbosa, O justo e a justiça política, 31/03/1899).
VALA COMUM
Bolsonaro deu mais uma entrevista para dizer que o caso de seu filho está “esclarecido”. E repetiu, exatamente, o que Flávio Bolsonaro falou há sete meses, em sua fracassada entrevista à TV Record (v. Cronologia do crime: os Bolsonaros & outros cidadãos acima de qualquer suspeita).
Então, se nada mudou, porque o caso de Flávio foi “esclarecido”?
É óbvio que ele está considerando a decisão de Dias Toffoli como uma absolvição de Flávio – e não lhe importa que, para acobertar Flávio, Toffoli tenha suspenso todos os processos e investigações do Brasil que têm por base dados fornecidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Receita Federal ou Banco Central.
O Brasil não interessa a Bolsonaro. Só a Família e suas extensões.
No entanto, a decisão de Toffoli não é uma absolvição.
Pelo contrário, Flávio Bolsonaro jamais pareceu tão marcado pela culpa quanto agora.
Se, para escapar das investigações, um juiz – um ministro do STF – teve que paralisar todas as investigações e processos instalados a partir da detecção de operações suspeitas pelo Coaf, Receita e BC, em todo o “território nacional” (sic), Flávio deve ser culpado, só pode ser culpado, e muito culpado.
Não é uma conclusão jurídica, leitor. É uma conclusão lógica.
Até agora, o que se sabe, sobre as consequências da decisão de Toffoli?
Entre outras coisas o seguinte:
1) A Polícia Civil do Rio de Janeiro declarou que 60 investigações sobre quadrilhas do tráfico e milícias foram paralisadas, somente no Departamento Geral de Investigação à Corrupção, ao Crime Organizado e à Lavagem de Dinheiro (DGICCOR-LD).
Disse a diretora do Departamento, delegada Patrícia Alemany:
“A decisão do ministro vai atrasar dezenas de investigações do departamento. Essas apurações são complexas e usamos o Relatório de Inteligência Financeiro (RIF), feito pelo Coaf, para identificar movimentações financeiras suspeitas e que indicam a lavagem de dinheiro feitas por organizações criminosas.”
E continuou:
“Prender os criminosos é muito importante. Entretanto, atacar o dinheiro das organizações é fundamental, já que é com esse dinheiro que compram drogas, armas, munições e financiam crimes diversos. Os grupos paramilitares [isto é, as milícias], em específico, tentam de toda forma lavar o dinheiro, transformando algo ilícito em lícito. E é com dados do Coaf que conseguimos identificar as movimentações suspeitas nas contas de pessoas, muitas delas ligadas a esses grupos, que não têm uma renda compatível com o que possuem no banco.”
E repetiu:
“Esses casos são complexos e só com o apoio do Coaf que podemos identificar como organizações criminosas atuam para esconder e lavar o dinheiro do crime.”
Até agora, o DGICCOR-LD, da Polícia Civil do Rio, bloqueou 58 contas bancárias de milicianos, traficantes e laranjas, com base em informações do Coaf, com o confisco de R$ 25 milhões. A estimativa é que essa quantia, se as investigações atuais forem mantidas, chegará a R$ 100 milhões.
Entretanto, essas investigações estão inviabilizadas, pelo menos até que o pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) mude a decisão de Toffoli. O que está marcado para novembro, mas quem estabelece a pauta do STF é o seu presidente, Dias Toffoli.
2) Os traficantes internacionais de cocaína presos e processados na Operação Oceano Branco, Operação Contentor e Operação Joias do Oceano pediram a paralisação das investigações, com base na decisão de Toffoli.
Essas operações investigaram um gigantesco esquema de tráfico de cocaína – foram apreendidas 10 toneladas da droga – através do porto de Itajaí, em Santa Catarina.
Houve 57 prisões e bloqueio de R$ 75 milhões.
Para ter uma ideia dessa investigação a partir de dados do Coaf, ela mobilizou 450 policiais federais e 25 servidores da Receita.
3) Os investigados na Operação Alcatraz – corruptos que desviavam dinheiro público na Secretaria de Administração e na Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina – também pediram a paralisação das investigações, apesar de 18 deles já denunciados à Justiça.
4) Os advogados de Danúbia de Souza Rangel, a esposa do traficante Nem da Rocinha, investigada por lavagem, com base em dados do Coaf, também pediram a paralisação das investigações.
5) Os advogados de João Teixeira de Farias, que vem a ser o famoso – e aberrante – João de Deus (que o Altíssimo nos perdoe por escrever esse nome), também anunciaram que entrarão na Justiça, com base na decisão de Toffoli, para fazer esse elemento escapar de uma das investigações, aquela que apura lavagem de dinheiro: “num caso houve informação direta do Coaf para o Ministério Público e pode gerar questionamento”, declarou o principal advogado do investigado, Alberto Toron.
Por enquanto, nós vamos ficar por aqui. Essa lista deve ser encarada apenas como uma espécie de amostra grátis.
Mas, se Flávio Bolsonaro não se importa de estar nessa companhia, convenhamos que é um caso perdido – em mais de um sentido.
E, se seu pai acha que isso é prova de inocência, é porque a perversão do senso moral chegou, nele, a um estado irremediável.
ENXURRADA
Mas é significativo: para beneficiar Flávio Bolsonaro, Toffoli teve que beneficiar milicianos, traficantes, sonegadores e outros criminosos.
O professor de Direito Penal Yuri Sahione, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), diz que se pode esperar “uma enxurrada de ações” para paralisar investigações e processos.
“O problema é que há casos que só existem em razão da comunicação ou de informações pedidas ao Coaf pelo Ministério Público, como é o caso envolvendo o senador Flávio Bolsonaro.”
“A verdade”, diz o jurista, “é que, hoje, das centenas de investigações e ações judiciais propostas na Lava Jato e em outras operações, todas são passíveis de questionamento judicial sem a menor sombra de dúvidas. Inclusive as ações que já possuem decisões com condenações.”
O peculiar não é, apenas, como escrevemos antes, que um único ministro do STF possa causar tal efeito com uma penada.
O peculiar é que isso foi feito para que o filho de Bolsonaro escapasse das investigações, por um ministro cuja carreira, aliás medíocre, somente existe devido ao PT.
CARLOS LOPES
Já que parou com a investigação, então é o momento de quem tem filhos ou filhas presos por desacatos ou coisas sem importância tbm pedir pra q parem com os processos. Acho que direitos são iguais, afinal, ele não é melhor q ninguém ou será porquê é filho do homem que se diz presidente.