“Petrobrás deve se valer de todos os instrumentos jurídicos e administrativos para anular a decisão ilegal do Cade”, diz o professor de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da USP, Gilberto Bercovici, em entrevista para o site da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet)
O professor de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da USP, Gilberto Bercovici, defendeu, na última sexta-feira (17), que a nova direção da “Petrobrás deve se valer de todos os instrumentos jurídicos e administrativos para anular a decisão ilegal do Cade”, que impôs à estatal a privatização de oito das suas 13 refinarias, das quais duas já foram concretizadas: Landulpho Alves (RLAM) e a Isaac Sabbá (Reman).
O acordo do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) foi assinado voluntariamente pela gestão do governo Bolsonaro na Petrobrás em 2019 com o objetivo de acabar com o monopólio do refino no Brasil. A possibilidade do rompimento deste acordo está sendo avaliada pelo presidente da Petrobrás, Jean Paul Prates.
O professor Bercovici, em entrevista para o site da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet), afirmou que “o Cade, por qualquer de seus órgãos, não tem competência alguma para configurar ou determinar como deve ser realizada uma determinada política pública, como é o caso da política de refino de petróleo no Brasil. Deste modo, cabe ao Cade atuar dentro dos parâmetros constitucionais e legais. Não é possível a um órgão da Administração Pública usurpar competências de outros órgãos da Administração Pública, tendo em vista a delimitação constitucional e legal de suas atribuições como órgão responsável pela política concorrencial do país. O setor de refino de petróleo é monopólio constitucional da União, portanto, imune à incidência da legislação de defesa da concorrência no exercício de suas atividades”, explicou.
Bercovici expôs também que “não há previsão legal de instauração de procedimento investigativo com finalidade sancionatória contra a Petrobrás por ter exercido sua competência constitucional e legal de desenvolver as atividades do monopólio da União no setor de refino de petróleo (artigo 177 da Constituição e artigo 4º, II da Lei nº 9.478/1997). Não bastasse isso, a Lei nº 9.491/1997 proíbe expressamente a alienação ou transferência para a iniciativa privada das empresas estatais que exerçam atividades de competência exclusiva da União de que trata, entre outros, o artigo 177 da Constituição. Qualquer ato tendente a impor medidas restritivas ao exercício do monopólio constitucional do refino, inclusive a venda de ativos, é abusivo e, portanto, nulo, pois fora dos limites de competência dos órgãos de defesa da concorrência”, argumentou Bercovici.
“A Petrobrás deve se valer de todos os instrumentos jurídicos e administrativos para anular a decisão ilegal do CADE, inclusive buscar a manifestação da Advocacia Geral da União, órgão competente para atuar em conflitos de competência na Administração Pública Federal (Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993). Estamos, neste caso, diante de uma explícita violação ao disposto na Constituição e em várias leis vigentes no país. A atuação do CADE e da Petrobrás viola a legalidade, firmando documentos nulos de pleno direito que podem trazer sérios impactos econômicos não apenas para os acionistas da Petrobrás, mas para toda a sociedade brasileira. Os envolvidos na realização do ato, o de firmar um Termo de Compromisso de Cessação de Prática ilegal e inconstitucional, certamente não só podem como devem ser pessoalmente responsabilizados administrativa, cível e criminalmente”, observou o professor titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da USP.
Para Gilberto Bercovici, a anulação e a revisão de atos que prejudicam a atuação da Petrobrás iriam contribuir para reduzir os preços dos combustíveis no Brasil, uma das promessas de campanha de Lula.
“O Presidente Lula deve cumprir sua promessa restaurando a Petrobrás como empresa estatal a serviço da sociedade brasileira, anulando e revendo os atos que prejudicaram sua atuação, inclusive a venda de ativos, acabando com a política de preços vinculada ao mercado internacional (PPI) e a distribuição excessiva de dividendos e reestruturando novamente a Petrobrás como empresa integrada de energia. A imensa maioria dessas decisões são administrativas, tomadas no âmbito da empresa, bastando a União voltar a exercer seu papel de acionista majoritária e controladora e cumprir a missão definida em lei para toda empresa estatal, como é a sociedade de economia mista Petrobrás: atender ao interesse público que justificou sua criação (artigo 238 da Lei nº 6.404/1976, Lei das Sociedades Anônimas, e artigo 4º, §1º da Lei nº 13.303/2016, Lei das Estatais)”, destacou.
O aumento dos preços dos combustíveis nas regiões em que as refinarias da Petrobrás foram privatizadas tem sido alvo de muitas críticas da população, já que uma das justificativas centrais para as privatizações foi a redução dos preços.
No caso do GLP (Gás Liquefeito de Petróleo), conhecido popularmente como botijão de gás, por exemplo, a Refinaria da Amazônia (Ream) – antiga Isaac Sabbá (Reman), que está sob o controle do grupo privado Atem desde o início de dezembro de 2022, já cobra 37,1% a mais do que o das refinarias da Petrobrás e 14% acima do cobrado pela Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia. A Rlam foi privatizada no final do ano de 2021, sob o controle do fundo árabe Mubadala Capital e passou a se chamar Mataripe. No ano passado estava na ponta dos preços altos dos combustíveis. Os dados citados são do Observatório Social do Petróleo (OSP), organização ligada à Federação Nacional dos Petroleiros (FNP).
O professor Gilberto Bercovici explica que, “como toda empresa privatizada, a RLAM passou a ser administrada visando a obtenção do melhor resultado financeiro possível para seus novos proprietários privados. As questões de interesse público, ambientais ou trabalhistas nem sempre são consideradas prioritárias ou relevantes. O fato de as refinarias atuarem em verdadeiros monopólios regionais, dado que foram criadas dentro da visão de mercado nacional integrado seguida então pela Petrobrás, demonstra mais um dos equívocos causados pelo acordo ilegal firmado entre o Cade e a Petrobrás”, disse.